Porandubas nº 506
quarta-feira, 5 de outubro de 2016
Atualizado em 4 de outubro de 2016 16:56
Abro a coluna com os devaneios de um candidato que sonhava com Deus.
Era o ano de 2006. A campanha ao governo de Alagoas estava "fervendo". Um candidato muito conhecido no Estado pelas presepadas, cujo nome, por motivos óbvios aqui se omite, liderava as pesquisas. Era considerado imbatível. Último debate eleitoral na TV Gazeta. O apresentador passa a palavra ao mais que provável vencedor :
- Candidato, após esta intensa campanha eleitoral, o senhor tem 30 segundos para as considerações finais. Fique à vontade para falar.
O candidato jorrou :
- Povo de Alagoas, ontem eu tive um sonho. Neste sonho, Deus meu dizia : "doutor (fulano de tal), construa hospitais para o sofrido povo deste Estado".
A seguir, o apresentador passou a palavra ao outro candidato. Que usou a verve :
- Povo de Alagoas, quem sou eu para disputar uma eleição com um homem que Deus o trata por doutor ? O candidato (fulano de tal) disse há pouco que falou com Deus e Deus disse : doutor fulano de tal. Ora, se Deus chama o meu adversário de doutor, reconheço que não posso fazer melhor do que ele. Vocês não acham que o adversário (fulano de tal) já se considera nomeado por Deus ?
E foi assim que o candidato (fulano de tal), líder absoluto nas pesquisas, conheceu a derrota. Perdeu para a própria arrogância. (Historinha enviada por Manoel Pedrosa)
Leitura do pleito
Como não poderia deixar de ser, as Porandubas desta semana terão como foco os resultados e impactos do pleito eleitoral. Aqui estão sumarizados os grandes vetores apontados pelos 118 milhões de eleitores que compareceram às urnas.
PSDB, o maior vitorioso
O partido dos tucanos foi o maior vitorioso. Obteve 26,81% dos votos, seguido do PMDB, que alcançou 17,38%. Fez 791 prefeitos. Depois, tivemos o PSB, com 9,32% ; o DEM, com 6,92% ; o PDT, com 6,08% ; o PTB, com 4,53% e o PT, com 4,39%. O PSDB elegeu dois prefeitos de capitais e terá mais oito disputando o segundo turno no dia 30 de outubro. Já o PMDB elegeu um prefeito e terá mais seis disputando o segundo turno. Mas no cômputo das cidades acima de 200 mil eleitores, os tucanos elegeram 14 prefeitos (disputando o segundo turno em mais 19 municípios) e o PMDB, oito (disputando o segundo turno em mais 13). Visão do passado : em 2012, os tucanos elegeram quatro prefeitos de capitais e o PMDB, dois.
Maior número de prefeituras
Já o PMDB conseguiu, mais uma vez, fazer o maior número de prefeitos : 1.029, oito a mais que o número alcançado em 2012. Por enquanto. Pois o PMDB poderá crescer mais no segundo turno, a ser disputado em 56 municípios. Dessa forma, continua a ser o mais capilar do país, com presença em todos os espaços nacionais.
O maior perdedor
O PT foi o maior derrotado neste pleito. Elegeu apenas 256 prefeitos - 382 a menos que o montante alcançado em 2012. Sai de 3ª posição no ranking de prefeituras para a 10ª posição, um pouco abaixo do PTB, que elegeu 262 prefeitos. Torna-se um partido dos grotões do país. Foi expulso, inclusive, do tradicional cinturão vermelho do ABC, onde tem sua origem. Não conseguiu fazer nenhum vereador em Osasco, onde imperava. Portanto, esta pode ter sido a última campanha do ciclo de mando do PT. Que sai do centro do poder para refazer o habitat nos recantos mais longínquos. Até no Nordeste, sua praça principal, levou uma grande surra. Nem o Bolsa Família conseguiu salvar o partido.
Nulos, brancos e abstenção
O total de votos nulos e brancos foi de 13,68%, acima dos 11,15% registrados em 2012. Já as abstenções somaram 17,5%, aumento de 6,6% em relação ao primeiro turno de 2012, quando o índice chegou a 16,41%. Na média, abstenções, brancos e nulos chegam a 32,5% nas capitais. Só em São Paulo, os votos nulos, brancos e as abstenções somaram 3,096 milhões de votos, mais que a votação do vitorioso João Doria, que obteve 3,085 mil votos. Ou seja, em São Paulo, o não voto (abstenção, nulos e brancos) somou mais de 33%. No Rio, este índice superou os 38%. A maior abstenção e o maior número de votos nulos e brancos permitem inferir que este foi também o pleito da contrariedade, da indignação. A sociedade dá as costas à política. Daí o recado : urge reformar a política.
Vencedora : base de Temer
A base partidária do presidente Michel Temer venceu em todos os lados, reunindo os 1.027 prefeitos do PMDB, os 791 do PSDB, os 536 do PSD, os 494 do PP, os 294 do PR, os 265 do DEM, os 261 do PTB, os 118 do PPS e uma parcela dos 412 do PSB, e outra boa fatia dos 704 prefeitos de outras legendas menores. O número de prefeituras ganhas por partidos da base aliada é de 4.930. Já as oposições encolheram, a partir do PT. Que ganhou prefeituras dos grotões, afora a capital do Acre, Rio Branco. O PSOL ainda ostenta força graças ao bom posicionamento de Marcelo Freixo, no Rio de Janeiro.
