Porandubas nº 248
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Atualizado em 28 de setembro de 2010 15:51
Em francês
Santiago Dantas, ministro de Relações Exteriores, ministro da Fazenda, deputado Federal/MG, foi, um dia, à Polônia para receber o título de doutor honoris causa da Universidade de Cracóvia. Na hora da solenidade, deu-se conta de que tivera tempo de preparar por escrito o discurso de agradecimento. Era a tradição. Mas era preciso não ser indelicado. Chamou Marcílio Marques Moreira, seu assessor, pediu-lhe algumas folhas em branco, levantou-se com elas nas mãos e, fitando-as com firmeza, pronunciou longo discurso em francês, como se estivesse lendo. Só Marcílio sabia, segundo relato do amigo Sebastião Nery.
A marola verde
Era mais que previsível. O 2º turno poderia ocorrer, a partir do affaire Erenice. Que chegou até aos conjuntos da classe média emergente, a C, onde a bomba explodiu com algum impacto. Marina passou, então, a canalizar a indignação e a contrariedade. Foi subindo, a partir do Rio de Janeiro, onde a paisagem carioca parece mais agasalhadora ao marinismo. A seguir, houve um grande descolamento dos eleitores de Dilma no Distrito Federal. Marina subiu ali como um foguete, ganhando a campanha em um tradicional reduto do petismo.
A ataque viral
Vale lembrar que Marina surgia como alternativa. Havia plena consciência de que ela não ganharia a eleição. Mas poderia ser a brecha para se chegar ao segundo turno. Devagar, os conjuntos eleitorais, no boca a boca e quase por osmose, começaram a disseminar a marola verde. E aí chegou a núcleos mais conservadores a informação : Dilma era a favor do aborto. Era mentira. Chegou a dizer em alguns momentos. Mas a boataria tomou conta das redes sociais. O boato se espalhou como praga. O ataque viral na internet fez estragos, abrindo polêmica e muita revolta. Quando Dilma fez a reunião com os evangélicos, momento em que fez um desmentido categórico, a confusão já estava feita. A opinião de Dilma já havia sido canibalizada pela onda anterior, que dava conta de sua visão sobre o aborto.
Chegada às urnas
E foi assim que Marina chegou às urnas. Alternativa a dois perfis que se digladiavam; discurso que parecia superior às altercações de Serra e Dilma; apropriação de valores da moral e da ética; ampla visibilidade da mídia, que, nas últimas semanas, a trataram como celebridade merecedora de todos os encômios. Marina Silva, cheia de vestes litúrgicas - mais parecendo uma dessas imagens de hindus abençoada pelos deuses - carreou a maior taxa de simpatia às vésperas da eleição. De 10% passou para quase 20%. E assim Serra divisou mais uma chance para animar sua campanha, dada por quase perdida.
"Nos governos despóticos, em que se abusa por igual da honra, dos postos e da posição, faz-se indiferentemente de um príncipe um valete e de um valete um príncipe." (Montesquieu)
Abstenção alta colaborou
Passei o fim do domingo explicando os fatores responsáveis pelo segundo turno. Além do fator Marina, apontei a alta abstenção. Que chegou a 18,4% em Minas Gerais, 21,56% na Bahia, 20,05% no Ceará, 23,97% no Maranhão, 20,96% no Mato Grosso, 19,41% em Pernambuco, 20,03% no Amazonas e 21,14% no Pará. São recordes. Sempre achei que abstenção alta em espaços de votos dilmistas seria fatal - a campanha iria para o segundo turno.
Os votos de Marina ?
Para onde irão os 20 milhões de votos de Marina ? A maior parte deles deverá migrar para o candidato Serra. Uns 10. Uns 6 para Dilma. Uns 4 para o ar. Nulos, brancos ? Trata-se de um eleitorado mais urbano, consciente, racional, capaz de fazer avaliações acuradas sobre o processo político. Mas, a depender de Dilma, os votos iriam para Dilma, até porque ela, Marina, tem uma história de 30 anos no PT. Deverá a decisão passar pelo crivo do Partido Verde. Não se pense, porém, que Marina domina esses votos. Nem ela nem o PV. O voto a ela foi dado por conveniência. Trata-se de um voto de circunstância. Portanto, não se deve avaliar a tendência com uma simples decisão da cúpula partidária do PV sobre o caminho a seguir.
