Porandubas nº 619
quarta-feira, 8 de maio de 2019
Atualizado em 7 de maio de 2019 14:45
Abro a coluna com um "causo" da Paraíba, tendo como personagens o governador João Agripino (1966/1971) e um "doido". Historinha narrada por Arael Menezes.
Político é para sofrer
"No panorama político da Paraíba governadores tinham o hábito de cultivar uma espécie de bobos da corte, conhecidos como "doidos", pessoas inofensivas, e que cumpriam algumas missões. João Agripino foi o iniciador dessa prática. Dentre seus "doidos", tinha um conhecido pela alcunha de Mocidade, que se julgava intelectual e tribuno de valor. No meio do mandato, Agripino sofreu forte campanha oposicionista. Comícios críticos ocorriam, dentre os quais o mais concorrido foi no Ponto de Cem Réis, área central da capital. Uma boa oportunidade para Mocidade. Municiado por boas lapadas de aguardente, mandou bala com um ácido discurso. O governador não gostou. Interpelou o "doido", ouvindo dele a resposta:
- "Ora, João, é assim mesmo... Político é para sofrer".
Mocidade era famoso também pela abertura de seus discursos. Como esta: "Senhores políticos corruptos e venais desta República...".
Os ataques de Olavo
Os insultos do escritor Olavo de Carvalho aos militares da administração Bolsonaro chegaram às raias do absurdo, especialmente contra o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria de Governo, e o vice-presidente Hamilton Mourão. Depois de chamar os militares de "pústulas", na sexta-feira ele voltou ao ataque, denominando os militares de "mão de obra ociosa" e que não são os "santos heróis da pátria que eles mesmos pintam". Do general Santos Cruz, disse que "fofoca e difama pelas costas", além de chamá-lo "merda".
Cruz, credo
A expressão popular é de repugnância. Nojo. A interjeição cai bem sobre a linguagem chula usada pelo escritor Olavo ao continuar a atacar o general Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria do Governo: "bosta engomada". Nunca se viu um destampatório tão de mau gosto. Trata-se de uma autoridade que merece respeito. Desse militar ouvem-se elogios pela carreira brilhante no Exército.
Santos Cruz
Carlos Alberto dos Santos Cruz é graduado pelas Academias de Excelência do Exército (Agulhas Negras, Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais e Escola de Comando e Estado-Maior do Exército). Engenheiro pela PUC-Campinas, com especializações, graduado ainda em Política e Estratégia no United States Army War College, foi conselheiro do Banco Mundial e adido militar em Moscou. Comandou batalhões e brigadas, tropas da ONU no Haiti e no Congo. Foi Secretário Nacional de Segurança Pública.
O contra-ataque dos generais
O general Santos Cruz postou: "Não leio Olavo de Carvalho. Acho ele um desocupado esquizofrênico". Não vai ficar nisso. Os militares que ocupam cargos no governo resolveram reagir. Na segunda-feira, o ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, que despacha no Planalto como assessor especial do ministro Augusto Heleno, divulgou um texto no Twitter em que chama Olavo de Carvalho de "verdadeiro Trótski de direita", que "age no sentido de acentuar as divergências nacionais".
Apanhar calado, não mais
Homem forte das Forças Armadas e respeitado pelos pares, Villas Bôas quis deixar claro que os militares não vão apanhar calados e que tentarão reforçar a imagem de que eles, sim, atuam com a missão de ajudar o país a se reestruturar. Sobre Olavo, diz o general: "Ele passou do ponto, agindo com total desrespeito aos militares e às Forças Armadas. Às vezes, ele me dá a impressão de ser uma pessoa doente". A palavra de Villas Bôas funcionou como bala de canhão. Disse-me um general.
A defesa na trincheira
Outro militar de alta patente disse a um jornal que é preciso parar de "dar destaque a esse energúmeno" e lamentou a condecoração concedida semana passada pelo presidente a Olavo. Segundo essa fonte, o Ministério da Defesa e as Forças Armadas como instituição irão se unir e deveriam demonstrar repúdio às declarações de Olavo, que ataca os generais: "É um apátrida que faz mal ao Brasil".
Ao nível da lama
Para responder ao general Villas Bôas, o horoscopista publicou ontem cedo no Facebook e no Twitter algumas afirmações que deixam o episódio abaixo do lamaçal. Afirma que "os militares, sem argumentos para rebater suas críticas, se escondem atrás de um doente preso a uma cadeira de rodas", referindo-se à condição do general de portador de uma doença degenerativa.
O "ícone" da guerra insana
Apesar da guerra de baixo nível promovida por seu guru contra os militares, o presidente Jair Bolsonaro postou ontem no Twitter que chegou à Câmara em 1991 e a encontrou tomada pela esquerda, "num clima hostil às Forças Armadas e contrário às nossas tradições judaico-cristãs. Aos poucos, outros nomes foram se somando na causa que defendia, entre eles Olavo de Carvalho. Olavo, sozinho, rapidamente tornou-se um ícone. Seu trabalho contra a ideologia insana que matou milhões no mundo e reiterou a liberdade de outras centenas de milhões é reconhecida por mim. Sua obra em muito contribuiu para que eu chegasse no Governo, sem a qual o PT teria retornado ao Poder. Sempre o terei nesse conceito".
Insensibilidade?
