Abro com uma historinha mineira para aliviar o peso das notas abaixo.
Quiçá e cuíca
Benedito Valadares, governador, foi a Uberaba para abrir a Expozebu. E passou a ler o discurso preparado pela assessoria. A certa altura, mandou ver : "cuíca daqui saia o melhor gado do Brasil". Ali estava escrito : "quiçá daqui saia o melhor gado". A imprensa caiu de gozação. Passou-se o tempo. Tempos depois, em um baile na Pampulha, o maestro, lembrando-se do famoso discurso na terra do zebu, começou a apresentar ao governador os instrumentos da orquestra. Até chegar na fatídica cuíca. E assim falou : "e esta, senhor governador, é a célebre cuíca". Ao que Benedito, querendo dar o troco, redarguiu com inteira convicção :
- Não caio mais nessa não. Isto é quiçá !
(Historinha enviada por J. Geraldo)
Mais tons de cinza
Há um mês, os horizontes pareciam mais claros. Índices de confiança eram registrados com entusiasmo, sinais de resgate de investimentos surgiam em muitos setores, a esfera política tendia a se acalmar. Nos últimos dias, os horizontes ganharam acentuados tons de cinza. Dois fatos contribuem para o adensamento de nuvens plúmbeas nas dobras do presente : a prisão do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o acordo para delação premiada de Marcelo Odebrecht e mais 50 executivos do Grupo na operação Lava Jato.
A delação de Cunha
Primeiro, é oportuno lembrar que eventual delação premiada de Cunha visa preservar a situação da família - a mulher, jornalista Claudia Cruz, e a filha Daniela. Parece forte o argumento de que o juiz Sérgio Moro não pretende aliviar a situação do ex-deputado, mostrando disposição para puni-lo e dando vazão ao sentimento popular. Ao longo dos últimos meses, Eduardo Cunha tornou-se um "símbolo do mal". Parcela ponderável da carga de imagem negativa que recai sobre ele provém da maciça cobertura midiática de seu envolvimento na operação Lava Jato.
Punição
Sérgio Moro tem uma antena ligada à opinião pública. Seria desconfortável para ele e os procuradores aceitarem uma delação que transformasse a prisão de Cunha em uma retenção na residência, mesmo sob o constrangimento do uso de uma tornozeleira eletrônica. Dá mostras de que aplicará pesada condenação. Mas o deputado fará tudo o que for possível para mostrar a ausência de motivos para sua prisão. O fato é que sua detenção abriu densa camada de tensão na órbita política. Ele ajudou a uma gorda leva de deputados em suas campanhas. Deverá dar nome aos bois. E estes, por sua vez, terão de demonstrar se os recursos canalizados pelo ex-presidente da Câmara foram devidamente registrados nas planilhas entregues aos Tribunais Regionais Eleitorais de sua região.
Grande ou médio impacto ?
No Parlamento, espraia-se a versão de que os impactos de eventual delação premiada de Cunha não serão tão violentos quanto inicialmente se imaginava. Os efeitos tenderiam a ser menores do que as ameaças proclamadas. Por enquanto, tudo é especulação. Nada se pode afirmar. Cunha é uma pessoa inteligente, engenhosa, e saberá onde e como apertar os calos de ex-amigos, principalmente aqueles que o teriam "traído". O fato é que a delação, qual seja sua extensão, demandará tempo. O foro privilegiado arrastará as investigações e decisões para longe.
Delação Odebrecht
Já a delação dos componentes do Grupo Odebrecht é considerada mais impactante, eis que os delatores poderão contar casos em minúcias, com nomes, datas, números, abordagens, situações específicas. O grande número de delatores - 50 - tende a aumentar o peso da delação. Nesse caso, a imagem que se tem é a do dominó : a queda de uma pedra empurrando outra e assim por diante. O PT e seus protagonistas serão o alvo central, mas outros partidos, como PMDB e PSDB, poderão entrar na lista.
Lula, o epicentro
Luiz Inácio será alvejado de frente. Sabe-se, a essa altura, que seu codinome - amigo - o coloca no centro das investigações. E o fato de ser amigo do pai de Marcelo, Emílio Odebrecht, será usado para desfiar um denso novelo. Essa história dos R$ 8 milhões que a ele teriam sido destinados, negociados pelo ex-ministro Antônio Palocci, virá à tona com muita força. A intermediação de negócios para favorecer a empreiteira deverá ser esclarecida. Recursos para partidos políticos, nomes de favorecidos, enfim, o rolo será todo desvendado. Os mistérios virão à tona. A tênue esperança da área política é que as investigações sejam levadas para as calendas. Assim, adentrariam nos portões do amanhã.
Calendas
Sabe-se que um delator faz, em média, 10 depoimentos. Mas, a depender do perfil do delator, ele poderá prestar até 50 depoimentos. Na delação conjunta da Odebrecht, o número de delatores poderá chegar a 68. Mesmo com um grande número de investigadores, como se pode inferir, o final das investigações tomará muito tempo.
Resgate do PT ?
Lula planeja correr o país fazendo uma campanha onde dirá que se conspira contra ele e os ganhos sociais conquistados na era PT. Vai se fazer de vítima. Tentará mostrar que estão tramando um golpe contra ele. Para afastá-lo da peleja presidencial de 2018. Conseguirá ? Já ensinava Heráclito de Éfeso na Antiguidade : "Um homem nunca atravessa o mesmo rio duas vezes".
