Abro a coluna de análise do processo eleitoral com o saudoso Newton Cardoso, uma grande figura da política mineira.
Helicóptero
Newtão, como era chamado, assumiu o governo de Minas e, no dia seguinte, foi ao aeroporto para viajar no helicóptero da administração estadual. Ao tomar conhecimento de que aquele "trem" tinha o nome de seu adversário, foi logo dando bronca no piloto:
- Não entro de jeito nenhum nesse trem com o nome do Hélio (Hélio Garcia era o governador anterior).
O piloto, constrangido, respondeu:
- Mas governador, esse helicóptero é do governo do Estado e não do ex-governador Hélio.
Newtão não quis saber:
- Esse trem agora vai se chamar Newtoncóptero. Falei e tá falado.
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Outra historinha envolvendo o folclórico ex-governador. Resolveu passear de carro com a família. O carro pifou na estrada. O mecânico, que o socorreu, diagnosticou:
- São os burrinhos dos freios; estão danificados. Acho bom trocar logo esses burrinhos.
Cardoso deu a bronca:
- Calma, seu mecânico, meus filhos não descerão dos burrinhos de jeito nenhum.
Uma leitura das eleições
O Brasil foi mais uma vez às urnas e mostrou compromisso com a ordem democrática. É verdade que a abstenção foi a mais alta das últimas décadas, superando em algumas capitais os votos dos vencedores, algo como 45%. Mas esse crescimento da pandemia dá medo. E milhões de eleitores, principalmente idosos, deixaram de lado seu direito ao voto. Felizmente, a polarização maldita entre os extremos do arco ideológico não ganhou intensidade. Não se viram grupos brigando nas ruas. O eleitorado, regra geral, contemplou os perfis que encarnam avanços e boa gestão. Alguns fenômenos merecem destaque.
O centro político
O eleitorado, em sua maioria, demonstrou preferir o centro da política, evitando escolher, com exceção de um ou outro caso, os perfis radicais. Não me refiro propriamente ao Centrão, que tem o PP como principal eixo, mas ao centro partidário, que reúne PSDB, MDB, PSD e DEM. Esses partidos somaram mais de 50 milhões de votos, força considerável. Claro, o PP do Centrão também foi bem contemplado. Está comprometido com Bolsonaro.
Frente ampla
É razoável projetar uma ampla frente dos grandes e médios partidos com vistas a 2022, integrando as forças de oposição ao governo bolsonarista. Essa frente cobriria os espaços de centro-direita e centro-esquerda, razão pela qual é possível a agregação de partidos como o PSB e o PDT. Mas estes dois poderão também se inclinar em direção à esquerda, juntando-se ao PSOL e ao PT.
Petismo em declínio
Como a própria presidente do PT, Gleisi Hoffmann, reconhece, o partido não morreu, mas precisa de uma chacoalhada. E essa movimentação exige formação de novos líderes, preparação de quadros, quebra da redoma em que se refugia uma pequena cúpula chefiada pelo Todo Poderoso, Luiz Inácio. E, sobretudo, arrumar uma nova bandeira: vermelha-socialista? Revolucionária? A favor da engorda do Estado? Com pregação da luta de classes? Uma volta às origens? São dilemas que o PT terá de enfrentar.
PSOL como protagonista de esquerda
O PSOL emerge como o protagonista de esquerda, capaz de atrair a atenção dos jovens e das camadas da formação de opinião, cultura e artes. Guilherme Boulos mostra musculatura nesses espaços. Teve mais de dois milhões de votos, mesmo perdendo pela diferença de um milhão para Bruno Covas, do PSDB. O prefeito Edmilson Rodrigues, de Belém, é a chama do PSOL nos fundões. Alguns vereadores farão barulho em capitais de peso, como São Paulo e Rio. Mesmo assim, será tarefa complexa se o partido continuar a desfraldar a bandeira da radicalização. Haverá invasão de propriedades?
Fadiga de material
Este consultor sinaliza aos vitoriosos o risco de descerem pelo desfiladeiro antes de prazos aceitáveis. Ao iniciarem suas gestões em 2021, precisarão dar uma arrumada geral na casa, se possível, agregando novas ideias, novos projetos, na esteira de novidades. Correm o perigo de entrarem no terreno que se chama de "fadiga de material". Principalmente os gestores reeleitos. E, mais ainda, aqueles que são extensões de um domínio de mais de 20 anos.
