Política & Economia NA REAL n° 67
terça-feira, 1 de setembro de 2009
Atualizado em 31 de agosto de 2009 10:31
Recuperação : uma questão e fatos
Se analisarmos os últimos números do mercado financeiro mundial, podemos concluir que não somente o pior já passou, mas que as perspectivas são promissoras. O índice S&P500, um dos principais do mercado acionário norte-americano, subiu 52% nos últimos seis meses. O MSCI World Index, o qual representa o desempenho das principais bolsas mundiais, subiu quase 60% no mesmo período. O Ibovespa este ano, entre os altos e baixos do primeiro trimestre, alçou voo. Quem comprou o índice no primeiro dia do ano ganhou quase 40%. Quem apostou no caos, simplesmente quebrou. A receita keynesiana usada para evitar uma depressão funcionou. Isto é fato. No caso do Brasil, o impacto da crise foi menor que o previsto e o país está dentre os melhores do mundo. Não foi um caso isolado. A China e a Índia se saíram muito melhor que o Brasil. A questão é : e daqui para frente ?
Recuperação das economias centrais : uma necessidade
O consumo mundial que andou bem capenga nos últimos meses foi sustentado em grande parte pelo desempenho chinês e indiano. Ambas as economias aumentaram os dispêndios domésticos via investimentos estatais em infra-estrutura e construção civil. Há sinais, inclusive, que no caso chinês houve muita antecipação de compras de matérias-primas o que obscurece uma melhor análise dos dados e tendências. De toda forma, daqui para frente a demanda mundial estará muito dependente da melhoria do consumo e investimento dos países centrais, notadamente os EUA, a Alemanha, o Japão e a França. Nesses países, já há evidências de que a recuperação ganha força. Não muita, mas a tração parece ser crescente.
Os mercados anteciparam...
Apesar da generalização do crescimento pelos principais países capitalistas, é bom que o investidor tenha em mente que em parte a atual recuperação já foi antecipada. Os mercados vivem de expectativas sobre fatos e, na medida em que os fatos ocorrem, novas expectativas se formam. Neste sentido, a expectativa de que "o mundo não ia acabar" já virou "fato". Agora, resta saber se a economia mundial vai estar bem melhor daqui a, digamos, seis meses. O futuro é incerto, por definição. De nossa parte, acreditamos que, por enquanto, o andamento dos mercados mundiais ficará prejudicado pelas indefinições e inquietações dos investidores. As cotações podem não cair, vão "andar de lado". Algo como tem ocorrido nestas últimas três semanas. Não estamos pessimistas. Apenas alertamos aos nossos leitores : não esperem grandes lucros no curto prazo, como ocorreu nos últimos seis meses.
COPOM, entre a teoria e a prática
Nestes tempos de recessão, torna-se difícil ser absolutamente afirmativo sobre o que o BC brasileiro irá fazer com a Selic, hoje estacionada no patamar de 8,75%. A inflação não é problema, por ora - o IGP-M caiu pelo sexto mês consecutivo. Não há nada que recomende uma taxa de juros real acima de 1%-2% ao ano. Pois bem : ela hoje está perto de 5% ! Eis a teoria. Há, contudo, um risco considerável : as contas públicas que se deterioram de forma estrutural. Esta é a variável que pode guiar o COPOM a manter a taxa Selic. Eis a prática.
Radar "NA REAL"
Não procedemos nenhuma alteração relevante no nosso "Radar". Conforme analisamos nas notas acima, estamos num período de transição e de formação de expectativas. Com efeito, os mercados tendem a "andar de lado" sem notáveis desempenhos positivos ou negativos. O mercado está a deglutir dados e informações. No caso do Brasil, acreditamos em alguma "realização de lucros" no mercado acionário e no mercado de juros e títulos de renda fixa prefixados. No primeiro caso, seria natural que os investidores embolsassem lucros. No caso da renda fixa há dois pontos que merecem atenção da parte de nossos leitores e investidores : o fraco e preocupante desempenho das contas públicas no médio prazo e a política do BC no curto prazo (vide nota acima).
28/8/9 |
(1) - Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais)
(2) - Em relação ao dólar norte-americano
NA - Não aplicável
A vanguarda do atraso
Esqueçam Dilma, Serra (ou Aécio), Marina, Ciro ou quem lá venha assumir a presidência da República em 2010. No Executivo certamente teremos mudanças de estilo de governo e até de ênfases na política econômica. No entanto, no modo de ser da política brasileira, na maneira de atuar do Congresso e no modo de agir dos partidos políticos, nada mudará. Teremos mais do mesmo, as mumunhas de sempre da Câmara e do Senado, as "negaças negociais" dos partidos políticos. Como as leis eleitorais estão sendo alteradas, para pior, e como não se alteraram as normas partidárias, qualquer renovação que a eleição de 2010 trouxer será apenas de nomes. No Senado, por exemplo, as últimas eleições, a partir de 1998, o índice de renovação chegou a passar dos 70%. Na Câmara, tradicionalmente, esses índices se situam entre 50% e 60%. As coisas melhoraram a cada quatro anos ? Os fatos mostram que não. Como ensinava Ulysses, é inexorável : o Congresso que vem é sempre pior do que o que está saindo. Quem subir ao Planalto já pode ir se preparando para fazer as barganhas de sempre. Em nome da governabilidade.
