Porandubas nº 596
quarta-feira, 31 de outubro de 2018
Atualizado em 30 de outubro de 2018 14:04
Abro com uma hilária historinha de Pernambuco.
Quer saber mais que o doutor?
O caso deu-se em São Bento do Una/PE, nos idos de 60. O caminhão, entupido de gente, voltava de um jogo de futebol, corria muito, virou na curva da estrada. Foram todos para o hospital. Uma dúzia de mortos. Lívio Valença, médico e deputado estadual do MDB, foi chamado às pressas. Pegou a carona de um cabo eleitoral, entrou na sala de emergência do hospital e foi examinando os corpos:
- Este está morto.
Examinava outro:
- Este também está morto.
O cabo eleitoral se empolgava:
- Já está até frio.
De um em um, passaram de 10. Lá para o fim, dr. Lívio examinou, reexaminou, decretou:
- Mais um morto.
O morto gritou:
- Não estou morto não, doutor, estou só arrebentado.
O cabo eleitoral botou a mão na cabeça dele:
- Cala a boca, rapaz. Quer saber mais do que o dr. Lívio?
Ufa! Vendaval passou
O vendaval se foi. E com ele, o tumulto das redes sociais e a indignação entre as bandas em que se dividiu o Brasil tendem a amainar. Graças. O clímax agressivo incendiava a alma brasileira. E, depois da temporada emotiva, eis que o país reabre seus horizontes sob o evento que há muito prevíamos: a eleição do capitão reformado, o deputado Jair Messias Bolsonaro. Fará um bom governo? Conseguirá atravessar o mar de dúvidas que se apresenta à nossa frente?
Se...se...se...
A resposta implica uma série de condições. Se conseguir arrumar a economia, sustentar os eixos da inflação, atrair investimentos, reformar o sistema previdenciário, incluindo o dos Estados, aumentar os empregos, dar respostas imediatas às demandas sociais para as áreas da saúde e segurança, ter uma ampla base de apoio no Congresso, entre outras coisas, poderá desfraldar a bandeira dos aplausos. A recíproca é verdadeira. Se não conseguir, apupos virão. Mas há um meio termo.
Bancadas especiais
As bancadas dos três bês - boi, bala e bíblia - devem somar perto de 280 parlamentares. Se derem apoio ao novo governo, Bolsonaro entra com uma grande vantagem. A questão será: o que essas bancadas vão exigir em troca?
O meio termo
Nem aqui, nem lá. Como já insistimos nesse espaço, é incompatível adotar uma política rígida de contenção de gastos, diminuir o déficit fiscal, com ações populistas, principalmente aquelas que oneram o Tesouro. O país precisa de bilhões a mais de arrecadação e não bilhões a mais de gastos. Em suma, não é possível chupar cana e assoviar ao mesmo tempo. Paulo Guedes, novo guru da economia, está reunindo uma qualificada equipe e com ela discute as alternativas. Esperemos.
Privatizar? Até onde?
Mesmo com o grau de liberdade que deverá ganhar, Paulo Guedes será contido em sua ânsia privatista. Por ele, tudo seria privatizado. Mas, e a índole militarista, o nacionalismo exacerbado, o Estado forte, coisas que impregnam a alma militar, desde os tempos getulianos de criação da Petrobras, quando se incrustou na cultura nacional o lema "o petróleo é nosso?". Os militares conservam um imutável posicionamento a respeito da preservação dentro do Estado de empresas estratégicas nas áreas da energia, petróleo e gás. Por isso, há dúvidas sobre até onde Guedes poderá caminhar nessa trilha.
Bolsonarismo
Na frente política, o desafio será o de fundar o bolsonarismo junto aos partidos, a partir da bancada que o PSL acabará formando, provavelmente assumindo o primeiro lugar com a adesão de quadros que não se sentirão acomodados em suas siglas, principalmente aquelas que não passaram pela cláusula de barreira. O bolsonarismo há de garantir apoio aos programas governamentais, devendo ser um forte polo de forças no Congresso. Muitas siglas tiveram alteradas suas composições. O centrão, para sobreviver, haveria de juntar a bancada da bala, a evangélica e a ruralista, entre outras. Papel central terá Rodrigo Maia, eventual candidato à reeleição para o comando da Câmara.
