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Porandubas nº 465

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Atualizado às 08:40

Abro a coluna com JK

Anos de chumbo. Tempos difíceis, época braba. Falar em Juscelino era, no mínimo, pecado mortal. Mudança das placas dos carros, as chamadas alfanuméricas. A Câmara Municipal de Diamantina oficia ao Contran solicitando as letras JK para as placas dos carros do município, "como uma forma de homenagear o grande estadista John Kennedy". O Contran não atende. Um conterrâneo de Juscelino desabafa :

- Esse pessoal do Conselho deve ser republicano, eleitor do Nixon.

(Historinha de Zé Abelha)

O ciclo da razão

O Brasil começa a deixar para trás o ciclo da emoção. A sociedade toma consciência de sua força, da capacidade que tem para mudar, pressionar e agir. Estamos abrindo o ciclo da autogestão técnica. Trata-se de uma aculturação lenta, porém firme, no sentido do predomínio da razão sobre a emoção. O crescimento das cidades e, por consequência, as crescentes demandas sociais ; o surto vertiginoso do discurso crítico, revigorado por pautas mais investigativas e denunciadoras da mídia nacional ; o sentimento de impunidade que gera, por todos os lados, movimentos de revolta e indignação ; e, sobretudo, a extraordinária organicidade social, que aparece na multiplicação das entidades intermediárias, hoje um poderoso foco de pressão sobre o poder público - formam, por assim dizer, a base do processo de mudanças em curso.

Teori dá a prática

Pois é, de Teori vem a prática para a liturgia do impeachment. Ao conceder a liminar a um recurso impetrado por deputados governistas invalidando o rito definido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, para a instalação de um processo de impeachment da presidente Dilma, Teori Zavascki, considerado um ministro garantista (ou seja, que decide rigidamente pela norma constitucional), dá um novo rumo ao imbróglio que mobiliza forças situacionistas e oposicionistas no Congresso. As oposições contavam com uma reclamação em plenário contra o arquivamento de um pedido de impeachment, que seria o rito definido por Cunha. A votação seria por maioria simples.

Lei de 1950

Pela liminar de Zavascki (que foi acompanhado pela ministra Rosa Weber em mais duas liminares), um eventual pedido de impeachment deve ser julgado de acordo com a lei 1.079, de 1950, que não prevê a possibilidade de recurso ao plenário caso o pedido de impeachment seja negado. O processo só terá seguimento caso Cunha dê sequência a um dos pedidos de impeachment. A liminar carece ser endossada pelo Plenário. As oposições questionam sob o argumento de que nada impede que o presidente da Câmara aceite ou recuse pedidos de impeachment. Daí a decisão de solicitar rápido pronunciamento do Plenário.

A visão de Celso Antônio

Celso Antônio Bandeira de Mello é um dos mais renomados juristas brasileiros. Professor de Direito Constitucional, é uma referência no Direito, tendo sido professor de ministros, desembargadores e juízes espalhados por todo o território. Ele e o professor Fábio Comparato dizem que não se pode pedir impeachment com base em pedaladas fiscais. Porque estas exigem apenas maioria simples na Câmara, ao passo que impeachment requer quórum qualificado (dois terços da Câmara ou 342 votos). "São duas coisas completamente diferentes. Qualquer um vê isso, não é preciso muita lucidez para perceber que o que está acontecendo não passa de uma armação ridícula de quem quer ganhar 'no tapetão', como se diz no futebol", argumenta Bandeira de Mello.

Julgar antes

É viável antecipar pedidos de impeachment enquanto as tais pedaladas fiscais não forem julgadas pelo Congresso ? Celso Antônio e Fábio Konder Comparato argumentam que, para ter efeito, a reprovação do balanço pelo TCU precisa ser analisada pelo Congresso, que pode ou não acatar o entendimento fixado pelo tribunal. Mesmo se houver recusa das contas por deputados e senadores, tal recusa não caracterizaria crime de responsabilidade para justificar o impedimento, dizem eles. O TCU é um órgão de assessoramento ao Congresso e, como tal, apresenta indicações e avaliações das contas para uma decisão pelo Parlamento.

Cunha no cunha

As liminares têm o efeito de uma cunha na estratégia de Cunha. Ele imaginava dar as cartas nesse processo. Agora, suas cartas precisarão obedecer aos ditames ditados pelo Supremo, mesmo que a interpretação ainda esteja sujeita ao voto do Plenário da Corte. O presidente da Câmara, a cada dia mais acuado, deverá buscar outros modos de ação, que alguns enxergam como "vingança", "retaliação" à Dilma. O que faz uma fera acuada ? Parte para cima de inimigos. Inspira-se na síndrome do touro : pensa com o coração e arremete com a cabeça.

O poder é como água

1945. O Brasil inaugura a redemocratização. Hermes Lima, fundador da UDN, deputado constituinte, ex-presidente do STF, foi ao Nordeste conseguir apoio de democratas ilustres para fundar outro partido, o Partido Socialista Brasileiro. Em João Pessoa, procurou Luís de Oliveira :

- Luís, o socialismo é como aqueles gramados dos castelos da Inglaterra. Cada geração dá por eles um pouco de si. Um jardineiro planta, o filho cuida, o neto poda. E vai assim, de geração em geração, até que, um século depois, torna-se o que é.

- Doutor Hermes, me desculpe, mas não vou entrar não. Gosto muito do socialismo, mas vai demorar muito. Eu quero é o poder. E o poder é como água. A gente tem que beber na hora.

Novembro será agosto ?