Contrastes
O fato é que o clima ambiental voltou a subir muito. As tensões aumentam. E os contrastes emergem aqui e ali. Vejamos. Já se ouve que o Brasil começa a entrar novamente nos trilhos. Esse discurso se alarga nas fronteiras do mercado. A economia entra na linha de arrumação, sob a esperança da aprovação da PEC do teto de gastos (241), cuja última votação no Senado está prevista para 14/12. A inflação dá sinais de arrefecimento. O dólar cai, a bolsa sobe. Mas o desemprego e a subocupação chegam a somar quase 17 milhões de pessoas. Se a confiança começa a ser resgatada, as interrogações se multiplicam na paisagem. É o Brasil dos contrastes.
Poder de compra
O poder de compra dos brasileiros caiu 9% em dois anos, voltando ao nível de 2011 : ou seja, de R$ 3,49 trilhões para R$ 3,17 trilhões.
Poderes em guerra
A tensão se avoluma. A invasão do Senado e a prisão de agentes policiais da Casa pela Polícia Federal abrem mais uma arena de guerra entre os Poderes. Renan Calheiros, o presidente do Senado, denuncia a ação da PF no Senado por decisão de "um juizeco de primeira instância". Com isso, abre querela com o Judiciário. A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, rebate : "Onde juiz for destratado, eu também sou", exigindo respeito dos demais Poderes da República. Renan também chama o ministro da Justiça, Alexandre Moraes, de "chefete da polícia", atirando em um alto quadro do Poder Executivo. O presidente da República, Michel Temer, com sua índole conciliadora, tenta acalmar os ânimos. Possivelmente, reúna a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o ministro da Justiça, Alexandre Moraes, no lançamento do Pacto Nacional pela Segurança Pública, previsto para esta sexta-feira.
A palavra do ministro Gilmar
O país está muito tenso. Judiciário polêmico. É também o que se vê. O ministro Gilmar Mendes tem sido um contundente e constante analista do comportamento de juízes da primeira instância. Argumenta que a competência para uma ação no Senado compete ao Supremo Tribunal Federal e não a um juiz de grau inicial. Na entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Gilmar fez contundente crítica ao corpo judicial, dizendo que os 55 mil juízes brasileiros querem imitar Sérgio Moro. Lembra, ainda, que a operação Lava Jato não pode ser instrumento para reivindicar aumento salarial. Há dias expressou ácida crítica contra os componentes do TST, atribuído a alguns um voto ideológico. Gilmar tem sido um ministro duro e direto nas análises sobre o papel de nossas instituições. Merece aplausos.
Pano de fundo
Por trás do imbróglio criado com os últimos eventos nas frentes das instituições há um conjunto de posições, pleitos, intenções e disputas : 1. O Poder Legislativo enxerga suas funções diminuídas pelo ativismo judicial ; 2. O Poder Judiciário quer avançar posições e fazer valer sua força, inclusive em defesa corporativa de salários etc. ; 3. O Poder Judiciário ocupa espaços em função da ausência de legislação infraconstitucional em determinados campos ; 4. O Poder Executivo luta para arrumar a economia e adensar sua base política, mas vê ameaçada tal meta ante a avalanche de denúncias na esfera congressual, que deixa o corpo parlamentar mais sensível ao clamor das ruas ; 5. Os atores políticos passam a cobrar custo mais alto quando se vêem acossados pela operação Lava Jato ; 6. O Poder Legislativo quer aprovar a Lei da Autoridade para evitar abusos de operadores do Direito, mas sente-se acuado diante da reação contrária da opinião pública.
Prioridades do Executivo
O Poder Executivo tem os seguintes desafios (entre outros) pela frente : a. Aprovar a PEC 241 ainda este ano ; b. Aprovar a Reforma da Previdência no 1º trimestre de 2017 ; c. Aprovar a modernização da Reforma Trabalhista em 2017 (se o STF não o fizer por meio de interpretação constitucional sobre a súmula 331 do TST e a questão do acordado sobre o legislado) ; d. Ver aprovada pelo Congresso parte da Reforma Política ; e. Negociar com Estados uma política de teto de gastos ; f. Aprovar a Reforma Educacional (segundo grau) ; g. Sustar a curva crescente do desemprego ; h. Recompor a confiança de investidores ; i. Fazer um ajuste fino em uma ou outra Pasta ; j. Administrar pressões de entidades como Centrais Sindicais.
Reclamação no CNJ
A OAB Federal e a OAB/SP entraram com uma reclamação disciplinar no Conselho Nacional de Justiça contra magistrados trabalhistas da 2ª região, que despacharam em reclamações trabalhistas promovendo adiamento de audiências para 2017. Tais juízes usaram como justificativa para não trabalhar adesão a um ato definido pela sua associação de classe contra a PEC 241/2016 (controle de gastos públicos), PEC 62/2015 (desvinculação de subsídios da magistratura dos subsídios dos ministros do STF) e PL 280/2016 (abuso de autoridade). Argumento da Ordem : "não pode um magistrado usar de sua autoridade para praticar atos processuais estranhos à lide ou às partes, como redesignação de audiências para meses ou anos seguintes, fundamentando na participação em ato de caráter político-corporativo, qual seja, combater projetos legislativos de interesse de sua corporação".
Conselhão
O governo editou decreto recriando Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que tem como tarefa o assessoramento do presidente da República na formulação de políticas e diretrizes voltadas ao desenvolvimento econômico e social e apreciar propostas de políticas públicas, reformas estruturais. Terá 80 componentes.