Abro a coluna com um truque do Padre Vieira.
O Padre Antônio Vieira, o célebre pregador, escritor, político e diplomata jesuíta, subindo certa vez ao púlpito, iniciou estranhamente o seu sermão exclamando:
- Maldito seja o Pai!... Maldito seja o Filho!... Maldito seja o Espírito Santo!...
E quando a assistência, horrorizada, pensava que o grande orador houvesse enlouquecido, ele tranquilamente prosseguiu:
- Essas, meus irmãos, são as palavras e as frases que se ouvem com mais frequência nas profundezas do inferno.
Houve um suspiro de alívio no templo, mas com esse recurso teve Vieira despertada e presa a atenção dos fiéis como poucas vezes, por outra via, houvera conseguido.
Impasses aos avanços
A palavra da moda no ciclo de transformações vividas pelo país é REFORMA. Fala-se todo tempo em reformas: política, econômica, trabalhista, administrativa. Os impasses se acumulam. Não tem havido razoável consenso em algumas áreas. Em parte, porque ninguém quer perder. Reforma, como se sabe, abriga mudança de valores e padrões de comportamento tradicionais, substituição de critérios políticos por desempenho, mérito e distribuição mais equitativa de recursos materiais e simbólicos.
Maquiavel e Richelieu
Maquiavel já alertava: "Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas. Na verdade, o reformador tem inimigos em todos os que lucram com a velha ordem e apenas defensores tépidos nos que lucrariam com a nova ordem". Nessa mesma linha, o cardeal Richelieu, primeiro-ministro e braço direito de Luis XIII, lembrava em seu testamento político: "O que é apresentado de súbito em geral espanta de tal maneira que priva a pessoa dos meios de fazer oposição, ao passo que quando a execução de um plano é empreendida lentamente, a revelação gradual do mesmo pode criar a impressão de que está sendo apenas projetado e não será necessariamente executado".
Nem lá, nem cá
Entre as trilhas abertas por esses dois grandes formuladores da ciência política caminha o Brasil. Quem garante que o país não se tem esforçado para abrir uma nova ordem de coisas pode estar acometido de cegueira partidária, essa que confere aos adversários dos governos a capacidade de enxergar apenas por um olho, o da oposição. E quem defende a tese de que o edifício das reformas já está construído - e que tudo anda às mil maravilhas - é um habitante passional do condomínio governamental. Por sua lupa de lentes grossas, os feitos batem nas alturas. Nem uma coisa nem outra.
Caminhando devagar
O país faz consertos nas estruturas, mas o trabalho é devagar. Os avanços não seguem o modelo "arrombar a porta" da blitzkrieg. Por aqui, a estratégia mais lembra a do general Quintus Fabius (275 a.C.-203 a.C.), conhecido por fustigar o cartaginês Aníbal Barca nas guerras do sul da Itália, nunca recorrendo ao confronto direto, mas "comendo pelas bordas". Faz mais o nosso estilo. Os políticos, para caminharem mais depressa, só mesmo com empuxo e pressão da sociedade. Agora, é oportuno reconhecer. O Congresso assumiu o protagonismo à frente das reformas, principalmente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. O Executivo, com articulação política capenga, não tem papel de liderança nessa área.
Na política I: doutrina
O fato é que esbarramos na muralha dos impasses. Na esfera política, por exemplo, as situações ocorrem à maneira de conta-gotas, uma gotinha por vez. Se os partidos carregassem substância doutrinária, poderíamos até ter as 32 siglas registradas no TSE. Mas elas não possuem. Mais parecem geleia geral. E atenção: há 75 pedidos no TSE para formação de novas siglas. Em outros países, a moldura também é cheia de partidos. Na Argentina, há 37, na França, o número é de 14 e, nos Estados Unidos, são mais de 30. Mas nesse país, o sistema é praticamente bipartidário, com os partidos Democrata e Republicano fazendo rodízio. E, claro, com programas que todo norte-americano conhece. Portanto, a reforma política deve prover os partidos de doutrina.
Na política II: voto, direito ou dever?
O voto é um dever ou um direito? Pela Constituição o voto é um dever, exceção feita aos jovens entre 16 e 18 anos, eleitores com mais de 70 anos e analfabetos. Quem deixar de votar e não apresentar justificativa plausível estará sujeito a sanções. Ora, o voto, apesar de obrigatório, queima considerável parcela da votação, por conta do índice de não comparecimento às urnas.
Na política III: voto facultativo
Já o voto facultativo, significando a liberdade de escolha, o direito de ir e vir, de participar ou não do processo eleitoral, abriga a decisão da consciência, calibrada pelo amadurecimento. É falaciosa a tese de que a obrigatoriedade do voto fortalece a instituição política. Fosse assim, os EUA ou os países europeus, considerados territórios que cultivam com vigor as sementes da democracia, adotariam o voto compulsório.
Na política IV: minoria ativa
Na Grã-Bretanha, que adota o sufrágio facultativo, a participação eleitoral pode chegar a 70% nos pleitos para a Câmara dos Comuns, enquanto na França a votação para renovação da Assembleia Nacional alcança cerca de 80% dos eleitores. Portanto, não é o voto por obrigação que melhorará os padrões políticos. O que é melhor para a democracia? Uma minoria ativa ou a maioria passiva? A liberdade para votar ou não causaria um choque de mobilização, levando lideranças e partidos a conduzir um processo de motivação das bases.
