Política & Economia NA REAL n° 59
terça-feira, 7 de julho de 2009
Atualizado em 6 de julho de 2009 17:04
Populista ou popular, não importa
Não vem ao caso se se classifica o governo Lula como popular (como ele quer ser reconhecido) ou como populista conforme apregoa a oposição. A verdade é que por sua origem (o "passado" que causava medo ao "mercado") e por seus interesses futuros, o governo Lula vai cada vez mais em direção ao que ele considera que carreará votos para sua candidata e seus aliados e alimentará e consolidará através dos tempos sua altíssima popularidade. Não vem ao caso, aqui, os méritos ou deméritos das ações. Porém, não é sem propósito o cerco aos bancos privados, aos cartões de crédito, os reajustes do Bolsa-Família e dos servidores públicos no momento em que a arrecadação está em queda. Não é também despropositada a constante redução das metas de superávit primário. O de 2009, que começou em 3,8% do PIB e estava até a semana passada em 2,5% quando teve nova revisão, para 1,85%, com a retirada dos gastos do PAC de seus cálculos (leia mais na nota abaixo). Uma frase atribuída à ministra Dilma Roussef, numa conversa com técnicos da área econômica, diz tudo : "Não me venham falar de superávit primário." Cada vez mais a economia está sendo pensada e determinada no gabinete presidencial e na Casa Civil. Ministério da Fazenda, do Planejamento e BC, não formulam, não decidem, no máximo sugerem. E executam.
Barragem no Congresso
Não é à toa, também, que o governo tem orientado seus líderes no Congresso a barrarem a votação de alguns projetos de forte apelo popular (ou populista) de autoria até de companheiros de jornada. É o caso da redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais, votada favoravelmente há dias numa comissão na Câmara, e a equiparação do reajuste das aposentadorias e pensões do INSS ao reajuste do salário mínimo, que já passou pelo Senado. Lula não quer ser obrigado a vetar as duas propostas para, eleitoralmente, não se indispor com dois grandes baús de votos e clientela fácil para seus candidatos.
Um exemplo concreto
O governo vai determinar ao BB e à CEF que entrem com vontade no mercado de cartões de crédito, para criar mais competição nesta área. Nada demais. Mas reservou uma "ação social" para a Caixa : quer a instituição distribua o chamado "dinheiro de plástico" para os beneficiários do programa Bolsa-Família. Não é temeridade demais - ou mesmo irresponsabilidade - colocar uma facilidade dessas nas mãos de pessoas com rendas tão baixas ? Em nome de uma etérea "inclusão social" pode-se estar armando um grande desastre. O exemplo do sub-prime nos EUA não recomenda medidas como esta.
A ficção do Orçamento
Não se ignora que o Orçamento Geral da União - e, em grande parte também os orçamentos dos Estados e municípios - é uma obra de ficção. E uma obra aberta. A Lei de Diretrizes Orçamentárias, criada para ordenar a elaboração orçamentária, caminha na mesma direção. A de 2010, a ser votada até a semana que vem para que os congressistas possam tirar seus 15 dias de férias em julho, traz grandes vôos de imaginação. Prevê, por exemplo, entre outras coisas, que o superávit primário do ano que vem será de 3,5%. Segundo especialistas ouvidos por esta coluna, é sonho - ou promessa vã. Ele já está completamente comprometido. E poderá ficar ainda mais em se tratando de lei eleitoral.
Repetimos o nosso alerta
O (i) irrealismo com que está sendo construído o orçamento de 2010 e (ii) a falta de critério entre "despesas correntes" (que crescem mais que o PIB) e "investimentos" (que demoram) indicam que os riscos fiscais no médio prazo (a partir de meados do ano que vem) estão crescendo celeremente. A política de estímulo fiscal (correta) neste momento de crise abriu uma "janela de oportunidade" para que se justificasse uma série de gastos correntes permanentes. O "mercado" está subestimando os riscos da política fiscal e as taxas de juros dos títulos pré-fixados não refletem tais riscos.
Radar "NA REAL"
O mercado internacional voltou a suspeitar da recuperação das principais economias centrais. A taxa de desemprego nos EUA (9,5%), somada a intensificação dos pedidos de auxílio-desemprego, detonou um processo de pessimismo que deve permanecer nos próximos dias, quiçá nas próximas semanas. A tendência de melhora dos mercados no médio prazo permanece. Todavia, os diversos segmentos do mercado financeiro estão mais frágeis neste momento. Para o Brasil, o cenário é muito melhor em termos relativos. Todavia, não esperamos nenhuma melhora adicional até que o cenário externo melhore. Preocupa-nos especialmente a valorização do mercado acionário brasileiro. Neste momento, julgamos as ações das principais empresas brasileiras muito elevadas frente às incertezas (ainda) presentes na economia mundial. Os preços das commodities são o mais importante sinalizador para a bolsa brasileira. Tais preços subiram em relação à média do primeiro trimestre do ano. Porém, nas últimas semanas se tornaram mais instáveis (voláteis). Um mau sinal para os países emergentes, incluso o Brasil. Finalmente, há a questão cambial. Uma eventual piora no cenário externo levará o câmbio para cima. Considerando-se (i) a política de estímulo fiscal do governo, com seus riscos e benefícios (comentados nas notas acima), bem como (ii) o menor nível de ingressos de recursos estrangeiros no país, é provável que a queda da taxa de juros cesse - não necessariamente a taxa básica de juros, mas a curva de juros (títulos prefixados de médio prazo) deve se elevar. O momento é delicado. Uma transição que deve ser para melhor. Contudo, isto não é uma certeza. Apenas uma tendência que pode mudar.