Conversando com Deus
Nesses tempos demagógicos, é tempo de lembrar figuras que tinham acesso direto ao céu. O marechal Idi Amin Dada conversava com o povo a respeito dos sonhos que o punham em contato com Deus para cumprir seus mandamentos. O sonho representa o aval divino concedido a seus atos. Mas o ditador fazia questão de dizer que não abusava das revelações. Um dia, um jornalista perguntou de chofre : "O senhor sonha com frequência falando com Deus ?" E ele, matreiro : "Só quando necessário."
18 Estados
Dilma venceu em 18 Estados e Serra ganhou em 8. Marina ganhou no DF, que era um fechado colégio petista.
O segundo turno
Costuma-se dizer que o segundo turno é uma outra campanha. Não o é. Na verdade, trata-se da continuidade da primeira, observando-se essas características. O tempo de programa eleitoral será o mesmo, dando, assim chances para uma comparação mais exaustiva e atenta entre perfis e programas. Os 10 minutos que caberão aos dois candidatos serão suficientes para se ter uma avaliação mais completa dos ideários. É bem verdade que a semântica, a mensagem oral, o plano das ideias, deverá ser coberto pela estética da TV - na estratégia do marketing de embalar os perfis com celofane mais colorido. Portanto, o marketing atuará como ator importante para "vender" os candidatos.
Perfis técnicos
Nem Dilma nem Serra são pessoas simpáticas. Não possuem carisma. Até o riso não lhes cabe bem por parecer artificial. Por isso, a cosmética televisiva buscará planos humanísticos, com os candidatos no meio do povo, para suavizar a feição técnica de ambos. Vamos ouvir ainda uma enxurrada de números. Lula quer a comparação entre seu tempo de governo e o ciclo FHC. Com dois candidatos, em embate direto, essa possibilidade se efetiva.
O papel de Lula
Lula fará das tripas coração para eleger sua candidata. Afinal de contas, trata-se de consagrar a passagem de 8 anos no comando da nação. O foco da continuidade deverá se contrapor ao foco da mudança. Esse discurso predominará sobre o eixo que mais interessa à Serra, qual seja, a comparação entre perfis, ele e Dilma. Se fosse essa a questão, seguramente ele se daria melhor por conta de denso currículo político e administrativo.
Tendências
A tendência é a de que o(a) candidato(a) que esteve na frente no primeiro turno continue adiante. Continua como favorito(a). Em 80% dos casos, se elege. Portanto, a tendência favorece a candidata situacionista. E a continuidade significa que o eleitor não quer trocar uma coisa certa por algo duvidoso. Sempre digo : quem ganha a eleição é o estado de satisfação social. É o voto do bolso. Que alimenta o estômago. E agradece ao coração. Economia e emoção, eis um par que dá muito certo.
Aécio, o grande vencedor
Aécio Neves sai da campanha como o maior vencedor na arena dos tucanos. Fez barba, cabelo e bigode. Elegeu-se senador, elegeu Anastasia para o governo e ainda puxou na carona Itamar Franco. Só não presidirá o PSDB se não quiser. O pólo de forças do tucanato sairá de São Paulo em direção à Minas Gerais.
Eduardo
Gravem este nome : Eduardo Campos. Teve a maior votação proporcional do país: 82% dos votos de Pernambuco. Vingou o avô, Miguel Arraes, derrotado em 1998 por Jarbas Vasconcelos. Que agora foi derrotado de maneira fragorosa.
Renovação
A Câmara dos Deputados será renovada em 43,7%. E o Senado será mais jovem e mais rico. Terá perfil moderado.
E Alckmin, hein ?
Geraldo Alckmin aparece também como um grande vencedor. Mas é sabido que as facções serristas e alckministas não se dão bem. O partido é rachado em São Paulo. Geraldo foi muito elegante com Serra. Deu a mão, fez a campanha dele e de Serra, juntos, e certamente vai querer amparar o candidato à presidente no segundo turno.
Zé Aníbal
José Aníbal ganhou uma boa votação : 170.957 votos. Será seguramente um dos braços direitos do governador Geraldo Alckmin. Trata-se de um dos melhores cabeças políticas do país. Grande Zé, parabéns.
