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Porandubas nº 546

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Atualizado às 08:11

Denúncias e canibalização

Freyre com y

Abro a coluna com uma historinha vivida por este consultor.

Idos de 1962, Recife. Os concluintes do científico no Colégio Americano Batista escolheram como paraninfo o sociólogo Gilberto Freyre, que também fizera seus estudos secundários no CAB. Como orador da turma, coordenei a visita à Apipucos para entrega do convite da formatura. Subimos a escadaria da bela mansão e fomos muito bem acolhidos por dona Madalena, a companheira do grande pernambucano. Não faltou o afamado licor de jenipapo, de que tanto falava o escritor. Depois de uns minutos, aparece Gilberto Freyre. Ouviu com atenção os nomes de cada componente da comitiva. Entregue, cerimoniosamente, o convite da formatura. Lá estava escrito: "Ao escritor e sociólogo Gilberto Freire". Pegou o documento, leu o nome do destinatário, mas não abriu o envelope. E foi logo me dizendo:

- Meu filho, meu pai, Alfredo, quando recebia uma correspondência grafada com Freire, sem y, ele não a abria, devolvendo-a com uma mensagem anexada onde se lia:

-Meu Freyre é com y. Por favor, faça a correção e me volte a remeter. Vou aceitar o convite. Mas voltem depois dessa correção.

Ouvimos o puxão de orelha, surpresos, porém agradecidos. Afinal, aceitara o convite, mesmo tendo uma agenda (nacional e internacional) lotada. Uma semana depois, tomamos outro licor. Na companhia do Freyre com y.

(P.S.) Nosso paraninfo fez um dos mais densos discursos que ouvi. Fato ressaltado na mídia. Mesmo tendo "voado" um pouco nas passagens mais filosóficas.

Canibalização

Mais uma denúncia contra Lula veio à tona. Desta feita, uma denúncia de corrupção passiva, ainda do tempo em que era presidente. A questão é: essas denúncias vão surgindo, periodicamente, contra um ou outro personagem. E o leitor acaba se confundindo, não conseguindo diferenciar uma de outra denúncia. Ocorre um processo de canibalização: a última "come" a anterior ou as anteriores, de forma a adensar a capa de sujeira que veste o político. Luiz Inácio já é réu pela 5ª vez. Poucos, muito poucos, conseguem recitar os casos em que ele foi denunciado.

De terço na mão

Este consultor gosta de ver detalhes, essas pequenas coisas que acompanham o cotidiano dos protagonistas da política. Que surpresa verificar, por exemplo, que Joesley Batista, ao ser levado preso para Brasília, levava um terço entre os dedos. Sim, um terço de reza. Não o de contas aritméticas. Quer dizer, o empresário devia aproveitar a aflição para rogar ao céu ou à santa de predileção. Agora, vejam que coisa menos harmônica ou santificada: pensar numa reza contrita de Joesley e reler os termos chulos que usou na conversa com seu assessor, Ricardo Saud, quando disse, por exemplo, que tinha contratado mulher e gay como parte de suas ações "estratégicas". (aspas por conta do consultor)

Ficção

Joesley confessa ter feito contrato fictício com escritório do sócio do advogado José Eduardo Cardozo, Marco Aurélio. A quem repassava somas mensais entre R$ 70 a R$ 80 mil.

Quebra de tijolo

Mais um tijolo caindo no prédio dos Batista, a JBS. A homologação do acordo de leniência do Grupo cai por terra por decisão da Justiça Federal. Efeito dominó.

Aplausos da bolsa?

A Bolsa de Valores ultrapassou a casa dos 74 mil pontos. Analistas fazem conexão da alta com a prisão de Joesley. Será? Se for, significa aplausos do mercado ao ato. Brasil acompanha atento a escalada da Justiça.

E Miller, hein?

O ex-procurador Marcello Miller conseguiu se livrar do pedido de prisão feito pelo PGR Rodrigo Janot. O que não o livrará de eventual condenação mais adiante se for comprovado o favorecimento à JBS ainda na condição de membro do MP. O caso será investigado. Afinal, ele teria orientado ou não Joesley a gravar a conversa com o presidente Temer? Saiu do MP e cumpriu a quarentena para exercer a atividade de advogado do grupo JBS? Essas questões serão analisadas nos próximos dias.

