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Porandubas nº 710

quarta-feira, 31 de março de 2021

Atualizado às 07:52

Coisas do Brasil

Um sujeito comprou uma geladeira nova e para se livrar da velha, colocou-a em frente a casa com o aviso: "De graça. Se quiser, pode levar". A geladeira ficou três dias sem receber um olhar dos passantes. Ele chegou à conclusão: ninguém acredita na oferta. Parecia bom demais pra ser verdade. Mudou o aviso: "geladeira à venda por R$ 50,00". No dia seguinte, a geladeira foi roubada!

(Historinha enviada por Álvaro Lopes)

Azevedo abrindo tensões

O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, pediu o boné. Maneira de dizer que foi demitido. Surpresa. Não se esperava sua saída. Abrupta. Nota do Ministério: "Agradeço ao presidente da República, a quem dediquei total lealdade ao longo desses mais de dois anos, a oportunidade de ter servido ao País, como ministro de Estado da Defesa. Nesse período, preservei as Forças Armadas como instituição de Estado. O meu reconhecimento e gratidão aos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, e suas respectivas forças, que nunca mediram esforços para atender às necessidades e emergências da população brasileira". Ontem no fim da manhã, o Ministério da Defesa soltou uma nota dizendo que os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica serão substituídos. O comunicado dá a entender que a ordem veio de cima. Mas vale ainda a hipótese de terem pedido demissão. Os substitutos serão mais alinhados ao bolsonarismo? Vamos acompanhar sua trajetória.

A mexida

Mexer no Ministério nesse momento crítico que o país atravessa exige cautela, leitura adequada da moldura político-institucional, sensibilidade. E, sobretudo, consciência dos impactos da mexida em cada setor. No ambiente das Forças Armadas, a saída do general Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa, seguida da saída dos três comandantes das Forças, azedou o ambiente. E a eventual confirmação dos motivos abrirão pontos de tensão. Comenta-se que o ministro não teria demitido o comandante Edson Pujol, do Exército, pois não estaria fazendo uma gestão ao gosto do presidente Bolsonaro. Pujol sempre se manifestou contrário ao papel político das Forças.

Centrão com força

A escolha da deputada Flávia Arruda (PL-DF) para a área da articulação é um gol do Centrão. Emplaca mais um dos seus quadros. A deputada é casada com o ex-governador do DF, José Roberto Arruda. Vai ser questionada. Mas tem a proteção de Arthur Lira, presidente da Câmara. André Mendonça desce de posto, deixando o Ministério da Justiça para a Advocacia-Geral da União, de onde saiu. Mas poderá subir mais adiante, chegando ao Supremo. Anderson Flores, da PF, ascende ao Ministério da Justiça. Teria o apoio da "bancada da bala". O general Braga Neto, na Defesa, seria uma forma de harmonizar o ambiente conturbado. E a entrega da Casa Civil ao seu colega de turma na AMAN, general Luiz Eduardo Ramos, Bolsonaro tenta deixar no entorno gente de confiança. Mas a marca dessa mexida sinaliza para as bases. O presidente Jair dá guarida ao seu clamor. Esse ministério estará no olho do furacão quando a campanha pré-eleitoral se iniciar.

Ernesto e sua ideologia

A saída do ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro significa um baque da ideologia de extrema direita que tenta fincar estacas no país e que tem no então chanceler um de seus pilares. Ernesto Araújo fechou fronteiras do multilateralismo, desdenhou das vacinas, isolou o Brasil da modelagem diplomática internacional e, como fecho de sua desastrada atuação no MRE, brigou com a área política. Sua saída era previsível a partir dos recados dados pelos presidentes da Câmara e do Senado. Há dias cerca de 300 diplomatas, em carta, pediam sua demissão. A tarefa do novo chanceler, mesmo que seja identificado com o bolsonarismo, será a de recompor as pontes destruídas no campo das relações internacionais. O novo chanceler, embaixador Carlos Alberto França, é comedido.

Saúde

O novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, tem reuniões diárias com entidades e políticos. Muitas falas e pouca ação. Deveria, sim, estar na linha de frente, em hospitais, nas UPAs, vendo a tragédia que se espraia.

De fora

Triste notícia: o Brasil fica de fora de pacto internacional contra a epidemia.

Sem rumo

O governo Bolsonaro parece um dândi na escuridão. Procura um rumo. Guedes defronta-se com a questão do orçamento, inflação que sobe, perda de quadros. Auxílio emergencial abaixo das expectativas. Mesmo assim, mostra ainda certa esperança. Mas está angustiado com a situação. Pandemia no pico. Clamor da população sobe o tom. Bolsonaro preocupado com o Congresso. Perdeu a narrativa na frente da pandemia. Nomeou um Comitê, do qual não é o coordenador. A nau parece sem rumo. À procura de uma bússola.

O jogo vai começar

Os jogadores ainda estão no campo de treinamento. E os times começam a providenciar chuteiras e novos uniformes. Alguns começam a treinar imaginando que serão selecionados pelo técnico para compor o time. Outros já sabem que estarão no banco de reserva. E ainda um grupo de jogadores já sabe que só entrarão no jogo de final de campeonato se houver contusão de parceiros. O jogo é o campeonato eleitoral brasileiro, cujo final será disputado em outubro de 2022. Analisemos o panorama.

Calendário I

O jogo eleitoral tem um calendário, que nem a crise sanitária tem força para mudar, eis que tem data fixa para terminar. Sabemos que, por aqui, o processo eleitoral é ininterrupto. Termina um pleito e, no dia seguinte, começa outro. Esse fenômeno acaba deixando o país amarrado no tronco do patrimonialismo, pois os protagonistas só pensam em chegar ao poder central, desprezando agendas prioritárias e fechando os olhos para as grandes carências sociais.