Na política V: candidatos avulsos
Partido é parte, parcela, fatia. O partido político é um canal de representação de parcela do pensamento social. Mas que parcela de pensamento é essa quando as siglas são uma gelatina, sem cheiro, cor ou sabor? Ou seja, são desprovidas de doutrina. Diz-se, ainda, que a política gira em torno de partidos. E quando estes perdem sua identidade? Os países democráticos, a partir da maior democracia no mundo, os EUA, abrem espaços para as candidaturas avulsas, pessoas não engajadas na vida partidária, que podem ser candidatos se conseguirem obedecer a determinadas regras do pleito, como número de assinaturas proporcionais ao total dos votos para governador em Estados. Por aqui, o debate se abre. O relator da questão é o ministro Luís Roberto Barroso. Em tempo: legislar sobre isso não é tarefa do Legislativo? Por que o Judiciário entra nesse tema?
Na política VI: voto e suplente
Há outros temas de relevo, entre eles, o sistema de voto. Já está na hora de definir que tipo de voto é o mais adequado ao país, aquele que mais atende ao espírito cívico: o voto distrital misto (com parcela dos candidatos sendo eleita pelo voto majoritário e parcela pelo voto proporcional) ou o atual modelo? Essa figura de suplente de senador não pode ser objeto de extinção? O suplente não é votado. E muitos suplentes acabam chegando à Câmara Alta, geralmente os financiadores das campanhas. Por que não escolher o segundo mais votado para tomar o assento caso o eleito saia do posto para ocupar cargos nos Executivos estaduais ou em casos de morte e pedidos de licença?
(Pequeno respiro entre notas monótonas)
Pra caçar rato
Seu Lunga andava com sua bota com par de esporas. Um amigo joga a pergunta:
- Lunga, para quê essas esporas?
O velho responde:
- É pra caçar rato!
O rapaz pergunta:
- Como o senhor caça rato?
Seu Lunga na ponta da língua:
- Primeiro, você põe um queijo amarrado na sua parte traseira. Quando o rato vier, você chuta de calcanhar o rato com as esporas.
Na economia I: tributos
O Brasil possui uma das cargas tributárias mais altas do mundo. Já está mais do que madura a ideia de o país avançar no caminho de uma reforma tributária em profundidade. No Senado, tramita a PEC 110, baseada em texto de um grande estudioso do tema, o ex-deputado Luiz Carlos Hauly, que corre o país discorrendo sobre o tema, e que tem como relator o senador Roberto Rocha, do Maranhão. Na Câmara, tramita o projeto do deputado Baleia Rossi, já aprovado na CCJ e que tem como relator o deputado Aguinaldo Ribeiro, da Paraíba. Os dois projetos têm em comum a criação de um Imposto sobre Bens e Serviços, com a unificação de diversos tributos. O país precisa desenrolar esse nó.
Na administração: racionalidade
O Estado brasileiro carece de profundas reformas para ganhar eficiência, agilidade, transparência. Precisa de reformas sob a égide da racionalidade. Daí a importância de organizar a composição dos espaços e cargos de acordo com critérios da meritocracia. A política do mérito, a nomeação de especialistas, o fator técnico predominando sobre o fator político. Urge enxugar a máquina administrativa, diminuir os excessos burocráticos que emperram os processos.
Na área trabalhista I: avanços
O Brasil avançou bem na linha trabalhista, com a reforma trabalhista ocorrida em 2018. Fez importante mudança na estrada da contratação de trabalhadores, por meio da Lei da Terceirização. A reforma do trabalho contou com o esforço magistral do então deputado Rogério Marinho, relator do projeto. E com a costura bem feita do deputado Laércio Oliveira, que foi relator da Terceirização. Mudanças continuam sendo feitas, agora sob a égide da Secretaria da Previdência e do Trabalho, sob o comando de Marinho.
Na área trabalhista II: o mundo do trabalho
Ocorre que o pensamento reformista ainda não baixou nas frentes do Ministério Público do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho. O primeiro continua multando empresas, sem considerar as mudanças feitas pela reforma trabalhista, onde se configura uma nova modelagem do emprego. Já o TST também começa a desconsiderar a nova composição do trabalho, alinhada pela Lei da Terceirização. Recentemente, decidiu que terceirizados de uma empresa de entregas devem ser contratados pela TST, o que deve repercutir em todo o universo do trabalho no país.
Nota Final - o desemprego em alguns países
Estados Unidos - 3,5% - só em novembro foram abertas 266 mil vagas. Em 2009, a taxa era de 10%.
Reino Unido- 3,8%
França - 8,4%
Alemanha -3,1%
Portugal - 6,6%
Espanha - 14,2%
Grécia - 16,9%
Brasil - 11% (12,5 milhões de desempregados)
Fecho a coluna com o ditador.
O ditador vai ao médico:
- E a pressão, doutor?
- O senhor sabe o que faz, meu general. Neste momento, ela é imprescindível para manter a ordem.