Porandubas nº 613
quarta-feira, 27 de março de 2019
Atualizado em 26 de março de 2019 14:28
Abro a coluna com uma historinha de 1945.
O poder é como água
1945. O Brasil abre o ciclo da redemocratização. Hermes Lima, fundador da UDN, deputado constituinte, ex-presidente do STF, foi ao Nordeste conseguir apoio de democratas ilustres para fundar outro partido, o Partido Socialista Brasileiro. Em João Pessoa, procurou Luís de Oliveira:
- Luís, o socialismo é como aqueles gramados dos castelos da Inglaterra. Cada geração dá por eles um pouco de si. Um jardineiro planta, o filho cuida, o neto poda. E vai assim, de geração em geração, até que, um século depois, torna-se o que é.
- Doutor Hermes, me desculpe, mas não vou entrar não. Gosto muito do socialismo, mas vai demorar muito. Eu quero é o poder. E o poder é como água. A gente tem que beber na hora.
Autossuficiente
O governo Bolsonaro, nesses 90 dias de vida, exibe farta autossuficiência. Ele se basta. Apesar dos avisos e alerta de Rodrigo Maia, o presidente dá mostras de fechar ouvidos aos conselhos. Tem um líder muito fraco na liderança do governo na Câmara, o major Vítor Hugo (PSL-RJ), um iniciante, passa boa parte do tempo tuitando, dá estocadas no presidente da Câmara e, incrível, parece não ter vontade de aprovar a reforma da Previdência. Ele mesmo já disse: "por mim eu não faria essa reforma". Frase infeliz.
Na corda bamba
O governo tateia na escuridão. Não sabe para onde ir. Os generais que cercam o presidente, cheios de bom senso, não conseguem domar "a fera". Até para evitar acirramento, os generais não querem grandes comemorações em 31 de março, quando o movimento militar completa seu 55º aniversário. Pois bem, Bolsonaro determinou que eles comemorassem (nota adiante). No Chile, Bolsonaro teceu loas ao ditador Pinochet. E o presidente do país, Sebastián Piñera, lamentou as "declarações" do brasileiro. No Paraguai, chamou o falecido ditador Alfredo Stroessner de "estadista". O PSL, partido maior do governo, é um saco de gatos. Paulo Guedes até desistiu de ir à CCJ na Câmara explicar a nova Previdência.
Os descrentes
"Quando um homem vem me dizer que não crê em nada e que a religião é uma quimera, faz com isso uma confidência muito ruim, pois devo ter, sem dúvida, ciúme de uma terrível vantagem que ele tem sobre mim. Como? Ele pode corromper minha mulher e minha filha sem remorsos, enquanto eu seria impedido de fazer o mesmo por medo do inferno. A disputa é desigual. Que ele não creia em nada, com isso posso consentir, mas que vá viver em outro país, com aqueles que se lhe parecem, ou, pelo menos, que se esconda, e que não venha insultar minha credulidade". Montesquieu em seus Escritos.
Morreu?
Há muitos parlamentares considerando morta a reforma da Previdência. Um deles é Kim Kataguiri (DEM-SP), criador do MBL. Este consultor acredita que ela tem sobrevida.
Quem segura o presidente?
Dizem que nem o general Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, consegue "segurar o homem". Bolsonaro não teria ainda se dado conta do cargo e do fardo que pesa sobre seus ombros. Nos EUA, mais parecia um turista satisfeito em sentar no sofá da Sala Oval da Casa Branca. Não se sabe que prioridades guiam o governo. O ministro da Educação mostra-se destrambelhado. Outros ainda não conseguiram aparecer. Os mais salientes são aqueles que deitam e rolam na cama do conservadorismo, a ministra Damares Alves, da Família e Direitos Humanos, e Ernesto Araújo, das Relações Exteriores.
Os governantes
Quando Confúcio visitou a montanha sagrada de Taishan, encontrou uma mulher cujos parentes haviam sido mortos por tigres.
- Por que não se muda daqui, perguntou Confúcio.
- Porque os governantes são mais ferozes que os tigres.
No mundo da lua
Esperava-se que o governo, ainda sob os eflúvios da vitória, fosse capaz de organizar uma base em torno de 300 parlamentares. Ou mais. Até o momento, necas. O presidente do PRB, deputado Marcos Pereira, diz que a base é tão fraca que o governo não tem nem 50 votos para aprovar a Previdência. O fato é que o capitão parece extasiado com a faixa presidencial. Já foi aos EUA, ao Chile e se prepara para viagem a Israel. Para arrematar os ares de improvisação que cercam a administração, só falta mesmo comunicar a mudança da sede da embaixada brasileira, de Tel Aviv para Jerusalém. Se isso ocorrer, o mundo árabe vai retaliar no campo da importação da carne brasileira. O governo perambula no mundo da lua.
O exemplo de Maomé
Maomé levou o povo a acreditar que poderia atrair uma montanha. E que, do cume, faria preces a favor dos observantes da sua lei. O povo reuniu-se; Maomé chamou pela montanha, várias vezes; e como: "Se a montanha não quer vir ter com Maomé, Maomé irá ter com a montanha". Dessa forma, os homens que prometeram grandes prodígios e falharam sem vergonha (porque nisso está a perfeição da audácia), passam por cima de tudo, dão meia volta e realizam o seu feito. (Francis Bacon em seus Ensaios)
Juristas e Temer
Juristas e professores de Direito, em peso, a partir dos ex-ministros do STF, Carlos Veloso e Ayres Britto, expressam sua visão sobre a prisão do ex-presidente Michel Temer: sem justificativa plausível, sem base jurídica. Diferentemente da prisão de Lula, que aconteceu após condenação em 2ª instância.