Centro-esquerda
O PT lutará para ser o principal protagonista das oposições. Fará um esforço para atrair bancadas que ocuparão o espaço de centro-esquerda, a partir do PSB, PDT e outros. Ocorre que Ciro Gomes, desde já, avisa que não mais fará política com o PT. Ciro se habilita a ser o rival do PT no plano das esquerdas, preparando-se para futuros embates. Terá tempo livre para fazer palestras aqui e alhures. O PT deverá se conformar, inicialmente, com as adesões do PSOL e, possivelmente, do PC do B, da candidata a vice na chapa de Haddad, Manuel D'Ávila.
O que será de Haddad?
O que fará, doravante, Fernando Haddad? Será uma liderança forte depois de alcançar 47 milhões de votos? Lula o deixará livre para expandir sua liderança no partido? Ao que se diz, Lula teria dito ao deputado Emídio de Souza, que o visitou nesta segunda-feira, que Haddad se habilitou para ser o principal perfil petista na frente oposicionista. Poderá vir a presidir a Fundação Perseu Abramo. Gleisi Hoffmann, a presidente do PT, toparia entregar a ele a chave do poder petista?
PSDB, para onde irá?
Mesmo com a vitória de João Doria em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, com 33 milhões de eleitores, o PSDB é um dos maiores perdedores da eleição. Alckmin teve desempenho pífio. A vitória de Doria, em São Paulo, não foi, necessariamente, uma vitória tucana. Trata-se de uma vitória mais da pessoa do que do partido. E o PSDB deverá passar por grande reordenação, com a eventual saída de tucanos antigos, como Alberto Goldman, que não rezam pela cartilha de João. O novo governador, por sua vez, vai passar a limpo a planilha do partido, verificar quem estará ou não com ele e abrir o ciclo doriano no tucanato.
O estilo João
João Doria é um obstinado. Acorda por volta de 4h da manhã, vai para a sala de ginástica, exercita-se, toma café, deixa os filhos na escola e, logo cedo, adentra seu gabinete. No Palácio dos Bandeirantes, deverá ser o primeiro a chegar. E o último a sair. Trata-se de um workaholic. Aprecia o trabalho. E vai além do conjunto das coisas para se deter nos detalhes. Solidário com os correligionários, João Doria tece o novelo da política sempre querendo aumentar a teia, não diminuí-la. Deve expandir o conceito de descentralização administrativa, aumentando o apoio aos municípios com a criação da Pasta do Interior. Abrirá o diálogo com a sociedade organizada e seguramente será um dos protagonistas principais do cenário do amanhã.
Kassab no figurino
O atual ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, conhecido por sua habilidade na interlocução, cabe no figurino da Secretaria do Interior a ser criada por João Doria. A conferir.
E o MDB?
Vê sua bancada na Câmara restringir-se a 34 deputados. Mesmo continuando com a maior bancada no Senado, passará o partido por uma fase de questionamento interno. Seu presidente, Romero Jucá, não foi reeleito. Obteve a menor votação de sua história recente. O partido passa por uma racha. E tende a estiolar-se mais ainda ante o clima pesado que reina em suas fileiras.
Dissidência
Como será a articulação do senador Renan Calheiros, reeleito, com o governo Bolsonaro? Ele e o filho, o governador reeleito, Renan Filho, apoiaram o candidato do PT, Fernando Haddad. O que fará doravante o derrotado senador Roberto Requião, que também apoiou Haddad? Aliás, qual será a postura dos dissidentes do MDB? Um deles goza de prestígio na comunidade política pela carreira estribada na conduta ética e na coerência em defesa dos valores da democracia: o senador eleito Jarbas Vasconcelos (MDB-PE), aliás, ex-presidente do MDB nos idos prestigiados do passado. Jarbas é um quadro de respeito.
Uma agenda ambiciosa
Em editorial, a Folha de S. Paulo expõe os desafios que se apresentam ao presidente eleito, Jair Bolsonaro. Eis o que chama de "agenda virtuosa":
Reequilibrar o Orçamento com controle dos gastos obrigatórios.
