Abro a coluna com o improviso dos cantadores do cordel nordestino.
Saudação aos presidentes
Juscelino Kubitschek, presidente da República, foi ao CE com Armando Falcão, seu ministro da Justiça. Sebastião Nery conta que Falcão, cearense, levou JK a um desafio de cantadores. Um cego estava lá, com sua viola, gemendo rimas. Juscelino chegou, cumprimentou-o. O cego respondeu na hora :
- Kubitschek, ai, meu Deus, que nome feio. Dele eu só quero o cheque porque do resto ando cheio.
Um ano depois, a mesma cena. Jânio Quadros, presidente, vai a Fortaleza, há um desafio de cantadores. Chega com os óculos grossos e longos bigodes, um cantador o vê, saúda :
- Vou louvar o meu patrão que já vem chegando agora. Engoliu a bicicleta e deixou o guidão de fora.
Nunca mais ninguém levou presidente para ouvir cantador no CE.
A onda contra Dilma
Os nomes se multiplicam : panelaço, buzinaço, apitaço, vaias, apupos, palavras de ordem, gritos fortes nos centros e ecos que chegam às margens. Essa é a onda contra Dilma, cujo índice de avaliação, na grade boa/ótima, chega a um dígito, portanto, baixo de 10%. O governo vai mal das pernas. E da cabeça. A indignação sai do epicentro da sociedade - classes médias - e vai chegando às margens, obedecendo ao fenômeno dos círculos concêntricos ou, ainda, ao movimento produzido pela pedra jogada no meio do lago. As marolas formadas chegam às margens. A observação é procedente, bastando ver que, há três ou quatro meses, a insatisfação restringia-se basicamente ao centro social.
O empuxo da onda
A onda de contrariedade obedece a alguns empuxos, a algumas alavancas. Na frente delas, a carestia. A inflação alta na área de alimentos bate forte nos bolsos dos grupamentos C, D e E. Que se defrontam com produtos hortifrutigranjeiros caros. A paralisação dos caminhoneiros esvaziou gôndolas e encareceu produtos, em alguns casos, em mais de 50%. A barulheira em torno dos dutos de propina da Petrobras funciona como bumbo nos ouvidos de todas as classes sociais. Quanto roubo, quanta malandragem, milhões aqui, bilhões ali são ecos que chegam forte nos ouvidos dos centros e das margens. O governo e os políticos acabam sendo vitimados pelo tiroteio social.
Crises setoriais
Para adensar o empuxo, emergem as crises setoriais : a crise hídrica, a crise energética (a ameaça de apagões), a crise política, todas arrastadas pelo rolo compressor de uma economia devastada. Joaquim Levy esperava que as coisas fossem mais fáceis em matéria de ajuste econômico. Dos 111 bilhões que espera arrecadar com seu pacotão, cerca de 25 bilhões dependem do Congresso Nacional. Como se deduz, o Congresso não cederá aos argumentos que a equipe econômica levanta. Como se viu na devolução da MP 669. Como se vê no repúdio das MPs 664 e 665, assumido publicamente por empresários e centrais sindicais, em grande reunião feita segunda feira passada na FIESP.
Independência
A crise política que se desenvolve na esteira da lista do procurador Rodrigo Janot deflagra algumas consequências : deputados e senadores tendem a assumir uma postura de maior independência em relação ao Poder Executivo, deixando, assim, de serem meros agentes de convalidação das matérias encaminhadas pelo Palácio do Planalto. Para efeito de opinião pública, o corpo parlamentar, mais independente do Executivo, será bem visto, principalmente nesse momento em que a chefe do Executivo é o alvo principal do bombardeio que parte da sociedade.
Longe de impeachment
O impeachment, como se sabe, é um ato político. E, claro, o ato político recebe impulso quando as forças vivas da nação se integram, em uníssono, em torno de um empreendimento como o de retirar alguém legalmente escolhido pelo povo para governá-lo. Não há fato concreto que possa incriminar a presidente da República. Essa versão de que sabia disso e daquilo sobre propina, como se pode concluir, é matéria polêmica. A culpa por irresponsabilidade na gestão pública também é objeto de muita discussão. Ao contrário de denúncias e provas de que fulano, beltrano e sicrano receberam recursos em espécie de outros fulanos e empresas. Sob essa teia complexa, o fato é que o impeachment da presidente é mais torcida de segmentos e setores que probabilidade política.
Conchavo
Premido pelos casuísmos, Tancredo Neves foi obrigado a fundir o seu PP com o MDB de Itamar. Alguns pepistas pularam do barco e protestaram alegando conchavo. Tancredo foi curto e seco : "Conchavo é a identificação de ideias divergentes formando ideias convergentes". Tinha razão. Há curvas que desembocam em retas.
Petrolão : onda crescerá ?
A imagem que o petrolão sugere é a de um tsunami no meio do oceano : pode amainar ao chegar à praia ou ganhar mais volume e arrebentar o território. Não há ainda condição de enxergar qual a alternativa. É possível que crie situações embaraçosas para outras figuras de porte da República ? Sim. E poderão tais figurantes entrar na lista de implicados ? A resposta, nesse caso, será política. Qualquer decisão nessa direção vai depender da temperatura econômica do momento em que tais revelações ocorrerem (se ocorrerem). Pelo visto, essa grande onda atravessará mais que um par de anos. Chegará às margens de 2018. E poderá fazer naufragar projetos eleitorais de um ou outro. Se o leitor estiver pensando em Lula, acertou na mosca.
Renan e Cunha
Não se pense que os presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, perderão seus vetores de força porque foram incluídos na lista de Janot. Continuarão a presidir as Casas Legislativas durante toda a legislatura. E com maior independência. A conferir.