Os efeitos Marina
Depois de o nome da ex-ministra Marina Silva ter sido lançado extra-oficialmente na corrida presidencial, mesmo sem uma pesquisa mais substancial sobre intenções de votos, é possível avaliar que ela pode causar avarias nos votos da chamada "esquerda", de ditos intelectuais, de setores da Igreja e de parte da classe média, tanto os postulados por Dilma quanto por Serra, muito mais para a primeira. Não dá, porém, para mensurar o tamanho desse estrago. É preciso medir melhor até onde vai o potencial eleitoral de Marina e de seus apoiadores. É preciso medir também qual a estrutura - logística, de tempo na televisão, financeira, de gente - com a qual contará. Mensurar Marina a partir do fenômeno Collor é um equívoco. Marina nunca será a queridinha dos grupos poderosos que, a partir de certo momento, jogaram todas as fichas no atual senador alagoano para conter as então ameaças de Lula e Brizola. A ex-ministra do Meio Ambiente tem potencial para tirar sono de poderosos e até abalar candidaturas. Seu discurso domingo na adesão ao PV é consistente. Para saber se vai mais longe é preciso esperar pelos menos uns seis meses.
Um confronto interessante
Dezembro vem aí trazendo a reunião sobre clima de Copenhague quando, se espera, serão definidos os novos parâmetros para redução em escala planetária dos gases que provocam o efeito estufa. É uma revisão do Protocolo de Kyoto, de 1997, que teve poucos efeitos práticos. Marina Silva é convidada, já confirmou que vai, e certamente será, pela sua reputação internacional com ambientalista, uma das estrelas da Conferência. Lula também deve ir. Ou pelo menos deveria. O detalhe é que o presidente não se contenta com papéis secundários nem gosta de dividir palanques.
Os efeitos Palocci
Não sairá antes de novembro, dezembro, alguma definição sobre o futuro político de Palocci, agora que o STF decidiu não processá-lo no caso da quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo. O placar apertado, os votos de alguns ministros, como o de Marco Aurélio de Mello, e o fato de o Supremo ter admitido que houve crime sem culpar Palocci por ele, esfriou o entusiasmo de quem apostava na viabilidade eleitoral do ex-ministro numa disputa para um cargo majoritário. A munição posta nas mãos dos adversários do ex-prefeito de Ribeirão Preto num ambiente de campanha é ainda altamente explosiva. Uma frase como a de Marco Aurélio Mello, de que "a corda sempre arrebenta do lado mais fraco", é cortante.
O efeito Mantega
Pelo menos uma estrutura já foi abalada com o livramento de Palocci : a do ministro Guido Mantega, às voltas com uma grave crise na RF, construída por ele mesmo e pelo seu segundo, Nélson Machado. Palocci, que continuou conselheiro econômico e político de Lula mesmo depois de afastado do ministério, sempre foi um fantasma a assombrar Mantega. A própria crise na Receita tem origem nesse medo : o ainda não bem explicado afastamento do secretário, que antecedeu Lina Vieira, fez parte do plano de Mantega de se livrar dos remanescentes da equipe de seu antecessor. Mesmo que eles tenham demonstrado eficiência e competência, como foi o caso de Rachid.
Lula e seus preferidos
Não precisa ser um analista político afiado para comentar o seguinte quadro. Lula convoca José Dirceu e Palocci. Estes dois homens "de confiança" do presidente foram os responsáveis pelas negociações que impediram a "irrevogável renúncia" do Senador Aloizio Mercadante da liderança do PT, inquieto com a proteção que o PT dava e dá a nada menos que José Sarney ! Ora, não são questões partidárias ou de governo que tornam este quadro dramático para a política brasileira. Trata-se de uma tragédia singular para a República. O resto realmente é detalhe.
Antro cobiçado
Segundo o "Novo Aurélio", furna significa "caverna ou gruta, fojo, antro, cova, lapa, subterrâneo". Pois é em direção a uma determinada "furna", com valores de Real Grandeza, que o PMDB fluminense mirou seu desejo. Na direção de Furnas Centrais e o fundo de pensão de seus funcionários.
Brasileiros de primeira e segunda categorias
Façam as contas :
1. O governo federal tem menos de 1 milhão de aposentados e pensionistas; gastou com eles de janeiro a julho de deste ano R$ 35,1 milhões.
2. O INSS, responsável pelas aposentadorias e pensões de quem trabalhou no setor privado, tem cerca de 20 milhões de beneficiários; nos mesmos sete meses de 2009, gastou com eles R$ 120,6 bilhões.
