A "estratégia" e a face do governo
terça-feira, 23 de novembro de 2004
Atualizado em 22 de novembro de 2004 08:15
Francisco Petros*
A "estratégia" e a face do governo
A nova elevação da taxa de juros de 16,75% para 17,25% ao ano pelo COPOM (Comitê de Política Monetária) do Banco Central (BC) e a conjuntura externa favorável nos dá a oportunidade de imaginarmos qual deve ser a estratégia de condução da política econômica nos próximos meses e, talvez, durante o próximo ano. Vamos aos pontos:
1) A meta de inflação do ano que vem (5,1%) é extremamente apertada em função (a) da elevação projetada das tarifas públicas e/ou dos preços administrados pelo governo (energia, combustíveis, telecomunicações) e (b) da trajetória dos "preços livres" do setor privado que são afetados para cima pela maior demanda agregada e pelos impactos de custo da alta dos preços das commodities (Petróleo, produtos siderúrgicos, minérios ferrosos, etc.);
2) A conjuntura internacional, apesar de incerta no que tange aos fundamentos, especialmente em relação ao déficit público e externo dos EUA, persiste favorável e as recentes valorizações das principais moedas internacionais (euro, iene, libra) perante o dólar norte-americano favorecem a valorização do real, pois a nossa economia é mais atrelada ao dólar norte-americano. Há inclusive a possibilidade de que o Brasil faça emissões externas em reais, assim como ocorreu no caso de um banco brasileiro e da Coréia do Sul que fez uma emissão em wons, a moeda nacional do país;
3) Esta valorização do real possibilita que se obtenha dois resultados no curto prazo que são bastante "interessantes" para a autoridade monetária (BC). A primeira é reduzir o impacto da elevação dos preços externos pelo "canal do câmbio", principalmente no caso dos preços industriais. O segundo é que com o barateamento das importações aumenta-se a disponibilidade de bens importados na economia, acirra-se a concorrência e se evita as pressões advindas da baixa capacidade ociosa da economia (ao redor de 17% da capacidade nominal instalada);
4) Considerando-se o conjunto dos aspectos relatados nos itens acima, o BC pode controlar com mais segurança (a) a expectativa do "mercado" de uma taxa de inflação crescente, (b) reduz-se a atividade econômica (via alta dos juros básicos) e (c) mantém-se a economia em "equilíbrio" com uma atividade econômica menor e uma inflação baixa apesar de continuar extremamente difícil que a meta de inflação do ano que vem seja cumprida, mesmo que esta "estratégia" seja vitoriosa.
A conjuntura atual criou uma "janela de oportunidade" para que a ortodoxia econômica do Governo Lula seja cumprida e o financiamento externo permaneça tranqüilo. Agora só falta à equipe econômica isolar, de forma completa e definitiva, o governo dos desenvolvimentistas, tal qual foi feito no segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Aparentemente, esta tarefa já está em plena execução (sem trocadilhos!) com a demissão do presidente do BNDES Carlos Lessa e a tentativa de excluir o Vice-Presidente José Alencar do debate econômico nomeando-o para a pasta da Defesa. Esta feição mais conservadora do governo deve ser consolidada com uma reforma ministerial que busque sustentação política do governo e seja agradável à política econômica do Ministro Palocci. Tudo isso, apesar de, cada vez mais, a classe média e os desempregados estarem se questionando sobre as razões pelas quais eles votaram no Partidos dos Trabalhadores (PT) em 2002.
Há que se observar que esta "estratégia" econômica pode dar bons resultados no que tange aos objetivos de curto prazo do governo, especialmente no que se refere ao cumprimento da meta de inflação. Entretanto, pode-se notar no texto acima que este modelo de administração da macroeconomia não constrói nenhuma "ponte" segura para um crescimento sustentado no médio prazo. Os investimentos persistem baixos, as reformas estruturais - especialmente a tributária - estão atoladas no Congresso Nacional e as eleições de 2006 começam a ser discutidas abertamente o quê pode causar ainda mais paralisia na atividade legislativa ao longo do ano que vem. São constatações inequívocas. Nada têm de ideológicas. Há ainda o fato de que os fundamentos externos não estão claros e uma reviravolta na atual conjuntura pode desmontar esta "estratégia".
Por enquanto, o mercado financeiro aqui e lá fora está eufórico, curtindo o bom momento. É possível que esta euforia persista mais tempo - seis ou nove meses, quem sabe? Quanto ao médio e longo prazo, bem, alguém está disposto a discuti-lo?
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* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo).
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