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Porandubas nº 402

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Atualizado em 17 de junho de 2014 12:18

Abro a coluna de hoje com uma historinha contada pelo jornalista e escritor Gerardo Mello Mourão, em seu belo livro "Um Senador de Pernambuco - Breve Memória de Antônio de Barros Carvalho". Livro que me foi ofertado pelo grande professor e amigo, o advogado Paulo de Barros Carvalho. O livro trata da vida e obra do famoso senador de PE, Barros Carvalho, figura ímpar da República, deputado, depois senador, ministro de Estado, líder da maioria e líder do governo no Senado, tendo atravessado longos corredores da política desde a era Getúlio Vargas.

Pague o almoço

O autor destas notas recebeu certa vez telefonema do ministro Horácio Lafer, que tinha urgência em falar com Barros. O encontro foi marcado imediatamente na barbearia do Jockey Club, na avenida Rio Branco. O poderoso ministro da Fazenda explicou : voltara da Europa e sua bagagem estava retida na alfândega há cinco dias, com alegações de irregularidade. Lafer era um homem absolutamente sério, e não queria supor que tivesse cometido irregularidades, mas também não podia expor-se à suspeita de fazer pressões sobre funcionários da Receita. Alguns servidores mais antigos da Fazenda lhe informaram : só o Barros Carvalho pode resolver o problema. Na mesma tarde o inspetor da alfândega, o guarda-mor e um modesto fiscal que apreendera a bagagem trouxeram a papelada a Barros. Até onde se lembra o autor destas notas, havia uma pequena peça de prata oferecida ao ministro por um colega, na França ou na Alemanha, e dois ou três vidros de perfume além do limite permitido em lei. Todos concordaram em que não havia necessidade de lavrar auto de infração e que o passageiro Horácio Lafer podia pagar ali mesmo a pequena soma das alíquotas devidas. Barros pagou de seu bolso, resolveu-se tudo na hora, foi almoçar com o ministro no dia seguinte e, perguntado sobre o montante da despesa, respondeu : "Pague o almoço, que eu acho que ainda saio ganhando". Hoje não se fazem mais ministros da Fazenda como antigamente.

Copa para todos os lados

O Brasil respira Copa por todos os lados. De futebol à política, dos apupos nas ruas aos gritos de ovação nos estádios. O que era esperado se confirma. O brasileiro torce pela seleção canarinho, não confunde alhos com bugalhos, política com futebol. Isso explica, em parte, a indignação de torcidas contra governantes de todos os naipes. Não apenas contra governistas. O que tem mais surpreendido, nesse início de Copa, é a acidez expressiva de candidatos e cabos eleitorais. Pensava-se que iria haver trégua. Não. Após os apupos (de baixo nível) à presidente Dilma, no Itaquerão, o tom esquentou.

Vaia em estádio

A vaia conserva uma simbiose com os estádios. Faz parte do ambiente. É bem verdade que as vaias recebidas pela presidente no Itaquerão partiram das galeras endinheiradas. O que ali ocorreu foi uma falta de respeito. O uso de palavras de baixo calão pega mal. Dá-se respeito quem respeita. Era previsível a vaia. Para todos os políticos. Mas não se esperava uma linguagem chula. O tiro pode ter saído pela culatra. A presidente surge, agora, como vítima.

Ataques de todos os lados

Aécio fala que um tsunami varrerá os governantes do PT. Campos fala que saiu do governo por não concordar com a bandalheira. Dilma refuta dizendo que não se incomoda com vaias de ricos. Lula rebate Aécio Neves resgatando o velho discurso dos ricos contra os pobres, a luta de classes. E prega que a esperança vencerá o ódio. Esperava-se uma trégua sem rancores. Mas a indignação se expande. Imagine-se o que veremos até outubro. A guerra de palavras - e estocadas recíprocas - tende a fazer desta campanha a mais ácida de todos os tempos.

Tentativa de polarizar

O que se nota é a tentativa do PT e do PSDB de acirrar a polarização. O país está saturado da velha querela entre petistas e tucanos. Mas, ao que se percebe, há interesse dos dois lados em manter a rixa. O PT tem errado muito. Conseguiu o feito de estabelecer um apartheid no corpo social e político : nós contra vocês ; nós somos os bons, vocês são os ruins. Mocinhos e bandidos. Mas o PT não é mais o partido da ética e da inovação, aquele que foi criado para mudar o status quo. Envolveu-se no maior escândalo da contemporaneidade política : a AP 470, o mensalão. Perdeu credibilidade. E passou a ser sinônimo de partido comprometido com a corrupção. Logo...

