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Política & Economia NA REAL n° 32

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Atualizado às 08:50


Apelo atendido ?

O apelo que Lula tem feito para que o brasileiro continue consumindo parece que foi atendido. A primeira impressão que ficou do fim de semana antevéspera do Natal, nos shoppings, nas regiões comerciais de consumo popular, nos "feirões" das montadoras de automóveis foi a de que a situação está se normalizando, a confiança da população se restabeleceu. O ministro Guido Mantega pode até comemorar, o que certamente ele o fará ao longo da semana. Como ensinam os mais sábios, porém, cautela a caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Ao que tudo indica pode ser apenas um espasmo, embalado pela pregação insistente do presidente e pelo anúncio do alívio tributário da semana passada. As condições de temperatura e pressão não se alteraram substancialmente. As empresas continuam ressabiadas, a disposição de rever investimentos permanece e ninguém está se comprometendo a manter o nível atual de emprego.

Conta gotas....

E nesse ponto o governo tem cometido um grave equívoco agindo na base do conta-gotas, com providências setoriais e pontuais apenas, quase sempre reagindo a uma situação já em andamento. E pior ainda, como na quinta-feira, já anunciando que novas medidas virão. Ora, fica todo mundo esperando as novas providências, ninguém se mexe. Ainda mais porque há uma evidente contradição - e um choque mesmo - entre o desejo de incentivar o consumo de um lado e a persistência do BC em manter a taxa básica de juros. A solução urgente desse conflito é essencial para a tomada de decisões pelos agentes econômicos privados.

Sobre o consumidor

O Governo deveria ser muito mais agressivo na ponta do consumo. Reduzir, além do já anunciado, os impostos para os salários mais baixos e ser muito agressivo na concessão de benefícios diretos para os trabalhadores. É aí que reside a possibilidade de uma recuperação rápida da economia. Todavia, a capacidade política de operar estas matérias parece baixa neste governo. Dito popular, note-se.

Um exemplo : financiamento de imóveis

Alguém pode achar que mesmo havendo crédito farto à disposição, um trabalhador ou uma família de classe média vai comprar um imóvel quando pode perder o emprego ? Neste momento, a recuperação da atividade econômica passa pela recuperação do consumo. O governo tem de parar de gastar fichas para estimular o empresariado e gastar mais com quem vai gastar mais e rápido.

Empresários não estão felizes

Segundo descrição do jornal "Valor Econômico", o ambiente da reunião de Lula com um grupo seleto de empresários, que antecedeu o anúncio do "pacote de bondades" do ministro Mantega na semana passada, foi de tristeza. A verdade é que os empresários estão inseguros e não totalmente satisfeitos com as providências que têm sido tomadas pelo governo para combater os efeitos da crise econômico-financeira mundial no Brasil. Do lado do mundo privado, elas são consideradas tímidas, insuficientes, agravadas pela "teimosia" do BC. Foi sintomática a decepção com a falta de empenho do governo em dar a sua fatia de sacrifício a cobrança feita pelo empresário Emílio Odebrecht. O empresário sugeriu que o Planalto providenciasse uma solução legal - uma MP ou um projeto para deputados e senadores votarem rapidamente - suspendendo os aumentos salariais concedidos ao funcionalismo público nos próximos anos. Opinião desta coluna : não há possibilidade da proposta vingar. Zero de chance.

Um olho na crise, outro em 2010

Não há possibilidade de a sugestão de Emílio Odebrecht vingar porque o governo não deseja, em pleno verão eleitoral, indispor-se com duas de suas principais clientelas e dois dos pontos em que pretende ancorar a candidatura de Dilma Roussef : o funcionalismo público e as centrais sindicais, especialmente a CUT. A soma da capilaridade dos servidores com a disposição das entidades sindicais pode compensar o pouco entusiasmo (até aqui) dos partidos aliados com as postulações da ministra-chefe da Casa Civil. O PMDB está visivelmente vacilante (até por estratégia, para o conhecido "toma lá, dá cá") e o PT dá mais sinais de conformismo do que empolgação.

Sempre 2010

A realidade é que não se dá um passo em Brasília sem que 2010 se coloque na mira do teodolito presidencial. O alívio no IR da Pessoa Física, por exemplo, tem o óbvio propósito de incentivar o consumo, mas foi também uma barretada na classe média, que nas grandes cidades andou abandonando os candidatos presidenciais nas eleições de outubro. Do ponto de vista individual, o alívio é pouco significativo. E do ponto da vista da doutrina tributária, um retrocesso segundo analistas de peso, como o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel.