Mercadante e Pepe
O ministro Aloísio Mercadante começa a ser demonizado, atribuindo-se a ele a razão principal da desarticulação política. Pode deixar a articulação política e ficar apenas na área administrativa ? É possível. Será que tem faltado habilidade ao poderoso chefe da Casa Civil ? Ou será que o conjunto de crises do momento - política, econômica, hídrica, energética, de credibilidade, petrolão - não tem sido o motor quebrado que inviabiliza a máquina da articulação política ? Esta mesma referência serve para abrigar o ministro Pepe Vargas. Dizem que é um bom sujeito.
Um nome adequado
Eliseu Padilha tem o dom da articulação política. Henrique Alves, ex-presidente da Câmara, também tem seu nome citado para as Relações Institucionais. Ambos do PMDB. Seriam nomes adequados para fazer a ponte entre o Palácio do Planalto e o Congresso. Mas os petistas topariam um peemedebista nesta função ? Eis a questão.
Núcleo institucional
É do vice-presidente Michel Temer a ideia de a presidente Dilma formar um núcleo institucional, a ser integrado por ministros próximos a ela e mais os líderes partidários. Trata-se de abrir a análise da conjuntura política com quem efetivamente tem poder de mando e controle no Congresso. A presidente aceitou a sugestão, sem prejuízo de continuar a se valer de seu núcleo duro.
Tofolli no comando
A mudança do ministro Dias Toffoli para a segunda turma lhe conferirá a participação na operação Lava Jato. Toffoli pediu a transferência. Vai ganhar muita visibilidade. E será objeto de polêmica.
O dia da CUT
Será sexta, dia 13. Vai para as ruas lutar contra as MPs 664 e 665 e, de sobra, defender a Petrobras. Defender de que ? De ameaça de privatização. P.S. A petroleira está vendendo ativos para apurar uns 30 bilhões e suprir seus esvaziados cofres.
O dia da mobilização
Domingo, dia 15, as ruas de muitas capitais serão ocupadas por gente de todos os calibres. Não serão apenas classes médias e elite branca, como alguns pregadores vêem.
Turismo sente o golpe
As crises política e econômica já respingam no turismo nacional. As vendas da maioria das agências de viagens do país diminuíram no verão deste ano em comparação com o ano passado, segundo uma pesquisa do Ipeturis - Instituto de Pesquisa, Estudos e Capacitação em Turismo. Pelo estudo, 59,3% das empresas consultadas em todo o país tiveram queda na temporada. "Enquanto o quadro político estiver assim, com o Executivo brigando com o Legislativo e com denúncias de corrupção, haverá insegurança e, consequentemente, redução na intenção de viagens", explica Eduardo Nascimento, presidente do Sindetur/SP - Sindicato das Empresas de Turismo no Estado de São Paulo.
Fim das coligações proporcionais
Senado avança na reforma política, aprovando o fim das coligações nas eleições proporcionais (deputados Federais, estaduais e vereadores). O objetivo é fortalecer os partidos e acabar com as trocas fisiológicas e arrefecer as siglas de aluguel.
O que é o povo ?
Vejam essa : "o poder real em uma sociedade moderna está na sociedade civil, não no povo, o que configura uma crise política grave". A frase é de Luiz Carlos Bresser Pereira, ex-ministro dos governos Sarney e Fernando Henrique. Puxa vida, estou desaprendendo a cada dia : o povo não faz parte da sociedade.
Tributação sobre cruzeiros
A CLIA ABREMAR BRASIL (Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos) recebeu, em SP, Cynthia Gingrich, vice-presidente de Tributação Corporativa da Royal Caribbean International, e Jim Border, vice-presidente e membro do Conselho Fiscal Mundial do Grupo Carnival, com o objetivo de esclarecer as inúmeras tributações que incidem sobre o setor no Brasil. A reunião foi coordenada por Marco Ferraz, presidente da Associação, e por Mário Franco, Consultor Tributário.
Retração
Entre as grandes preocupações estão a cobrança de IR sobre remessas de serviços turísticos, que pode valer a partir 2016 ; a cobrança de taxas de importação não apenas sobre itens comprados a bordo, mas também sobre os itens consumidos nos navios, tais como alimentos e bebidas ; o aumento da cobrança de PIS/COFINS a partir de 1º de maio deste ano ; a cobrança de PIS/COFINS para combustíveis e fretamentos ; entre outras taxações que, segundo Cynthia Gingrich, representam um forte retrocesso do setor no país. A próxima reunião do Grupo Tributário da CLIA será na próxima semana, em Miami, durante o Cruise Shipping, um dos maiores eventos mundiais do setor de cruzeiros marítimos.
Quiçá e cuíca
Fecho a coluna com uma historinha das MG.
Benedito Valadares, governador, foi a Uberaba para abrir a Expozebu. E passou a ler o discurso preparado pela assessoria. A certa altura, mandou ver : "cuíca daqui saia o melhor gado do Brasil". Ali estava escrito : "quiçá daqui saia o melhor gado". A imprensa caiu de gozação. Passou-se o tempo. Tempos depois, em um baile na Pampulha, o maestro, lembrando-se do famoso discurso na terra do zebu, começou a apresentar ao governador os instrumentos da orquestra. Até chegar na fatídica cuíca. E assim falou : "e esta, senhor governador, é a célebre cuíca". Ao que Benedito, querendo dar o troco, redarguiu com inteira convicção :
- Não caio mais nessa não. Isto é quiçá !
(Historinha enviada por J. Geraldo).