Por quê?

Recebo do grande advogado, mestre dos mestres, Ives Gandra Martins, esta perturbadora pergunta: "Por que a seletividade da prisão de Joesley e não de Marcelo Miller? Será por ser ex-procurador?".

Excesso de confiança

As conversas entre Joesley Batista e Ricardo Saud mostram uma faceta pouco recomendável a um empresário: a maneira debochada com que trata autoridades e instituições; a tendência de igualar todos, sem exceção, jogando-os no meio do conhecido dito: todos são farinha do mesmo saco; a crença no poder do dinheiro, que compra tudo, incluindo o caráter; o uso vexatório (vergonhoso) da Língua Portuguesa, com erros de concordância dos mais primários; a facilidade com que furaram a liturgia do poder, usando, para tanto, o vil metal.

Calmaria e borrascas

Os próximos tempos intermediarão calmarias e borrascas. A calmaria será fruto do grau de previsibilidade que a política sugere, algo sensível às bolsas de valores, cujas altas ocorrem na onda de projeções positivas para as marés da política. Mas como esta gera fatos imponderáveis, é razoável supor que os próximos tempos poderão nos trazer mais borrascas. A calmaria aponta: presidente atravessando a onda de segunda denúncia feita por Janot; continuidade de melhoria dos índices econômicos; continuidade de votação e aprovação da agenda de reformas no Legislativo, entre outras situações. Borrasca: divulgação de novos áudios com fatos "gravíssimos" revelados; delações premiadas de alguns personagens que estão presos.

Palocci e o PT

O ex-ministro Antonio Palocci é "uma das pessoas mais inteligentes do país". Quem disse isso há tempos foi o ex-presidente Lula. Pois bem: agora, para Luiz Inácio e a cúpula do PT, Palocci mentiu em seu depoimento ao juiz Sérgio Moro. Quem ouviu o testemunho pode atestar: a conversa tinha roteiro, começo, meio e fim; respondeu tranquilamente a todas as perguntas do juiz; não demonstrou nervosismo ou falta de conhecimento de quem poderia estar inventando coisas; enfim, foi convincente. Este depoimento será fatal para o ex-presidente Luiz Inácio. A ser lembrado muitas vezes nos tempos eleitorais que se avizinha.

Reflexão de Chaparro

O prof. Manuel Chaparro, conhecido pela seriedade de suas análises e reflexões, insere em seu blog esta interessante observação: "Ao rotularem Antonio Palocci de "traidor", os partidários de Lula cometem aquilo que nas ciências da linguagem é chamado de ato falho. Chamar Palocci de "traidor" é dar-lhe tratamento e qualificação de cúmplice nos crimes que agora delata. Trata-se, portanto, de um ato falho. E ato falho, nos saberes de Lacan, é discurso veraz, o discurso perfeito. No caso, um discurso que, em vez de desmentir, ratifica a veracidade das revelações. Assino embaixo.

PSDB no governo

Quem apostava na saída dos tucanos do governo pode se conformar com a ideia de que cresce a tendência de ficarem até o final. Depois da escaramuça organizada pelos "cabeças pretas" (os deputados mais jovens), sob certa influência do senador "cabeça branca" Tasso Jereissati, fortalece-se a tese da permanência sob o influxo da melhoria dos índices da economia.

Tática? Conceito do momento

O momento é adequado para se iniciar o planejamento de estratégias e táticas com vistas ao amanhã. Vejamos o que é tática. No futebol, quando o atacante joga a bola para trás, recuando-a para seu próprio campo de defesa, parece realizar um movimento covarde. Às vezes, é apupado. Muitos acham que a jogada não tem lógica. Mas essa bola recuada pode abrir espaços, deslocar o adversário, obrigá-lo a avançar de maneira descuidada e abrir a defesa. Pois bem, tal manobra pode gerar uma sequência de ações que culminarão com um gol. Essa é uma operação também chamada de OP. O gol é uma operação OP, de caráter terminal. E é construído por jogadas intermediárias. A tática é ferramenta de vitória.