Uma boa amostra

O Congresso deve votar esta semana o Orçamento da União para 2009. Será uma boa ocasião para o governo, os deputados e senadores demonstrarem até que ponto eles estão dispostos a fazer sacrifícios para ajudar a conter a crise. Quanto será cortado para adaptar as despesas à nova realidade da arrecadação ? O que será cortado ? Fala-se em poda de R$ 10 bilhões com a nova reavaliação da receita. Mas isso foi antes do pacote de renúncia fiscal de R$ 8,4 bilhões. Os deputados e senadores não abrem mão das verbas para suas emendas. Lula já avisou que não aceita que se mexa no dinheiro do PAC e dos programas sociais. Há um aumento substancial nas despesas já contratado com os reajustes do funcionalismo e do salário mínimo. Sem contar as ameaças dos projetos do Senador Paulo Paim. Como acomodar tudo com os desejos eleitorais ? No fim das contas o governo vai mesmo é reduzir o superávit primário.

Ciro, o retorno

Depois de quase seis meses na muda, o ex-ministro e deputado Ciro Gomes retornou na semana passada em grande estilo, com a língua solta e atirando a esmo. Sobrou para todo mundo até para ele mesmo. Em dado momento, referiu-se a "essa política ruinosa de juros ao longo de 25 anos garante segurança e altíssima rentabilidade ao sistema financeiro", talvez esquecido de que nesse período ele próprio foi ministro da Fazenda também, e a política monetária foi a mesma. Ciro procurou preservar o presidente Lula, atacou apenas a política econômica e o BC. Malandragem política. Afinal, a política não é de Lula ? Ou o BC manda mais do que o presidente ? Leitura do jogo : Ciro está se habilitando para ser o vice na chapa de Dilma e, na eminência de um desastre da candidatura da preferida de Lula, merecer a unção presidencial.

Uma farsa para enganar trouxas

A Anatel adiou de hoje para amanhã ou depois a reunião para votar o pedido da anuência prévia para Oi (ex-Telemar, controlada pelos empresários Carlos Jereissati e Sérgio Andrade) comprar a Brasil Telecom. Zelosa, a agência vai realizar uma audiência pública para discutir o assunto. Por que apenas nas vésperas ? Vai dar tempo de alguma coisa ? Ora, uma bobagem. É apenas um gesto para tentar mostrar à opinião que tudo está sendo feito na maior transparência, na maior lisura, quando a realidade é outra. Antes mesmo da audiência, a relatora do processo, a conselheira Emília Ribeiro, já garantiu que não haverá obstáculos ao negócio. Perguntada se haveria possibilidade de a Anatel negar o pedido, Emília foi enfática : "Não. Se a operação está dentro da lei, se está seguindo o processo, por que vamos impedir ? Uma empresa brasileira desse porte interessa a todos nós". (Para lembrar : Emília é uma ex-assessora do PMDB no Senado, que foi indicada às pressas para a Anatel, sem conhecer nada de telecomunicações, para desempatar um impasse na diretoria da agência que ameaçava o nascimento da BrOi).

Isto é que é eficiência

Para disfarçar o apadrinhamento do negócio, a Anatel (com a chancela do governo) deverá impor algumas exigências (condicionalidades) à nova empresa. Nada de relevante. Até porque muitas delas foram sugeridas pela própria BrOi. Assim, até o fim da semana, estará tudo legalmente sacramentado, com uma inovação jurídica - primeiro se faz um negócio proibido pela lei, com documento oficial e tudo e depois se muda a lei para torná-lo normal. E tudo se fará dentro do prazo para permitir que os negociantes, agraciados com generosos financiamentos públicos, finalizem a "transação" dentro prazo, sem risco de multas e outras penalidades. Num período de apenas seis meses mudou-se uma lei, aprovaram-se normas, definiram-se financiamentos vultosos numa questão extremamente complexa e, no caso, delicadíssima. Se o setor público brasileiro mostrasse sempre a eficiência e a boa vontade que mostrou no caso BrOi, este seria um país invejável.

Juros nos EUA : quais as novas opções ?

É generalizadamente esperado que o Fed reduza a taxa de juros primária, atualmente em 1% ao ano. Como se vê, há pouca taxa para se reduzir ! Estamos próximos de zero ! Assim sendo, o mercado financeiro internacional especula qual será a postura do FED e de seu presidente Ben Bernanke daqui para frente. Será um heterodoxo conforme pregava diante de seus alunos de Princeton ? O certo mesmo é que tudo dependerá mais de Barack Obama que do Fed. Vamos esperar até o dia 20 de janeiro...

Juros no Brasil : sem novas opções ?

