Nesses tempos de uso da caneta para mascarar a verdade, abro a coluna com uma historinha de Zé Abelha.
Lei da Gravidade
A Lei da Gravidade, de vez em quando, dá dor de cabeça aos mineiros. E a lei da gravidez, essa, nem se fala. Na Câmara Municipal de Caeté, terra da família Pinheiro, de onde saíram dois governadores, discutia-se o abastecimento de água para a cidade. O engenheiro enviado pelo governador Israel Pinheiro deu as explicações técnicas aos vereadores, buscando justificar a dificuldade da captação: a água lá embaixo e a cidade lá em cima. Seria necessário um bombeamento que custaria milhões e, sinceramente, achava o problema de difícil solução a curto prazo, conforme desejavam:
- Mas, doutor - pergunta o líder do prefeito - qual é o problema mesmo?
- O problema mesmo - responde o engenheiro - está ligado à Lei da Gravidade.
- Isso não é problema - diz o líder - nós vamos ao doutor Israel e ele, com uma penada só, revoga essa danada de lei que, no mínimo, deve ter sido votada pela oposição, visando perseguir o PSD.
O líder da oposição, em aparte, contesta o líder do prefeito e informa à edilidade, em tom de deboche, que "o governador Israel nada pode fazer, visto ser a Lei da Gravidade de âmbito Federal". E está encerrada a sessão.
(A historinha está no livro A Mineirice)
Brasil mais isolado
Não pensem que o título acima se refira a isolamento social. Não, trata-se de isolamento na esfera das Nações. A pandemia mata milhares pelo mundo. O Brasil se torna o epicentro, com liderança no ranking de mortos em 24 horas. E o que faz o governo? Ordena atrasar a publicação dos dados e manipular as informações. Não dá para acreditar que o presidente tenha exigido o teto de mortes em 24 horas: mil. Dou esse número porque foi publicado. O ministro interino da Saúde, o general Eduardo Pazuello, é um técnico de logística. Cheio de boas intenções. Mas nesse jogo de esfriar os números desfere um tiro na imagem. O Estado de Roraima acabou pagando o pato. Teria fornecido números errados. As autoridades de saúde de RR refutam. E o mundo, de queixo caído, indaga: existe democracia no Brasil?
Olavo furioso
O guru da família Bolsonaro e admiradores do atirador de Virgínia, EUA, Olavo Carvalho, que diz sobreviver com cursos online, tiveram que ouvir, por enquanto calados, o maior desaforo que já se ouviu de um brasileiro sobre o governo Bolsonaro. Disse ele que o governo é covarde, que obedece aos generais que o cercam, que se não mudar, ele mesmo, Olavo, derruba "esse governo de m....". O que faz o presidente? Bico calado. O empresário Luciano Hang, que se veste todo de verde, e tem uma cadeia de lojas, rico, ganhou também uns bofetes de Olavo, que disse não ser amigo dele e assim por diante. O que faz Hang? Pediu a amigos empresários que mandem um dinheirinho para Olavo. Belisco-me para saber se isso é sonho ou realidade. Pois é verdade. Olavo se julga o dono do governo. O suprassumo. O onipotente. O onisciente. Com direito a dizer como quer que seja o governo, que ele formou.
Os generais
Falar mal de um general, até pouco tempo atrás, era um ato considerado louco. Quando se vê um sujeito como Olavo de Carvalho desancar os generais que integram o governo, principalmente os que estão no Palácio do Planalto, a pergunta tem sentido: e os generais vão ficar em silêncio? Não haverá nenhuma reação? Por essa e por outras é que ganha força a ideia de que as Forças Armadas perdem prestígio, com suas fardas enlameadas por figuras sem ética, sem moral e compostura. E, mais ainda, por interlocutores que usam baixo calão. Linguagem que dá asco.
Ondas repetidas
Começa-se a formar a ideia de que esse novo coronavírus vai e vem. Desaparecerá em algumas regiões ou diminuirá sua matança, mas reaparecerá em ondas pequenas, aqui e ali. E esse trajeto tortuoso deverá ser enfrentado pelos governos. A vacina, que só chegaria ao mercado em um ano, deverá ser acompanhada por novas políticas públicas. Até porque os cientistas preveem a mutação do vírus, com formas até mais agressivas. A Humanidade tende a ver uma escalada de tragédias. Que a medicina e as pesquisas científicas nos tragam um pouco de esperança.
A volta às ruas
O país começa a se energizar com a movimentação das ruas. Vejamos a quem interessa essa agitação. Primeiro, ao presidente Bolsonaro, que tem a meta de segurar seus 30% até 2022. Se for às urnas com esse índice, garante posição no segundo turno. Comete o desatino de jogar o país no caldeirão da efervescência. O governo chegará trôpego às margens eleitorais. Segundo, interessa aos radicais de esquerda, que desejam manter a polarização como meio de viabilização de seus potenciais. Terceiro, interessa ao grupo alinhado à ideia do "quanto pior, melhor". As hipóteses têm como pano de fundo as variáveis: a) a pandemia e seus efeitos, com respectivas responsabilidades dos governantes nas três esferas - União, Estados e municípios; b) a economia, sob o risco de refluxo monumental ou resgate de seu potencial; c) as políticas sociais em 2021/2022 - saúde, educação e segurança.