3/7/9 |
(1) - Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais)
(2) - Em relação ao dólar norte-americano
NA - Não aplicável
Se prepare, os resultados estão chegando...
Começa a temporada de divulgação de resultados de empresas de capital aberto em todo o mundo. Os investidores e analistas hão de fazer suas avaliações e revisar as suas projeções. Estas temporadas aumentam a volatilidade dos mercados !
G-8 e G-20
Tem razão o presidente Lula quando reclama mais prestígio dos países centrais ao G-20. É certo que o tal do G-8 não abdicará de sua preferência em discutir primeiro os seus interesses no âmbito dos países capitalistas centrais e depois articular tais interesses com os outros países. Nesta última década os países emergentes passaram de uma posição devedora para uma confortável posição poupadora. Isto os fez credores (financiadores) dos países ricos o que viabiliza uma maior presença política no cenário internacional. Há, contudo, um ponto que o presidente Lula e a atual liderança do Itamaraty parecem se equivocar. Uma coisa é a universalidade da idéia do G-20 ("ser o fórum privilegiado para discutir os problemas econômicos mundiais"). Outra coisa é a coesão dos países emergentes na condução de seus interesses comuns. Estes últimos não são tão homogêneos a ponto de tornar o G-20 tão efetivo quanto parece soar da boca presidencial. Os interesses econômicos da Rússia, da China, da Índia e do Brasil, apenas para citar o caso dos BRICs, são muito dispersos e as estratégias bem diferentes entre eles. Não há uma "ordem mundial" no momento. Há uma desordem mundial. O G-20 ainda é uma idéia. Muito vaga, diga-se. Mesmo que valha a pena ser perseguida.
Regulação de mercados e setores
Todos os países relevantes impactados pela enorme crise de crédito e dos mercados estão a proceder revisões severas na regulação do mercado financeiro e dos setores econômicos. Perguntamos : não seria o caso do mesmo acontecer aqui no Brasil ? Ao invés de o Executivo meramente questionar os procedimentos do TCU, por que não se revisa o papel das agências reguladoras, o CADE, a SDE e assim por diante ? Muitas fusões e ineficiências do mercado estão a ocorrer em função da crise mundial. A hora de haver uma modernização é agora ! Nada casuístico, apenas a velha necessidade de reformas...
O santo nome em vão
Entrou definitivamente na moda na política brasileira a expressão "governabilidade", definida pelo "Novo Aurélio" como "qualidade de governável". Já o Michaelis ("Moderno Dicionário da Língua Portuguesa", Melhoramentos) nem registra a palavra, prefere "governação". Para Gianfranco Paquino ("Dicionário de Política", N. Bobbio, N. Matteucci, G. Paquino, FGV) o termo "presta-se a múltiplas interpretações". E como tem se prestado no Brasil... Agora acoberta a cobertura irrestrita que o governo está dando a Sarney na presidência do Senado e, por tabela, aos esforços dele e de parceiros para transformar a grave crise que assola o Senado em uma simples "marolinha". Seja que significado tenha a expressão para os que estão evocando seu santo nome em vão, é triste o país no qual a tal governabilidade dependa de um partido como o atual PMDB e suas crescentes demandas de "governação".
Contando os dias
O mundo político brasiliense está ardorosamente contando os dias que faltam para a chegada das férias parlamentares de 15 de julho. Esperam que o esvaziamento de Brasília afaste o Senado das manchetes. O "acordão" celebrado sob as bênçãos do presidente Lula já deve esta semana acalmar um pouco a situação. A reunião pro forma da bancada do PT no Senado hoje sela o conchavo. Sarney e o PMDB exigiram e Lula determinou. Alguma oposição esperneará. Nem toda, porém. Do lado da micro política, portanto, está tudo praticamente certo. Faltou, no entanto, combinar com os jornalistas. E com os grupos que andam vazando as informações, boa parte localizada na burocracia do Senado. Alguns para mostrar o que sabem - chantagem ? - e outros porque querem preservar a instituição e a imagem deles.