Sundfeld
O jurista Carlos Ari Sundfeld, na coluna Sônia Racy, no Estadão de ontem, sintetiza a visão jurídica que se leu na mídia: "o juiz Ivan Athié está bem embasado ao recorrer ao art. 312 do Código de Processo Penal e lembrar que não há nele 'qualquer justificativa para segregação preventiva' de Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco". A colunista complementa: "ao fazer essa ponderação, o jurista assinala que a acusação do juiz Bretas menciona fatos que já se deram há pelo menos dois anos, mas 'nada que apresente risco presente' - do tipo destruir provas ou fugir".
Golpe de 64
Essa decisão do presidente Bolsonaro de determinar que as Forças Armadas comemorem o dia 31 de março é vista como exagero. Nem os militares esperavam por medida tão inoportuna nesse momento em que cabe um esforço pela pacificação nacional. Bolsonaro anima sua base de apoio e fustiga adversários.
Frente eleitoral
A procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, anuncia que pedirá ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que examine a possibilidade de atribuir aos juízes Federais a competência eleitoral. Para Dodge, a atribuição daria aos juízes Federais autonomia maior de ação, investigação e combate aos crimes eleitorais - onde, em suas palavras "nasce a corrupção".
Afastamento
2020 começa a abrir horizontes. Muitos quadros se mostravam dispostos a perfilar ao lado de Bolsonaro com vistas ao pleito municipal. Com a sinalização de declínio do governo, detectada por pesquisas, estes quadros sinalizam distância. Ou seja, começam a dar sinais de que não mais se interessam por um alinhamento ao governo. A conferir.
Nós e eles
Pelo andar da carruagem, o país continuará a caminhar em trilhas diferentes. O "Nós e Eles", refrão tão badalado pela era petista, continuará sob novo refrão: "nós, os da nova política, e eles, os da velha política". Só que os novidadeiros da política ainda não conseguiram explicar as diferenças de conceitos.
A forca mais alta
"Canuto, rei dos Vândalos, mandando justiçar uma quadrilha, e pondo um deles embargos de que era parente del-Rei, respondeu: "Pois se provar ser nosso parente razão é que lhe façam a forca mais alta". Padre Manuel Bernardes
Moro sob fogo
Os aplausos e loas ao ministro Sérgio Moro começam a diminuir. A força do juiz está sendo estiolada pela nova identidade que começa a construir: a de ministro. Moro não terá facilidade na aprovação de seu pacote anticrime a tramitar na Câmara dos Deputados.
Battisti confessa
Cesare Battisti admite envolvimento em quatro assassinatos, diz procurador italiano. "Quando matei foi uma guerra justa para mim... Percebo o mal que causei e peço desculpas às famílias das vítimas;...os quatro assassinatos, os três feridos e uma enxurrada de roubos e roubos para autofinanciamento, é verdade. Eu falo das minhas responsabilidades, não vou nomear ninguém", afirmou. Até então, Battisti negava envolvimento em homicídios e se dizia perseguido. Procurador diz que, ao se declarar inocente, ele ganhou apoio da esquerda por onde passou, inclusive de Lula no Brasil. Pois é, e muitos por essas plagas continuam apostando em sua inocência.
Prefeitura
O prefeito Bruno Covas dá os primeiros sinais de que será candidato à reeleição. Claro, pelo PSDB. Se João Doria crescer na avaliação popular do governo, será o principal cabo eleitoral de Bruno.
Onde está Skaf?
Onde está o presidente da FIESP Paulo Skaf? Deu profundo mergulho no oceano da política. Parece decepcionado com derrotas seguidas ao governo do Estado de São Paulo. Mas saiu com boa votação. E não está morto politicamente. Se tivesse interesse pela área municipal, bem que poderia ser um candidato competitivo no pleito de 2020 na maior capital do país. Diz-se que estaria inclinado a lutar pela presidência do MDB. Seria entrar em um saco de gatos. Precisa cultivar a boa safra de votos que já colheu.
Lava Jato
A operação Lava Jato não vai morrer. A essa altura, é uma ação que se faz presente no sistema cognitivo dos brasileiros. Mesmo que se aprove projeto no sentido de coibir abusos de autoridades, enganam-se aqueles que acham que o Parlamento tentará sustar a continuidade da Lava Jato. A conferir.
Redes sociais
Apesar da inegável capilaridade conferida pelas redes sociais, aliada aos valores da interatividade e tempestividade (simultaneidade), as redes sociais continuam sendo instrumentos que não excluem nem substituem as mídias tradicionais - jornais, revistas, rádio e TV. O ideal é o uso combinado e planejado de todo o circuito midiático.
E as novas lideranças?
Qual é o rescaldo eleitoral? Quais são as lideranças emergentes? Ainda não deu para apurar. João Doria, em São Paulo, Romeu Zema, em Minas Gerais, Eduardo Leite, no Rio Grande do Sul, Ibaneis Rocha, no DF, Wilson Witzel, no RJ, estão começando suas administrações. No Parlamento, há um leva de novos deputados e senadores. Também ainda não há nomes de destaque. É cedo. A novidade é com o PSL, que nesse momento é a maior bancada (55 deputados). Trata-se de um partido onde seus integrantes fazem o exercício de tiroteio recíproco. Sem futuro.