Eu, eu e eu
José Serra, porém, cometeu muitos erros na campanha, a partir de sua auto-suficiência. A imagem mais forte que fica é a de Serra jogando as palmas da mão contra o peito para enfatizar a declamação : eu, eu, eu, eu. Parece que o mundo gira em torno dele. A campanha era ele. Que dizia o que e como fazer. Ele e o marqueteiro. Os políticos foram deixados de lado da campanha. Erros que devem ser corrigidos no segundo turno.
Salto alto
Já o PT estava com salto à altura da montanha. Desprezou aliados na campanha. Também fez a campanha do "eu, sozinho". Agora, deve apelar para os parceiros, a partir do PMDB, que continua a ser o maior partido do Brasil.
Descentralização
Campanha de Dilma estava muito centralizada. Restrita. Agora, parceiros vão querer acompanhar de perto as estratégias e decisões.
Guerreiros, adeus
Esta campanha deu adeus a figuras expressivas do Congresso Nacional : do Senado, ficaram fora Tasso Jereissati, Arthur Virgílio, Marco Maciel e Heráclito Fortes. Os três primeiros eram desafetos do presidente Lula. Que lutou muito para tirá-los do jogo político. Da Câmara, não virão o bom Gustavo Fruet e o denodado deputado Raul Jungmann, ambos candidatos ao Senado em seus Estados (PR e PE).
Fichas-sujas
O TSE deixou de lado as votações dos fichas-sujas. Se eles ganharem a parada no TSE e, posteriormente, no STF, serão refeitas as planilhas para a composição das bancadas em alguns Estados. A conferir.
"Não há vício que mais cubra um homem do que procedimento falso e pérfido." (Francis Bacon)
Tiririca
Os quase 1,353 milhão de votos de Tiririca representam a falta de compromisso, o desleixo, o desprezo e a pouca credibilidade que conjuntos eleitorais - particularmente entre os jovens - têm em relação à política. Não adianta, agora, punir Tiririca. Ele não sabe ler e escrever ? Ora, isso deveria ter sido descoberto antes. Em 10 dias, deitado numa rede no Ceará, ele aprenderá rapidamente rabiscar algumas coisas.
Aloysio Nunes
Este consultor sempre achou que Aloysio Nunes Ferreira seria eleito. E mais : o mais votado no Estado de São Paulo. Seria impossível a vitória do tucano Geraldo Alckmin sem levar, junto, seu candidato ao Senado. Depois do afastamento de Quércia, por doença, e o retraimento de Tuma, também por doença, Aloysio disparou. Quem me acompanha no twitter (gaudtorquato), viu esta hipótese no ar há bastante tempo. A fonte para esta informação foi o prefeito Gilberto Kassab, sempre muito bem informado. E um devorador de dados de pesquisa.
A fala de Jânio
Campanha de Jânio. Cada discurso era a análise de um problema : petróleo, política externa, reforma agrária, política financeira. Lacerda telefona :
- Os pronunciamentos estão muito bons, mas para presidente eleito.
- O que é que está faltando então ?
- Feijão. Falta feijão. Feijão é que elege candidato. Petróleo consolida. Ponha feijão na sua campanha.
Jânio pôs. E juntou seis milhões de votos.
Pior Congresso ?
Há analistas que garantem ser este Congresso eleito o pior da história do Brasil. Não me arrisco a tanto. Vamos, primeiro, examinar e avaliar a agenda congressual. E, depois, fazer uma análise acurada. Sem precipitações.
Vice de Serra
Há um grupo que pensa em pedir a substituição do vice de Serra, Índio da Costa, por um perfil mais denso, sério e crível. O deputado exagerou na dose, baixou a linguagem, fez ataques desmesurados, rasgando a liturgia do cargo a que se candidata.
"Não esqueçam também os juízes que o trono de Salomão era suportado por dois leões, um de cada lado; sejam eles também leões, mas leões debaixo do trono; sejam circunspectos para que não façam oposição aos pontos da soberania." (Francis Bacon)
Conselho aos ministros do TSE e STF
Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado a todos os candidatos. Hoje, volta sua atenção aos ministros do TSE e do STF :
1. Julguem o mérito da Lei Ficha Limpa no prazo mais rápido possível, bem antes de terminar o segundo turno.
2. 1.242 candidatos foram cadastrados entre os fichas-sujas. E foram votados. Estão aguardando decisão da Justiça.
3. Se o projeto estiver em vigor, segundo o TSE, os casos que ali chegarem deverão receber imediata apreciação e consequentemente encaminhamento ao STF em caso de recurso.
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