O presidente parece não perceber o que se passa à sua volta, o racha e muito menos o alto risco que ele representa para o futuro de seu governo. Ou seja, o horoscopista continuará a ditar, do fundo do poço e com vocabulário de botequim, algumas das principais orientações ao governo de sua ovelha, aos seus filhos e fiéis seguidores. Afinal, Bolsonaro está de que lado? Como o presidente da República confere a Olavo o mais alto galardão do Itamaraty? O incenso jogado a Olavo de Carvalho depois dos impropérios lançados por ele contra os generais não caiu bem na caserna.
Basta ou guerra...
Se os ataques aos generais continuarem, sob o clima de complacência do presidente (que quer agradar os dois lados), não se descarta um jogo mais pesado dos agredidos. A hipótese é muito remota, mas uma renúncia coletiva dos generais aparece bem ao fundo da paisagem.
Refém do Congresso
A esfera política continua tecendo críticas ao governo Bolsonaro. Queixam-se os políticos do "pouco caso" a que são relegados pelo presidente e seu entorno. A exceção é o vice, o general Mourão, a quem sobram elogios. A reforma da Previdência vai passar, mas não no figurino traçado pelo governo. Sofrerá um processo de enxugamento. A não ser que o presidente se empenhe intensamente para sua aprovação, tornando-se ele mesmo o articulador-mor da reforma.
Partidos mutantes
Os partidos estão com o olho nas ruas. A descrença nos partidos e nos políticos é grande. A palavra de ordem é: mudar. Como? A maior fatia pensa em trocar o nome da sigla. Resolve? Bulhufas. Nada. A questão é de conteúdo. Que doutrina, programas, ações serão empreendidas? O que defender? O que atacar? Os partidos só melhorarão sua taxa de credibilidade se o eleitor perceber e internalizar sua doutrina.
Governos em contraponto
Os governos estaduais estão se unindo para defender propostas comuns junto ao governo Bolsonaro e ao Congresso. Um ou outro governador tenta aparecer como o mobilizador-mor. Mas Doria é francamente um aliado de Bolsonaro, segundo se comenta. Como pretende encaminhar propostas que sejam antipáticas ao governo? Um mandatário de importante Estado do Nordeste identificou em João Doria, governador de São Paulo, a ambição de comandar o núcleo de governadores brasileiros. A sinalização de João para se aproximar da direita, inclusive a mais retrógrada, começa a gerar rejeição a ele.
Bruno Araújo
João Doria está dando as cartas no PSDB. Elegeu o presidente do partido em São Paulo, o deputado Marco Vinholi, secretário de Desenvolvimento Regional. E vai eleger Bruno Araújo, ex-deputado tucano de PE e ex-ministro das Cidades do governo Temer como presidente do PSDB nacional. Bruno tomará o lugar de Alckmin. Trata-se de um jovem com boa formação política, antenado à realidade, disposto a inovar e de caráter forjado na lealdade. Um bom nome.
TV Pública
Uma emissora televisiva de caráter público tem compromisso com a comunidade. Não pode querer competir com grupos comerciais. A TV Cultura de São Paulo tem alguns dos melhores programas do país. Urge defender seu escopo.
Recado ao Congresso
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) revela: o Brasil é o país que mais gasta com aposentadoria na América Latina e Caribe, segundo O Globo. Em 2015, a presidência consumiu 12,5% do PIB, no que chama de "trajetória explosiva de despesas". E mais: se não houver mudança no sistema, o gasto será quatro vezes maior (50,1%) em 2065, volume maior do que o governo arrecada. O estudo do BID revela também que o Brasil destina aos idosos sete vezes o valor que despende com as crianças. A correção deste desvio está no Congresso, com a reforma da Previdência.
Percepções...
- O governo Bolsonaro ainda não achou o rumo. Tateia na escuridão.
- O governador João Doria é bom comunicador, mas não se aproxima das massas.
- O governador Wilson Witzel, do RJ, está entre a cruz e a caldeirinha. Ordena a polícia mandar bala na bandidagem, mas tenta ter boa imagem junto às entidades sociais. Seu flagrante em um helicóptero da Polícia em operação contra bandidos mostra que ele veste mesmo a camisa do "justiceiro".
- O governo de Romeu Zema, em MG, foi acusado de permitir que seu vice-governador fizesse uso de helicóptero em estância de lazer.
- Governadores de alguns Estados enfrentam o desafio: pagar salários atrasados e os atuais. No RN, a governadora Fátima Bezerra pagará o 13º de 2018 e a folha do mês. Um sufoco.
- Grande dúvida: qual o futuro de Geraldo Alckmin?
- Os governadores elegem a questão da segurança pública como eixo-mor de sua gestão. Caso do RJ e de SP, por exemplo.
- O governo Bolsonaro ameaça despertar a estudantada e levá-la às ruas. O barulho será contra o corte de verbas na Universidade pública.
- Outro setor que fará barulho nos próximos tempos será o da Cultura (artistas).
- Rodrigo Maia, presidente da Câmara, ganha, a cada dia, musculatura de um primeiro-ministro.
- Rodrigo Garcia, vice-governador de São Paulo, tem uma pauta cheia de políticos. Trata-se de um grande articulador. Mais adiante, conta a possibilidade de vir a assumir o governo do Estado. Com a saída de Doria para tentar galgar a escada presidencial.