O maior fenômeno : João Doria
O maior fenômeno eleitoral é João Doria, que abre um fato inédito :ganhar uma eleição na maior metrópole do país em primeiro turno. Razões : vestiu o manto antipetista na cidade por excelência do antipetismo, expressou discurso da gestão, mostrou-se como empresário sem os vícios da velha política, teve a maior mídia eleitoral - em função da parceria entre PSDB e 12 partidos. Com uma cara limpa, um discurso apropriado, uma agenda que incluiu nove meses de corrida intensa pelos 93 sub-distritos de São Paulo, passou a ser amplamente conhecido e angariou o voto útil contra o PT. Quando o eleitorado percebeu que poderia despachar Fernando Haddad logo no primeiro turno, o fez. Essa corrente se formou em dois dias - sábado e domingo da eleição.
Quem ganha com Doria
Quem sobe com a vitória inesperada de João é o governador Geraldo Alckmin, que patrocinou sua candidatura. Alckmin apostou na candidatura do empresário e jornalista. João fez um bom programa de TV e rádio, escolheu Haddad como foco, mas foi educado. Não usou linguagem capenga. Saiu-se muito bem nos debates. A lógica da política eleitoral apontava para seu crescimento. E assim, em três meses, subiu de 6% para 53,03% dos votos em São Paulo. Alckmin ganha fôlego, desde já, para caminhar na direção de 2018. São Paulo é o maior colégio eleitoral do país com os seus 33 milhões de votos, o dobro de Minas Gerais.
Perdas de Lula
Lula e Dilma também foram grandes perdedores. Lula pegou Haddad pelo braço e correu a periferia de São Paulo. O PT não venceu em nenhuma zona eleitoral. Os candidatos apoiados por Lula em todas as grandes cidades perderam. Além de Haddad, estão Jandira Feghali (PC do B), no Rio ; Luizianne Lins (PT), em Fortaleza ; Fernando Mineiro (PT), em Natal ; Marcio Pochmann (PT), em Campinas ; professor Tito (PT), em Sumaré ; Fernando Santana (PT), em Barbalha, Ceará. Em sua casa, em São Bernardo do Campo, Lula não conseguiu eleger vereador seu filho, (do primeiro casamento de dona Marisa Letícia), Marcos Lula. Que teve apenas 1.504 votos. O candidato do PT a prefeito, Tarcisio Secoli, ficou em terceiro lugar e está fora do segundo turno. Os candidatos de Dilma também capengaram, como Raul Pont, em Porto Alegre, e a própria Feghali, no Rio.
Rede encolheu
A Rede, de Marina Silva, teve 820 candidatos a prefeito. Elegeu cinco. Sete fundadores saem do partido, decepcionados.
PC do B No MA
O PC do B, do governador Flávio Dino, registrou o maior avanço numérico nos municípios com população miserável, ao passar de 11 para 27, das quais 23 no Maranhão.
Vencedores do PT
O PT teve isolados vencedores. O prefeito de Rio Branco, capital do Acre, foi reeleito. O candidato Edinho Silva conseguiu vencer a ex-mulher, Edna Martins, como candidato de Araraquara, em São Paulo. E Eduardo Suplicy, sob as artimanhas de quem faz tudo para aparecer, foi o vereador com maior votação em São Paulo, com 301,4 mil votos, 5,62% dos votos válidos na capital.
Última campanha do ciclo PT
Esta foi a última campanha municipal sob o desfraldar de velhas bandeiras. Algumas delas : o apartheid social desenhado pelo PT por meio de seu insistente bordão : "nós e eles" ; o desfile de caras e bocas na mídia eleitoral, cuja audiência foi um fracasso face à rejeição do eleitor aos políticos, de forma geral, e aos candidatos, em particular ; os debates entre candidatos a prefeito, geralmente monótonos e com regras muito restritivas ; promessas que entram na esfera das extravagâncias e exageros.
Campanha mais limpa
Tivemos uma campanha mais asséptica : ruas ficaram mais limpas, sem o entulho publicitário de santinhos e cartazes afixados em postes ; a proibição de recursos às campanhas por parte de empresas exigiu mais sola de sapato, com os candidatos se obrigando a percorrer as ruas de regiões e bairros, reforçando os eixos da articulação social e da mobilização de grupos ; a indignação contra os escândalos que mancham o perfil de políticos, gestores públicos e empresários tem propiciado postura mais crítica do eleitor.
Nós e eles
A recorrente parolagem de condenação às elites, que Lula e seu entorno plasmaram com afinco nos últimos 20 anos, azedou as relações de parcelas significativas da sociedade. Construiu-se, de um lado, um inferno para "eles" e um céu para "nós", divisão que começou a fragmentar quando os "olimpianos" foram flagrados nas teias do mensalão e arremetidos ao poço do descrédito pelo tsunami do petrolão. O ambiente político e social se liberta do grilhão expressivo que ainda faz eco em grupos incrustados na universidade pública, em setores da cultura (bafejados pelo Estado protecionista da Lei Rouanet) e em turbas agressivas de movimentos do arquipélago que reúne ilhas como UNE, MST, MTST, CUT e adjacências.
O amanhã
É razoável supor que os partidos políticos ganharão densidade ideológica, deixando de ser entes amorfos, insossos e incolores. Da mesma forma, é possível prever campanhas menos exuberantes, mais modestas, sem estardalhaços, acompanhadas atentamente por um eleitor crítico. Observa-se em todos os rincões, mesmo os mais distantes, o crescimento da racionalidade. Donde se pode tranquilamente afirmar : no Brasil, o voto começa a escapulir do coração para entrar na cabeça.
2º turno
O segundo turno mobilizará 32 milhões de eleitores.