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Porandubas nº 492

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Atualizado às 08:25

Abro a coluna com a matreirice de um professor de Direito.

Cláudio Lembo, professor de Direito, ex-vice-governador de São Paulo, matreiro político, as sobrancelhas mais decorativas do país, tem a verve na ponta da língua. Um dia, telefona para um amigo de Araçatuba para sondá-lo sobre o ingresso em seu partido. "Já se inscreveu em algum partido" ? "Não. Esperava as suas ordens". Lembo pede, então, que ele entre no PP. E lá vem a pergunta : "No PT do Lula" ? O ex-vice-governador de São Paulo replica : "No PP". Matreiro, o amigo diz que ouve mal. O arremate, contado por Sebastião Nery, é uma chamada sobre a nossa cultura política : "Vou soletrar alto e devagar : PP. P de partido e P de banco". O amigo entendeu a mensagem. A historinha retrata a identidade de quadros e partidos e serve para ilustrar o cotidiano de nossa cultura política.

As conversas gravadas

A agenda da Lava Jato praticamente entroniza o instrumento da delação premiada. E este, por sua vez, passa a abrigar o sistema de gravações. Assim compreende-se a gravação da conversa entre o ex-senador e ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, e o senador Romero Jucá. Ambos são amigos de longa data. Chama a atenção nesse episódio o vazamento da gravação, atribuída ao próprio Machado. Uma punhalada pelas costas. Na política, não há amigos, só um jogo de conveniências.

Jucá sai

A licença do senador Romero Jucá do Ministério do Planejamento pode ser considerada como uma saída honrosa para ele. Não foi demitido, apenas licenciou-se. A esperar pela palavra do MP, não voltará. O MP e o Judiciário serão muito duros em relação aos políticos. O presidente Michel Temer, por sua vez, tem Jucá como um baluarte na linha de frente do Senado. Experiente senador, um político polivalente, entra em todas as grandes batalhas travadas no Senado Federal. O presidente Temer precisará muito dele.

Preservar forças

O novo governo se esforçará para deixar o affaire gravação de conversa entre Machado e Jucá na faixa estreita do acontecimento. Ou seja, espera que o caso não afete a balança da política no plenário da Casa. O senador Telmário Mota, de Roraima, Estado de Jucá, entrou com pedido de punição ao colega no Conselho de Ética. O pedido será assinado pelo presidente do PDT, Carlos Lupi. Pouco provável que prospere. Quem, na verdade, alterará o jogo de forças no Senado deverá ser o pacote de medidas na área econômica que o governo apresentou, ontem.

Medidas

As medidas apresentadas sinalizam um forte reajuste nas contas públicas, a partir da redução dos gastos públicos. Ou seja, o governo, durante os próximos anos, terá um teto para gastar. Vai acabar com os limites de despesas para educação e saúde, o que significará um corte naquelas duas rubricas. A extinção do Fundo Soberano (R$ 2,4 bilhões) permitirá aliviar o déficit público. O BNDES, por sua vez, terá de devolver à União Estado cerca de R$ 100 bilhões, melhorando, assim, a posição das contas públicas. Não haverá, por enquanto, nem novo imposto nem alta de impostos. As medidas são saneadoras. O mercado aplaudiu as medidas. O fim da gastança.

Liturgia do cargo

Michel Temer governa na plenitude da liturgia do cargo. Presidente da Câmara por três vezes, prestigia o Parlamento. O gesto de chamar os líderes dos partidos para lhes apresentar, previamente, o conjunto de medidas foi muito bem aceito. Os líderes saíram da reunião fazendo loas ao presidente. Só na sequência, Meirelles, Padilha e Geddel detalharam as medidas para a imprensa. O uso de uma rede nacional para apresentar projetos e pacotes não faz parte do gosto do presidente em exercício. Faz bem. Trata-se de uma medida muito autoritária.

Gritos de estertor

Os gritos que ainda se ouvem nas ruas de algumas capitais ressoam como últimos estertores de grupos aparelhados pelo Estado. Como se sabe, o governo petista aparelhou o Estado brasileiro e passou a financiar movimentos e blocos especializados em algazarras. Esses setores deverão, doravante, ver as torneiras de recursos fechadas. Por isso, a perspectiva é de refluxo de tais movimentos. Eles tenderão a continuar por mais um pouco com o grito de "golpe". Que não cola ante a evidência : STF, golpista ? Congresso, golpista ? Imensa maioria do povo brasileiro, golpista ?