E nem o Palácio do Planalto nem o Congresso fazem a menor força para aprovar a regulamentação da última "reforma da previdência", que institui um teto para a aposentadoria de quem entrar no serviço público depois da lei em vigor e cria um fundo de pensão para os novos servidores, para complementar os salários quando eles deixarem de trabalhar.
Generosidade ? Nem tanta
O governo correu para acertar com os sindicalistas e representantes dos aposentados pelo INSS um aumento real de seus benefícios em 2010 e 2011. Não está sendo "generoso" nem praticando sua famosa "justiça social". Na verdade, corre para tentar barrar a aprovação na Câmara de três projetos do senador petista Paulo Paim (PT-RS) que criam grandes vantagens para os aposentados do setor privado. Em período eleitoral os deputados podem ser tentados a aprová-los. E Lula não quer o desgaste de ter de vetá-los.
Tem briga boa
Esta semana o governo deve cumprir a promessa que fez ao MST de aumentar as exigências de produtividade nas atividades rurais para efeitos de desapropriação com vistas à reforma agrária. O setor rural está em polvorosa e cobra do ministro Reinhold Stephanes uma atitude corajosa em defesa da agricultura : não assinar o documento com as novas normas ou renunciar ao cargo. O PMDB abriga também a maior bancada ruralista, além de ser o partido do ministro e principal sustentáculo do governo no Congresso.
Menos horas
Se for a votação, em plena efervescência eleitoral, a EC que reduz de 44 para 40 horas a jornada semanal de trabalho no Brasil tem enormes possibilidades de ser aprovada. Ainda mais estando o governo empenhado nela, como demonstrou a participação do ministro Carlos Lupi no debate sobre o assunto promovido pela Câmara.
Uma calculadora nova
Ou a Petrobras ou o TCU necessita fazer, urgentemente, uma licitação para comprar novas calculadoras. Um deles está com suas máquinas defeituosas, pois as contas de um e outro não batem. O TCU, por exemplo, identificou um superfaturamento de 1.490% no pagamento de verba indenizatória nas obras de terraplenagem no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro. A Petrobras não reconhece tal valor. O TCU identificou superfaturamento nas obras da Refinaria Abreu e Lima em Pernambuco. A Petrobras aceita a existência apenas de algumas mínimas falhas. Não é por outra razão que há muita gente boa querendo mudar as regras de atuação do TCU. Como não dá para tratar a doença, quebra-se o termômetro.
Votos rarefeitos
O presidente da FIESP Paulo Skaf está numa rotina de quem é candidato a governador de SP. Conchavos, reuniões, viagens. É um autor em busca primeiro de uma legenda. Se continuar no ritmo que está, até o ano que vem, 3 de outubro, conseguirá angariar uns dez votos populares.
Direito na rua
Se o ministro Joaquim Barbosa, do STF, seguir o que ele mesmo defendeu naquele famoso entrevero com seu colega presidente da Corte Suprema, o senador José Sarney que se cuide. Barbosa é o relator do MS da oposição contra o sumário arquivamento das representações contra o presidente do Senado por quebra de decoro. Barbosa aconselhou Mendes a considerar o que as ruas pensam. E sobre Sarney, mostram as pesquisas, o que pensam as ruas não é nada abonador.
Japão renova política. E o Brasil ?
O Partido Democrata ganhou as eleições japonesas e derrotou o Partido Liberal Democrata. Pela primeira vez desde a segunda guerra mundial, o PD vai governar o país em meio a uma enorme recessão. Trata-se de um teste, mesmo em se tratando de um país desenvolvido como é o caso do Japão. O novo primeiro-ministro deve ser Yukio Hatoyama que conseguiu projetar uma imagem de renovação para a autárquica política japonesa. A população escolheu uma nova via, pois não conseguiu mais enxergar na elite política do país sinais de modernidade. Apesar da renovação dos quadros do PLD, as políticas propostas tornaram-se obsoletas. Os caciques perderam poder e a população parece segura em relação à segunda via. Talvez, no caso do Brasil, o cansaço social com as elites políticas seja maior que no caso do Japão. Será que optaremos por uma nova via ?
Virtudes publicitárias
Charles Saatchi, ex-guru da publicidade que assessorou a campanha vitoriosa de Margaret Thatcher ao final dos anos 70, lançou um livro no qual pontificam suas memórias e visões sobre a publicidade. Diz ele que para vencer na profissão é preciso ter (i) talento acadêmico mínimo, (ii) uma boa dose de cinismo e (iii) e disposição para engrandecer as ideias alheias. Valeria para a política, sobretudo a nacional ?
A anistia 30 anos depois
Estamos a comemorar a anistia política promovida pelo governo Figueiredo há trinta anos. Iniciava-se a fase final do regime militar brasileiro. Por que o governo Lula não aproveita a comemoração e lança a público todos os dados e arquivos relacionados com os desaparecidos políticos ? Não seria apenas um gesto de humanidade para com sofridas famílias, mas de coragem política e crença profunda na democracia. O que falta ao presidente ? Ou será que sobra medo ?