Na guerra

"Prepare iscas para atrair o inimigo. Finja desorganização e esmague-o. Se ele está protegido em todos os pontos, esteja preparado para isso. Se ele tem forças superiores, evite-o. Se o seu adversário é de temperamento irascível, procure irritá-lo. Finja estar fraco e ele se tornará arrogante. Se ele estiver tranquilo, não lhe dê sossego. Se suas forças estão unidas, separe-as. Ataque-o onde ele se mostrar despreparado, apareça quando não estiver sendo esperado". (Sun Tzu)

Mais lições

As lições de táticas e estratégias dos clássicos da política e das guerras parecem não merecer nenhuma consideração por parte de nossos atores políticos, empresariais, policiais e outros que adoram as luzes do palco. Lembremos mais alguns conselhos de Sun Tzu:

a) "Quando em região difícil, não acampe. Em regiões onde se cruzam boas estradas, una-se aos seus aliados. Não se demore em posições perigosamente isoladas. Em situação de cerco, deve recorrer a estratagemas. Numa posição desesperada, deve lutar. Há estradas que não devem ser percorridas e cidades que não devem ser sitiadas".

b) "Não marche, a não ser que veja alguma vantagem; não use suas tropas, a menos que haja alguma coisa a ser ganha; não lute, a menos que a posição seja crítica. Nenhum dirigente deve colocar tropas em campo apenas para satisfazer seu humor; nenhum general deve travar uma batalha apenas para se vangloriar. A ira pode, no devido tempo, transformar-se em alegria; o aborrecimento pode ser seguido de contentamento. Porém, um reino que tenha sido destruído jamais poderá tornar a existir, nem os mortos podem ser ressuscitados".

Marta candidata?

Marta Suplicy pode sair candidata do PMDB em São Paulo. A depender das pesquisas lá para os meados de março/abril. Paulo Skaf deve lutar, e muito, para voltar a ser candidato. Teria a preferência da cúpula do partido. Mas a real politik é quem ditará as conveniências. Marta poderá ter apelo mais forte. Este consultor ouviu de gente influente: a senadora cisca para fora e consegue atrair eleitores. Skaf cisca para dentro e se isola. Só acredita no que a boca fala. Já Marta ouve.

Fecho a coluna com este diálogo.

Pequena aula de política

O dialogo é muito conhecido. Merece ser lembrado pela oportunidade do tema. Diálogo entre Colbert e Mazarino, durante o reinado de Luís XIV, na peça teatral Le Diable Rouge, de Antoine Rault:

Colbert: Para arranjar dinheiro, há um momento em que enganar o contribuinte já não é possível. Eu gostaria, senhor superintendente, que me explicasse como é possível continuar a gastar quando já se está endividado até o pescoço.

Mazarino: Um simples mortal, claro, quando está coberto de dívidas, vai parar à prisão. Mas o Estado é diferente! Não se pode mandar o Estado para a prisão. Então, ele continua a endividar-se. Todos os Estados o fazem!

Colbert: Ah, sim? Mas como faremos isso, se já criamos todos os impostos imagináveis?

Mazarino: Criando outros.

Colbert: Mas já não podemos lançar mais impostos sobre os pobres.

Mazarino: Sim, é impossível.

Colbert: E sobre os ricos?

Mazarino: Os ricos também não. Eles parariam de gastar. E um rico que gasta faz viver centenas de pobres.

Colbert: Então como faremos?

Mazarino: Colbert! Tu pensas como um queijo, um penico de doente! Há uma quantidade enorme de pessoas entre os ricos e os pobres: as que trabalham sonhando enriquecer e temendo empobrecer. É sobre essas que devemos lançar mais impostos. Cada vez mais, sempre mais! Quanto mais lhes tirarmos, mais elas trabalharão para compensar o que lhes tiramos. Formam um reservatório inesgotável. É a classe média!