PT sem credibilidade

Logo, o discurso do PT perdeu credibilidade. A fala de Lula em resgatar a esperança contra o ódio pode, até, animar incautos e incultos. Mas é um discurso para as bases petistas com o intuito de armar os exércitos das ruas. Consegue, assim, enraivecer setores médios, inclusive parte do segmento que ascendeu ao meio da pirâmide. Lula sabe disso. Sabe também que não tem mais o prestígio de antigamente. Entusiasma os fundões e parcela considerável da classe C, mas afasta-se das classes médias tradicionais. Pode recuperar o terreno perdido pela presidente Dilma em espaços do Nordeste, mas é sensível o desgaste do governismo na região Sudeste, onde se concentra a maior parte do eleitorado.

SP, o fator central

SP é a joia da coroa entre os Estados. Ganhar dos tucanos em SP tem sido meta prioritária do PT. É o sonho dos sonhos de Lula. Cada vez mais difícil de se concretizar. A falta de água no sistema Cantareira poderia ser o grande trunfo/argumento do petismo para tomar as rédeas do Estado. Mas os rombos nos costados do PT não conseguem torná-lo capaz de engatar um bom discurso no Estado. Alexandre Padilha, que navega em águas baixas - 3% dos votos - conseguirá recuperar os chamados 30% históricos do PT no Estado ? Parece impossível. Nem Lula nem Dilma, dizem, acreditam mais na possibilidade.

Embate Alckmin x Skaf

Por isso, cresce a possibilidade de um embate entre o governador Alckmin e o candidato do PMDB, Paulo Skaf, que, nesse momento, exibe 21% de intenção de voto, taxa que permite projetar seu ingresso no segundo turno. Sob essa alternativa, vê-se uma dura disputa, desta feita entre um candidato menos comprometido com a velha política e um ícone do tucanato, Geraldo Alckmin, que simboliza 20 anos de poder dos tucanos no mais forte ente estadual da Confederação.

Desafios

Aécio Neves se sente na obrigação de eleger seu candidato ao governo de MG, Pimenta da Veiga, que está atrás de Fernando Pimentel, do PT ; o mesmo se dá com Eduardo Campos, que enfrenta o desafio de vencer o senador Armando Monteiro, PTB, apoiado pelo PT, ao governo de PE. O candidato de Campos, do PSB, é o ex-secretário da Fazenda, Paulo Câmara, que está bem atrás de Monteiro.

BA e RS

Na BA, é mais que provável a vitória de Paulo Souto, do DEM, apoiado pelo PMDB e pelo PSDB. O PT deverá perder nesse importante bastião político do Nordeste. No RS, a reeleição de Tarso Genro, do PT, é muito difícil.

Apesar dos pesares

As arenas dos 12 Estados que sediam a Copa estão dando conta do recado. Há problemas no acesso, nas obras de entorno, mas, ao que se enxerga, os estádios estão aprovados. Ou será que ainda não ? Resta saber como serão mantidos após o campeonato.

Visão do país

O imenso contraste entre o ar pesado do momento e o clima descontraído, previsível pelo fato de o Brasil patrocinar a maior festa esportiva de sua história, aponta para múltiplos significados. O primeiro deles é o de que a batizada "Copa das Copas", mesmo que consiga dar vazão ao ufanista título, se desenvolverá sob um tecido social esgarçado, a exibir a incapacidade do Estado no acolhimento às demandas da sociedade.

Harmonia é uma quimera

Os clássicos de nossa sociologia e antropologia chegam a apontar a cordialidade como a característica essencial do brasileiro, o que nos faria um povo por excelência gentil e pacífico. Alguns perguntam : onde estaria o espírito cordato, a tendência à harmonia, ao diálogo, à confraternização, quando movimentos contestatórios fluem em todas as direções e sob a atenção de um Estado sem condições de acolher reivindicações de setores e categorias ? Nossa alma pacífica é uma quimera, como bem o demonstra Darcy Ribeiro, ao frisar que "conflitos de toda a ordem dilaceraram a história brasileira, étnicos, sociais, econômicos, religiosos, raciais etc., cada qual se pintando com as cores dos outros". Se há um traço de união entre os eventos que pontuaram nossa história, ele é a ineficiência do Estado na administração das demandas populares.