Conter a escalada de despesas com aposentadorias e pensões.
Eliminar privilégios de servidores; ajustar teto salarial.
Simplificar a tributação sobre bens; rever incentivos tributários.
Elevar a taxação direta sobre as vendas mais elevadas.
Vender estatais e ampliar concessões ao setor privado.
Abertura comercial, com redução de barreiras à importação.
Ampliar o crédito facilitando a recuperação de garantias.
Reduzir burocracia para abertura e fechamento de empresas.
Priorizar ensino básico, buscar outras receitas no ensino superior.
Implantar currículos nacionais para os níveis fundamental e médio.
Aprimorar a gestão do SUS, com cadastro nacional e parcerias.
Reforçar a Força Nacional de Segurança Pública.
Harmonizar produção agrícola e metas ambientais.
Instituir voto distrital misto e ajuste de bancadas na Câmara.
PT nos fundões
Jair Bolsonaro venceu em 97% dos municípios mais ricos e Fernando Haddad em 98% dos municípios mais pobres. A observação mostra onde o PT se refugiou. Entre os mil municípios com os maiores IDHs do país, Bolsonaro venceu em 967, enquanto Haddad conquistou 33. Já nas mil cidades menos desenvolvidas, Haddad ganhou em 975 e Bolsonaro em 25. Apesar de ter perdido a eleição, o candidato petista Fernando Haddad teve mais votos na maioria dos municípios brasileiros. O petista ganhou em 2.810 cidades, ante 2.760 de Bolsonaro. Ainda assim, a diferença de votos entre eles foi de 10,7 milhões. Não é pouca coisa. Os dados levantados pelo Estado de S. Paulo mostram ainda que, quanto menor o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município, maior foi a votação em Haddad - e quanto maior, mais votos para Bolsonaro. O indicador mede a qualidade de vida da população com métricas de acesso à educação, longevidade e renda.
Lua de mel com Bolsonaro
Um relatório da XP Investimentos prevê um bom cenário para o Brasil depois da posse do presidente eleito Jair Bolsonaro, do PSL. Um governo liberal e reformista ganhará o benefício da dúvida, o que poderá levar a Bolsa de São Paulo a índices que podem variar de 90 a 120 mil pontos entre 2019 e 2020, bem além dos níveis atuais. A Selic prevista pode chegar a 7,5% ou 8,5% em 2020 e o dólar pode voltar a R$ 3,50 ou 3,70. Os especialistas antevêem a partir de janeiro um ano de transformações no Brasil, com movimentações políticas importantes.
E a reforma da Previdência?
A maior dúvida do mercado hoje diz respeito à priorização ou não da reforma da Previdência, segundo o relatório da XP. O presidente eleito sinaliza com a vontade de votar parte da reforma da Previdência ainda este ano. Assim, o foco está na transição do candidato para o presidente eleito, e a consequente melhora da visibilidade em relação ao plano de governo. A transição será importante para saber de fato o que o governo eleito tentará implementar no Brasil a partir de janeiro, já que na campanha eleitoral a discussão de propostas não foi a tônica. A não priorização das reformas, ou propostas mais complexas de difícil aprovação, traria risco e volatilidade.
Principal despesa
O Brasil possui contas públicas pressionadas e pouca flexibilidade para corte de gastos. A Previdência é a principal despesa do governo, representando em torno de 60% do orçamento Federal, e é o gasto que mais cresce por causa do rápido envelhecimento populacional. Se nada for feito, em 2030 a despesa com Previdência chegará a 70% do orçamento Federal, o que é insustentável.
Abater a dívida
O presidente do Itaú, Cândido Bracher, defende a possibilidade de o país usar as reservas internacionais do país, que somam cerca de US$ 380 bilhões, para a redução da dívida. "Reservas internacionais são dólares que o país tem e que para comprá-los o país emitiu dívida. O que está se falando é usar a reserva para pagar a dívida que foi emitida. Ela custa 6,5% ao ano, e a reserva rende 1% a 1,5% ao ano, que é a taxa do dólar. Acho saudável usar uma parte das reservas para amortizar dívida".