Diálogo

O recuo do presidente em exercício Michel Temer em recriar o Ministério da Cultura é um gesto de humildade. Sinaliza um perfil que cultiva o diálogo. Tirou, ademais, o motivo da pirraça de muitos radicais. Que imediatamente procuraram compor novos slogans.

Base no Congresso

Um ou outro partido continua a exigir mais fatias do bolo do poder. É o retrato de nosso presidencialismo de coalizão. Os 11 partidos que formam a nova base governista querem entrar na máquina administrativa. O PV sai da base para assumir uma postura de independência. Mas o ministro Sarney Filho, do PV, tende a continuar. O presidente Temer deve contar com uma maioria de 3/5 para promover reformas constitucionais. Tanto na Câmara quanto no Senado.

Reformar : coisa difícil

O lembrete é de Maquiavel : "Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas". Quem patrocina um programa reformista, explica o pensador, tem inimigos entre aqueles que lucram com a velha ordem e poucos defensores que teriam vantagens na nova ordem. A resistência se torna mais forte em territórios contaminados pelas mazelas da velha política, entre as quais podemos apontar loteamento da burocracia estatal, descontrole de gastos, ausência de planejamento, improvisação, acomodação e incúria, fatores que descambam na perpetuação do status quo.

Blitzkrieg

Para alcançar êxito, o princípio maquiavélico é este : os governantes devem realizar uma Blitzkrieg agora, quando iniciam o ciclo administrativo. Entre o meio e o final de governo, será mais complexa a missão de reformar processos. E para quem tem menos de dois anos de governo ? Limitar gastos públicos é a primeira disposição. A meta de cortar as gorduras do Estado começa pela exoneração de cargos comissionados (cerca de 25 mil).

Chancela política

Ocorre que a maior parcela desse contingente está sob a chancela política. Por isso, a prática de corte massivo de comissionados no início da gestão, apesar de gerar impacto, fica amortecida ao longo do tempo. A massa que sai acaba sendo reposta, chegando, ao final do mandato, praticamente do tamanho inicial. Os vazios da largada são preenchidos na chegada. A eliminação desse exército é tarefa difícil, eis que nele estão fincados os bastiões das forças políticas.

Cunha empoderado ?

Muitos dizem que Eduardo Cunha continua dando as cartas. A força do ex-presidente da Câmara é grande, mas, a cada dia, esvanece diante das novas composições que se fazem na Câmara. Mas não será fácil escapar à influência de Cunha, um patrocinador de apoios a uma bancada de cerca de 100 deputados durante a campanha eleitoral de 2014.

Renan dá apoio

Renan Calheiros, o todo poderoso presidente do Senado, demonstra que dará apoio ao governo presidido por Michel Temer, colocando em votação o pacote de medidas de saneamento da economia. Renan é pragmático. E age de acordo com o espírito do tempo.

Lava Jato

A operação Lava Jato navega no piloto automático. Nenhuma força será capaz de deter seu rumo. O juiz Sérgio Moro se imbuiu da missão de passar o Brasil a limpo. Com os meus aplausos.

Paulo Rabello de Castro

Deverá ser o presidente do IBGE. Porta um dos mais densos currículos da planilha dos economistas notáveis do país. Tem perfil de ministro. É um quadro em ascensão.

Ouvir as ruas

Nenhum governante poderá sair-se bem se não ouvir o clamor das ruas. Mas não pode deixar de olhar para o Congresso. Por isso, vejo Michel Temer com um ouvido colado às ruas e um olho atento ao Parlamento. Dosar, sopesar, analisar, ponderar - verbos do seu dicionário.

Crueldade particular

Um turco se encontrou um dia com um canibal. "Sois muito cruéis, pois comeis os cativos que fazeis na guerra", disse o maometano. "E o que fazeis dos vossos" ?, indagou o canibal. "Ah, nós os matamos, mas depois que estão mortos não os comemos". Montesquieu assim arremata a passagem contada no livro Meus Pensamentos : "Parece-me que não há povo que não tenha sua crueldade particular".