A previsão de muitos analistas é de que o novembro poderá ser o agosto convulsivo do agravamento da crise. Os meados do próximo mês abrem perspectivas de aumento das tensões, com expansão do desemprego, alta da inflação, menos dinheiro no bolso das margens, indignação social subindo alguns graus. Economistas acham que o pior ainda está por vir. Se a presidente atravessar novembro incólume ganhará fôlego para entrar em um dezembro menos desastroso. Mas é preciso colocar no tabuleiro a pedra do imponderável.

Até quando Cunha resistirá ?

O presidente da Câmara não é um novato em matéria de emboscada política, articulação, estratégia de sobrevivência. Fará tudo e um pouco mais para esticar sua sobrevida. Até quando ? Até quando houver manifestação incisiva da Corte Suprema sobre sua situação. Provas documentais contundentes e que não permitam refutação serão necessárias para um posicionamento decisivo do STF. Teremos o recesso de fim de ano e férias prolongadas do Congresso. Se Cunha atravessar novembro na presidência da Câmara, é provável que passe o Natal na cadeira de presidente da Câmara.

PSB na oposição

Cristaliza-se a tendência de o PSB passar ao terreno da oposição formal ao governo. Mostra-se crítico à maneira como o país é conduzido e começa a fazer um contundente discurso à política econômica. PSB se prepara para engatar o trem rumo aos anos eleitorais de 2016 e 2018.

CIDE aumenta

Ante a possibilidade de não contar com a CPMF, o governo cogita aumentar a CIDE sobre combustíveis ainda este ano. A inflação deve avançar mais ainda com essa decisão. A perspectiva é a de chegar ao final do ano beirando os 11%.

Dilma segura

No Senado, as coisas não são tão ruins para a presidente Dilma quanto na Câmara. Daí a segurança (relativa) da mandatária sobre o apoio que possui na Câmara Alta. Um processo de impeachment não teria a maioria dos senadores. Uma sessão do Congresso com esta finalidade mostraria uma divisão de forças. O PMDB da Câmara garante que conseguiu melhorar o quórum de Dilma na Casa. Será ? A conferir.

O silêncio de Michel

O VPR, Michel Temer, recolhe-se ao mais profundo silêncio. Que diz muita coisa. O silêncio de quem está disposto a ouvir e cansado de falar. O vice-presidente vê que intensa peroração - de aconselhamento, de alerta, de avisos - não foi bem ouvida. E se ouvida, não provocou reação nos interlocutores. Michel está ciente de seu papel. Prontifica-se a ajudar aqueles que querem ajuda.

Oposições sem discurso

As oposições ainda não encontraram o eixo de seu discurso. Tirar Dilma por ter cometido pedaladas fiscais não melhora sua imagem. Afinal, o que pregam as oposições em matéria de política econômica, política social em conjuntura de crise, programas para a infraestrutura, etc. Qual é o projeto das oposições para o país ?

A agenda Brasil

Renan Calheiros elencou um conjunto de projetos que tramitam no Senado e os inseriu na Agenda Brasil. A intenção do presidente do Senado é a de propor saídas para a crise. Mas a Agenda está patinando no meio das curvas que a conjuntura dita nesse momento. Está sendo difícil fazer avançar o programa de audiências e debates.

Movimentos dispersos

Os movimentos sociais apresentaram-se como as alavancas da sociedade. Desde as grandes mobilizações de 2013, passaram a ser referência da organicidade social, traduzindo demandas, exprimindo a indignação contra a velha política. Volta-se a ter dúvida sobre sua força. Os movimentos estão dispersos, as entidades envolvem-se em uma briga de egos e já não se tem tanta certeza de que reúnem condições de fazer pressão sobre o Parlamento.

ONGs

Há cerca de 500 mil ONGs no país. Que refletem a ocupação do vazio gerado pelo distanciamento entre a esfera política e o universo social. Indicariam, ainda, nossa inserção no terreno da democracia participativa. Tendência que se expande no mundo ao sabor da crise que solapa a democracia representativa.

Municípios de pires na mão

Os 5.565 municípios brasileiros atravessam seus anos de vacas magras. A campanha de 2016 será a mais enxuta e desprovida de recursos dos últimos tempos. Os prefeitos andam como Dândis na escuridão. Não dispõem de verbas nem para tocar as ações rotineiras das municipalidades. Sob essa sombria perspectiva, ocorrerão as eleições de 2016. Com muita derrota de candidatos à reeleição.

Queda do varejo

Mais uma indicação de retração na economia. O comércio varejista do Estado de SP registrou queda real de 6,3% no faturamento em julho deste ano, em relação ao mesmo mês de 2014. No total, o faturamento do setor chegou a R$ 42,8 bilhões, R$ 2,8 bilhões a menos do que o mesmo período do ano passado. A retração foi observada nas 16 regiões do Estado.

A vida privada

A vida privada dos homens públicos também é objeto da lupa social. Não há mais tolerância para abusos. Principalmente quando há manifestações de corrupção. É claro que o carisma do governante ajuda a aplainar arestas. Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek foram presidentes namoradores, o que não lhes corroeu a fama. Thomas Jefferson, um dos homens mais admirados dos EUA, protagonizou um "escândalo" amoroso, o caso com uma de suas escravas, Sally Hemings, que fora a Paris cuidar da filha mais velha do presidente, na época com nove anos de idade. Já o político inglês John Profumo, que tinha o cargo equivalente ao de ministro da Guerra, um dos heróis do Dia D (desembarque aliado na Normandia durante a 2ª Guerra Mundial), foi protagonista de um grande escândalo : o envolvimento com a modelo Christine Keeler, no começo dos anos 60. FHC foi objeto de forte artilharia midiática. O mesmo ocorreu com Collor. Maluf, idem. Hoje, a crítica é mais devastadora. A rejeição a comportamentos de governantes tem que ver com o espírito do tempo.