Mapa em branco
Em matéria de liderança, o Brasil é um mapa em branco. O país caminha às escuras por faltar um líder confiável, competente, capaz de comandar um Projeto de Nação. A questão brasileira esbarra na falta de lideranças. Os quadros que temos à vista não preenchem a planilha dos valores que ilustram a grandeza de um perfil, entre os quais destaco quatro:
Valores
- Sapiência - Mais que domínio do conhecimento, sapiência é sabedoria, a habilidade no manejo da política, a capacidade de entender o mundo, de liderar um grande programa de reformas, de elevar a confiança social.
- Dignidade - Vida decente, história de bons feitos, passado limpo, reconhecimento do traçado reto que marca a trajetória do protagonista.
- Elevação espiritual - Pode parecer um valor religioso, mas no sentido que se coloca aqui é a capacidade do político de mostrar desprendimento das coisas materiais, despojamento, simplicidade, disciplina, diálogo.
- Autoridade - Não significa autoritarismo, a vontade de reprimir, lutar, guerrear, mas a capacidade de ser ouvido com respeito, sua voz ser seguida e suas ordens cumpridas, sem uso da força.
Perfis do momento
- Fernando Henrique - O tucano-mor expressa uma visão abrangente, tem prestígio junto ao empresariado, mídia, intelligentsia. Sempre ouvido e procurado pelos tucanos. Mas sem poder de mobilização. Não une partidos.
- Lula - Cada vez mais se isola. Entende o Brasil como território perdido pelo PT, mas possível de ser resgatado. Sem sintonia com a realidade. Não quer ceder espaço a outros. O ciclo Lula passou. Difícil ganhar papel de comando de uma Frente Ampla.
- João Doria - Governador de São Paulo, Estado mais forte do país - 46 milhões de votos - potencial candidato à presidência da República em 2022, Doria pode se tornar uma opção do centro-direita. Mas se avoluma teor crítico contra ele. Considerado extremamente ambicioso e sem querer repartir poder. Imagem muito ligada à nata do empresariado mais jovem. Não tem forte adesão popular.
- Fernando Haddad - O quadro mais preparado do PT. Mas uma ilha. Carece de apoio intenso no próprio partido, mas sobre sua imagem derrama-se parcela da imagem do PT, sempre lembrado por falcatruas.
- Wilson Witzel - Era uma esperança no início do governo, envolve-se em uma teia de acusações. Um ex-juiz que não carrega a boa imagem da magistratura. Acusado de prestigiar velhos esquemas.
- Ciro Gomes - Polêmico, linguagem desabrida, muito questionado por lideranças políticas. Bem informado, boa bagagem acadêmica, respeitado por economistas, sempre atento à pauta nacional. Mas é alvo de intenso tiroteio. Velha carta do baralho.
- Jair Bolsonaro - O mandatário-mor é uma fonte inesgotável de crises. Visão radical, armamentista, forte influência dos filhos (filhocracia), cercado de generais, passa a imagem de ser um transtorno à política e um risco à governabilidade. Interesse em manter a polarização com o PT. Mostra-se despreparado. E responsável pela imagem negativa do Brasil na paisagem internacional.
- Marina Silva - Perfil que denota fragilidade. Imagem positiva na esfera ambientalista. Não tem capacidade aglutinativa. Era Marina passou.
- Luciano Huck - Empresário e apresentador de programa popular na maior TV do país, um perfil apolítico, mas sem densidade no espaço do conhecimento da realidade nacional. Imagem de que pode ser o testa de ferro de poderoso grupo de mídia. Passível de questionamentos.
- Rodrigo Maia - Com uma boa folha de serviços prestados ao país, no comando da Câmara Federal, carece de apoio popular. Tem uma agenda cheia e pode ser um eficiente quadro na articulação para 2022.
- Flávio Dino - Imagem que se projeta além da fronteira do Maranhão, o governador pode ser componente de uma chapa majoritária Federal, mas é pequeno para encabeçar o posto principal de candidato a presidente. Boa fluência. Mas, sob o aspecto partidário, restrito.
- Rui Costa e Camilo Santana- Os governadores petistas da Bahia e do Ceará seriam naturais lideranças arejadas para ocupar espaço no PT, mas Lula não dá condições. Faltam a ambos visibilidade mais ampla no país. E sua performance dependerá dos resultados a serem alcançados pelo combate à epidemia em seus Estados.
- Paulo Câmara - Limitado a Pernambuco, o governador do PSB é um quadro ainda pouco conhecido, podendo vir a ser estrela do partido mais adiante. Ao PSB falta densidade nacional.
- ACM Neto - O prefeito de Salvador e presidente do DEM, ACM Neto, pode entrar bem na articulação política de 2022, e tem apoio popular na Bahia. Também não representa novidade na política.
- Davi Alcolumbre - Ganhou imagem no comando do Senado, mas com pequena possibilidade de ter dimensão nacional.
- Guilherme Boulos - Perfil contundente do MTST, restrito a pequeno espaço numa das extremidades do arco ideológico.
- Eduardo Leite - O governador do RS, do PSDB, tem perfil jovial, mas limita-se à região Sul.
- Romeu Zema- Esperava-se mais do governador mineiro, mas o Novo, seu partido, não tem sobressaído na esfera política e governativa.
- Paulo Hartung - O ex-governador do Espírito Santo é um nome de respeito, agindo hoje como conselheiro político. Parece desinteressado em perfilar na linha de frente.
- Sergio Moro - Sem o palanque da visibilidade como ministro, pode perder espaço e ser canibalizado por outros nomes. Perfil apolítico, tem condições de ser atraído por algum partido e entrar na arena de 2022. Dependerá da situação do país.