Sociedade à frente

O clamor das ruas não é de hoje. Desde os primeiros tempos da era Vargas, na década de 30, as elites, recitavam, com temor, o mantra : "Façamos a revolução antes que o povo a faça". O fato é que o Brasil moderno flagra uma sociedade correndo à frente das instituições. Dentro dessa moldura, é possível interpretar o que se passa. Primeiro, é oportuno lembrar os valores que contribuíram para balizar o ethos social. Por aqui, a "estadania" fixou-se antes da cidadania. O termo foi cunhado por José Murilo de Carvalho para designar uma cultura mais orientada para o Estado, contrastando com a cidadania, cultura mais voltada para os cidadãos.

Nossa pirâmide invertida

Os direitos sociais (educação, trabalho, salário justo, saúde, aposentadoria), vieram antes dos direitos civis (liberdade, propriedade, igualdade perante a lei) e dos direitos políticos (organização de partidos, votar e ser votado, etc). No estudado modelo inglês, desenhado por Thomas Marshall, a cidadania foi implantada antes. Na Inglaterra, vieram, primeiro, as liberdades civis, garantidas por um Judiciário independente, depois, os direitos políticos consolidados por partidos e o Legislativo e, finalmente, os direitos sociais. Por aqui, o social prevaleceu sobre os outros. Tal situação gerou a dependência ao Estado, que foi obrigado a ampliar os braços assistencialistas que, na esteira da competição política, incorporaram um viés populista. O Estado todo poderoso, por seu lado, passou a interessar às elites políticas, na medida em que enxergam no presidencialismo imperial a forma de perpetuação no poder.

Velhos métodos

Chega-se, assim, à esfera da política. Que não se renova. Os métodos são os mesmos do passado. Escândalos explodem. A corrupção campeia. Os problemas se repetem. Descobre-se, agora, o mesmo improviso da Copa de 50, com estádios inconclusos. A sete dias da abertura do Mundial, o Maracanã estava em obras e andaimes seguravam as arquibancadas e a cobertura, apesar de o Brasil ter sido escolhido em 1946. Sobressaem, na radiografia, o país da sociedade organizada, mais exigente e crítica ; e a estampa de um território de gastos superlativos, obras inacabadas, desvios de dinheiro e escândalos. Ora, não resta outro caminho que o protesto, a contestação, a impaciência, a indignação. A pimenta nesse caldo é o pleito eleitoral, que se apresenta como ideal para grupos exibirem suas performances.

Violência é parte

A violência faz parte da estratégia. A ciência política mostra que na maior parte das sociedades, a paz cívica é impossível sem alguma reforma e a reforma é impossível sem alguma violência. Nos Estados Unidos, na década de 60, Kennedy apregoava a aprovação da lei dos direitos civis para tirar a violência das avenidas e "levar a luta para os tribunais". Já os flagrantes de nossas ruas estão a indicar que os confrontos só amainarão quando as estruturas governativas atenderem ao clamor social. E quando as reformas, que claudicam no Parlamento, forem feitas. Enquanto isso não ocorrer, as forças sociais, como locomotiva, continuarão a puxar as instituições, a partir dos agrupamentos mais esclarecidos.

Trunfos

Aécio tem ainda um trunfo nas mãos : a candidatura à vice. Quem será ? Alckmin tem um trunfo e um desafio : a vaga de vice e atrair, ao mesmo tempo, o PSD de Kassab e o PSB de Eduardo Campos. Que partido conseguirá ceder o nome na chapa de Alckmin ?

Conselho aos marqueteiros

Na última nota, a coluna oferece pequenos conselhos a políticos, governantes, membros dos Poderes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos atletas da seleção brasileira. Hoje, volta sua atenção aos marqueteiros dos candidatos :

1. Procurem evitar campanhas negativas, de ataques ferozes. O momento do país exige discursos densos.

2. A população quer ouvir propostas, ideias concretas e factíveis.

3. Evitem a cosmética exagerada em seus candidatos, procurando justapor identidade (o que os candidatos efetivamente encarnam) com imagem (a percepção que eles desejam passar aos eleitores).