Base de 2022
É um erro imaginar que o pleito para as prefeituras e câmaras de vereadores não tem nada a ver com 2022. É claro que tem. O município é a casa política do eleitor. São prefeitos e vereadores os principais cabos eleitorais de deputados, senadores, governadores e presidente da República. Formam a base do edifício da política. E poderão ser mais adiante os influenciadores mais fortes do eleitor de 2022.
Administrar na escassez
Os prefeitos eleitos terão, necessariamente, de inaugurar o ciclo da escassez. Mesmo se a economia se recuperar - meta difícil - faltarão recursos para os programas. E não adiantará apelar para um governo Federal com cofres vazios. Daí o perigo de anteciparem o declínio. Uma administração tem cinco fases: 1. Lançamento - início da gestão; 2. Crescimento - projetado para o 2º ano da gestão; 3. Maturidade - 3º ano da administração; 4. Clímax - auge do prestígio, eficácia de programas e ações - último ano e 5. Declínio - que deveria ocorrer depois das eleições. Muitos prefeitos, porém, entram em declínio logo no 2º ano de governo.
Governo Federal - direita volver?
O panorama proporcionado pelas eleições mostra que a tendência do eleitorado é seguir o caminho do centro, como temos dito e repetido nesse espaço. Voltar à ponta-direita do arco ideológico é má aposta. Polarizar com a esquerda? Então, imaginemos: Bolsonaro na direita, apoiado por partidos do Centrão e nanicos; o candidato do PSOL/PT/PDT na esquerda; e um candidato do centro democrático, com perfil moderado e progressista. Este seria o vitorioso. O eleitor está saturado, cansado de ver tanta polarização animalesca.
Um país tocado pelo medo
Acabo de ler: o secretário-Geral da ONU, António Guterres, alerta que a crise causada pelo novo coronavírus é "a crise mais desafiadora que a humanidade enfrenta desde a Segunda Guerra Mundial, causando um impacto econômico 'sem precedentes' e pondo em risco a paz mundial". Teremos um 2021 ainda sob a pandemia e com sinalização de recessão. Vamos viver mais um ano de medo. Essa 2ª onda, não admitida por governantes, está mostrando ser mais violenta que a 1ª.
Pesquisas falhas
As pesquisas precisam arranjar uma metodologia capaz de fornecer dados mais confiáveis. No Recife e em Porto Alegre as distâncias entre o vitorioso e o perdedor foram bem acima do dado projetado. Pode haver mil motivos. Contanto que possam ser considerados nas projeções.
Os extremos se encontram
Pois é, o eleitor brasileiro é flexível. Idade não conta. Elegeu José Braz, de 95 anos, para a prefeitura de Muriaé, na zona da mata mineira. Feliz, anuncia: "Quero deixar um legado". E elegeu João Campos, 27 anos, prefeito do Recife, o mais jovem do país. O velho e o novo marcaram um encontro vitorioso nas urnas.
Ganhadores e perdedores
A grosso modo, sem entrar em detalhes, vamos aos ganhos e perdas:
Perderam
- Bolsonaro
- Crivella/Igreja Universal Rio de Janeiro
- PT
- Lula
- Radicais dos dois lados - Radicalização
- PSL com recursos de R$ 200 milhões
- Sergio Moro
Ganharam
- Partidos de centro
- Centristas e seus lados - Bruno/Doria, ACM Neto, Rodrigo Maia, Baleia Rossi, Gilberto Kassab, Ciro Gomes (PDT) e João Campos (PSB).
- Moderação
Policiais
Renato Sérgio de Lima, na Revista Piauí, mostra que foram eleitos 50 prefeitos e 807 vereadores oriundos da área de segurança. Dos cerca de oito mil profissionais ligados às forças de segurança (polícias e Forças Armadas) que se lançaram candidatos em 2020, cerca de 10,2% foram eleitos.
Ganho de Visibilidade
- Guilherme Boulos - PSOL/SP - Ingresso no tabuleiro