Na segunda-feira, o presidente do BC, Henrique Meirelles, participou de um seminário em São Paulo promovido pela Standard & Poors, pelo jornal "Valor Econômico" e pela FGV. O tom do discurso de Meirelles foi uma justificativa para a decisão do BC de manter inalterada a Selic. Com alguma ironia para os palestrantes que o antecederam, Meirelles procurou mostrar sinais de uma economia ainda aquecida e com previsões incertas. Quem ouviu saiu com a impressão de que não é coisa líquida e certa uma baixa na taxa básica em janeiro.

Equação financeira

E-mail circulando pelo mercado financeiro dá conta que os US$ 100 bilhões que o Royal Bank of Scotland pagou pelo ABN-Amro há cerca de um ano daria para comprar no momento o Citibank (valor atual de mercado, US$ 22 bilhões) + o Morgan Stanley (US$ 10,5 bilhões) + o Goldman Sachs (US$ 21 bilhões) + Merril Lynch (US$ 12,3 bilhões) + Deutsche Bank (US$ 13 bilhões) + Barclays (12,7 bilhões). Com a sobra de US$ 8 bilhões ainda se compraria a Ford, a Chrysler e a GM. Como ninguém é de ferro, sobraria um troquinho para se montar uma equipe Honda de Fórmula 1. Assim, Rubinho Barrichello poderia voltar a correr em 2009.

China, produção para baixo

A produção industrial da China em novembro, comparada com o mesmo período do ano passado apresentou um crescimento de 5,4%, uma desaceleração em relação a outubro quando o crescimento foi de 8,2%. A maior causa da redução do crescimento foi o decréscimo de 12% da produção siderúrgica do país. Um mau sinal para o setor de mineração de ferro. Sobretudo, para a Vale do Rio Doce, cujo desempenho depende muito daquele outro lado do mundo.

A Suíça saiu na frente

Enquanto o mundo discute se deveria ou não existir um banco internacional cujo papel seria o de fiscalizar o funcionamento do sistema financeiro internacional, a Suíça resolveu regular o sistema financeiro. Note-se que o país prima por certo nível de desregulamentação quando comparado a outros países desenvolvidos. Daqui para frente, os grandes bancos terão limites para crescer os seus ativos, sobretudo quando os tempos forem bons. Se quiser crescer mais, mais capital próprio será necessário. A Suíça está se antecipando às possíveis medidas sobre o assunto que devem ser anunciadas num prazo de poucos meses.

E a devida diligência ?

Será chato para os bancos explicar as perdas com o esquema fraudulento do investidor Bernard Madoff. Este sujeito, antes de sair algemado, pelo FBI, era figurinha fácil nas festas do jet set e sempre fotografado com os chefões do mercado financeiro. Pois bem : agora vem a conta dos prejuízos provocados aos investidores de grandes bancos. O HSBC perdeu US$ 1 bilhão, o Royal Bank of Scotland US$ 400 milhões, o BBVA e o Nomura (Japão) cerca de US$ 300 milhões cada um. O BNP-Paribas perdeu US$ 408 milhões. Tais prejuízos foram provocados junto a clientes ou diretamente aos bancos. Usualmente, os bancos dizem analisar cuidadosamente as operações de fundos de terceiros vendidos nas redes de agências/clientes. Pelo jeito, algo ocorreu de errado.

A conta a ser paga

Depois da rejeição do pacote de ajuda às três mais importantes montadoras dos EUA pelo Senado norte-americano, a Casa Branca busca uma solução para o setor. Monta-se um pacote de até US$ 30 bilhões para salvar as empresas da concordata. A administração Bush pode usar apenas US$ 15 bilhões (valor até agora não alocado em outros salvamentos) da primeira parcela do pacote de ajuda (US$ 350 bilhões) aprovado em outubro passado pelo Congresso. Assim sendo, Bush depende de mais uma votação para liberar a outra parcela também de US$ 350 bilhões. As subsidiárias da Ford, da GM e da Chrysler estão apreensivas com o seu destino nos próximos anos. Diante da fraqueza financeira das matrizes, muitas fábricas podem ser fechadas ou vendidas. Inclusive no Brasil. Por fim, uma coisa é certa : os sindicalistas vão ter trabalho para convencer os trabalhadores a reduzir seus benefícios. Sem esta redução tudo ficará difícil do ponto de vista político (para a aprovação do pacote).

Enquanto isso...

As grandes montadoras japonesas e coreanas estão relativamente capitalizadas. Esperam serenamente a definição sobre o pacotaço destinado às montadoras norte-americanas para refazer as suas estratégias. Querem tomar ainda mais parcelas do mercado consumidor norte-americano. O Brasil deve ser destino menos importante de investimentos neste momento.