O nome da crise
A ministra Dilma Roussef, saindo de seus pagos de mãe do PAC, "gerentona" do governo e vestindo o figurino da candidata presidencial, saiu em defesa do senador maranhense do Amapá dizendo que não se pode demonizar Sarney. Correto. Não se pode mesmo demonizar Sarney, "fulanizar" a crise e achar que estamos diante apenas de uma "marolinha". É muito mais profundo : estamos diante de um sistema legislativo e de um sistema político inteiramente carcomidos, disfuncionais e, se valer o neologismo, "desgovernáveis". Acomodações, conchavos, em nome de interesses imediatos e eleitoreiros, são servem para adiar a explosão. Um adiamento que pode não ultrapassar o auge da campanha eleitoral.
O outro nome da crise
Atende pelas alcunhas de Dilma Roussef 2010 e CPI da Petrobras o mergulho de Lula, sem colete salva-vidas, no lamaçal do Senado e sua compulsiva atração por José Sarney.
Vidas em perigo
Para se entender o desespero que toma conta de boa parte dos senadores e é subjacente à crise da Casa : 54 dos atuais 81 senadores terão de renovar seus mandatos no ano que vem. Entre eles, nove dos doze do PT e 16 dos 19 do PMDB.
Até eles gostaram
O conchavo que se armou no Senado não serviu apenas ao governo, a Sarney e ao PMDB. Traz alívio também para boa parte da oposição. Caixa preta é caixa preta. Uma coisa é discurso, outra coisa é o bastidor.
Os bons companheiros
O apoio - discreto, para o tamanho da confusão - do PMDB da Câmara ao PMDB de Sarney e Renan tem um destino certo : dar uma ilusão de "unidade" partidária e manter o cacife do partido nas negociações para a vaga de vice de Dilma. Aspiração maior hoje de Michel Temer. Falta, porém combinar com os caciques estaduais, ou seja, com os outros 27 PMDB's existentes no Brasil.
Solidariedade é isso
A Câmara está acompanhando as agruras de seu vizinho com o máximo de discrição. Não quer marolas. Afinal, a única diferença visível entre os dois é a posição das duas meias cuias que os identificam na arquitetura de Oscar Niemeyer.
Jornalismo de qualidade
Primorosa na concepção e na concisão, a manchete da primeira página do "Diário do Comércio" de São Paulo de sexta-feira passada a propósito do apoio do presidente Lula ao senador Sarney. Ao lado da foto de Lula, com a faixa do Corinthians "Campeão do Brasil" e segurando a taça conquistada pelo clube de seu coração, vinha o título "O gavião fiel à Sarney". Diz tudo : eles estão de modo irremediável abraçados politicamente, como dois irmãos siameses. Juntos enquadraram o outrora aguerrido PT.
O santo nome em vão - versão "transparência"
Desde o advento (ou ameaça, como se queira) da CPI da Petrobras a expressão "transparência" passou a frequentar o discurso do presidente da companhia e de seus diretores. O blog é em nome dela. As visitas aos ministros do TCU para explicar a portas fechadas o que não se quer explicar à CPI é em razão dela. Esta semana a estatal inundou os grandes jornais (uma página) e as revistas semanais de circulação nacional (duas páginas) com o seu balanço social. Significativamente encimado por um longo dizer : "Um balanço social cheio de novidades e com um ponto que a gente faz questão de repetir todos os anos: a transparência" (o grifo é da própria empresa). Apesar da tal, nota-se :
1. Não há nenhuma indicação de uma auditoria externa nos dados expostos, o que seria de bom tom para uma companhia de capital aberto, com ações negociadas na Bolsa de São Paulo e na Bolsa de Nova York.
2. Na área de indicadores ambientais, nenhuma referência aos passivos da companhia com o meio ambiente, inclusive com relação às multas a ela aplicadas por órgãos competentes.
Talvez isso explique a razão de entidades não-governamentais de meio ambiente estarem estudando a possibilidade de pedirem aos gestores do Índice de Sustentabilidade da Dow Jones a retirada das ações da Petrobras desse índice. Desde novembro do ano passado ela está fora do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BMF Bovespa.
Respeito aos consumidores é assim
Terça-feira passada, dia 30, a ANATEL, que tem entre suas obrigações cuidar também da proteção ao consumidor, reativou o seu Comitê de Defesa dos Usuários de Serviços de Telecomunicações. Ele estava inativo há nove anos. Exatamente isso, ninguém leu errado. E, no entanto, a Anatel precisou de uns poucos meses para aprovar mudanças nas leis para permitir a compra da Brasil Telecom pela Oi e para aprovar o negócio.
Dantas e os 13
Além de Daniel Dantas, o MP denunciou outros 13 personagens pelos crimes de formação de quadrilha, gestão fraudulenta, gestão temerária, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Por detrás de tudo isto há ainda (lembram-se ?) o esquema de financiamento do "Valerioduto". O tal do mensalão ainda tem de ser explicado de forma clara e transparente.