Calendário II

Por isso, pode-se aduzir que estamos no estágio de pré-campanha, quando os nomes aparecem, alguns como balão de ensaio, para se conferir sua receptividade na opinião pública. As primeiras articulações se iniciam, prevendo-se interlocução que vai se fechando ao correr do ano até se compor a moldura com os mais prováveis jogadores. No final do ano, o corpo político, sondando suas bases, firma suas ideias, confirma ou desfaz impressões, compromete-se com alianças, enfim, junta os elementos para finalizar, até abril/maio de 2022, sua visão. A campanha terá início nesse tempo.

Lula

Este analista tem caminhado na direção oposta ao de vários comentaristas de política. Por exemplo, minha leitura sobre Lula é esta: só será candidato se houver uma forte e insuperável mobilização social. Articulações, alianças e compromissos, novas Cartas aos Brasileiros e outras ferramentas do arsenal da política não serão suficientes para tornar Lula candidato. Há um conjunto de fatores que ancoram esta hipótese, a saber: o espírito do tempo; a sombra do passado; a mesmice expressiva; a divisão do país.

O espírito do tempo

Cada ciclo tem sua identidade. Os fatos do presente podem até ter semelhança com o passado, mas o espírito do tempo respira os ares do hoje. O espírito do tempo, que acolheu Lula no passado, compunha-se de um conjunto de circunstâncias que empurravam o poder para seu colo. Depois de Lula e de Dilma, 13 anos, o país entrou em uma nova rota. Ares renovados, escândalos vindos à tona, vísceras expostas de líderes e partidos, versões dando lugar à verdade. Ninguém atravessa um rio duas vezes no mesmo lugar.

Sombra do passado

O passado tem duas facetas: a de saudades, dos entes queridos que se foram, do bucolismo e do atavismo que nos levam às pracinhas de nossa infância, do cheiro de terra molhada pela chuva, das brincadeiras e das músicas que nos embalavam. O passado que não volta mais. Mas há outra faceta: o tempo das coisas nefastas, dos grandes escândalos, da corrupção perversa, dos crimes, das traições e emboscadas, enfim, da maldade instalada nos espaços do nosso território. Esse passado é repelido. "Sai pra lá, peste". Pois bem, esse passado abriga os protagonistas que participaram dos acontecimentos. Não serão assépticos, limpos, em pouco espaço de tempo. O perfil de Lula estará sob a sombra do passado. Aristóteles pontuava: "pode-se considerar o caráter de uma pessoa como o mais eficiente meio de persuasão de que se dispõe".

Mesmice expressiva

O nosso sistema cognitivo é dotado de alavancas para aceitar ou rejeitar o discurso. Clyde Miller designa-as de alavancas psíquicas. A primeira é a adesão, fazendo que as pessoas aceitem ideias, por associá-las a coisas consideradas. Democracia, pátria, cidadania, liberdade, justiça estão nesta lista. Estamos falando de conceitos considerados positivos e bons. A segunda é a alavanca da rejeição, o contraponto, que procura convencer a massa a rejeitar pessoas, coisas, associando-as a símbolos negativos, como guerra, morte, fome, imoralidade, corrupção. A terceira é a autoridade, que traduz valores da experiência, conhecimento, sabedoria, domínio. Deus é a síntese desse escopo. Outros exemplos: Gandhi, Jânio Quadros. Por último, a alavanca da conformização, cujo apelo se volta para a solidariedade, a união, a irmandade. "A união faz a força". Procurem, agora, associar a voz rouca de Lula em palanque com algo. Identifica-se mais com aspectos positivos ou negativos?

A divisão do país

Lula é sempre lembrado pela divisão do país em duas bandas: nós e eles, mocinhos e bandidos. Essa imagem é muito ruim. Destrói a alavanca da unidade, da solidariedade, da harmonia social. E estamos vivenciando um momento em que o lema deve ser suprapartidário, acima das ideologias. Será muito difícil ao PT eliminar os vestígios dos tempos em que pregava "a luta contra a zelite".

A favor de Lula

Há um argumento que as margens podem correr na direção de Lula. Trata-se da hipótese que, há tempos, é inafastável de meus comentários: a equação BO+BA+CO+CA. Ou seja, o uso de instintos em campanhas eleitorais: combativo, nutritivo, sexual e paternal. Destaco o instinto nutritivo. Minha hipótese para explicar o processo de decisão de voto parte do cinturão econômico, ciclicamente usado por governos para afrouxar ou apertar a barriga do eleitor. O xis da questão resume-se na equação: bolso (BO) cheio enche a geladeira, satisfaz a barriga (BA), emociona o coração (CO) e induz a cabeça (CA) dos bem alimentados a recompensar os patrocinadores do pão sobre a mesa. E o troco, a recompensa? O voto na urna. A recíproca é verdadeira. Bolso vazio é reviravolta eleitoral. As massas podem fazer associação com Lula abrindo os dutos do consumo. Mesmo assim, este analista não crê em sua candidatura.

Fecho a coluna com mais um pouco de humor.

Idôneo, o comandante

Em certa cidade fluminense, o chefe local era um monumento de ignorância. A política era feita de batalhas diárias. Um dia, o chefe político recebeu um telegrama de Feliciano Sodré, que presidia o Estado:

- Conforme seu pedido, segue força comandada por oficial idôneo.

O coronelão relaxou e gritou para a galera que o ouvia:

- Agora, sim, quero ver a oposição não pagar imposto: a força que eu pedi vem aí. E quem vem com ela é o comandante Idôneo.

(Historinha contada por Leonardo Mota, em seu livro Sertão Alegre)