Política & Economia NA REAL n° 15
terça-feira, 19 de agosto de 2008
Atualizado às 03:51
O petróleo é nosso I
Emulado possivelmente pelo espírito de Getúlio Vargas, uma de suas referências políticas, Lula anunciou, diante de uma entusiasmada platéia de estudantes, que "o petróleo é nosso". É o relançamento do slogan que levou à criação da Petrobras, agora para animar a criação da Petrosal, empresa que Lula poderá pôr de pé para administrar as possivelmente fabulosas reservas de ouro negro da camada de pré-sal do litoral brasileiro.
Não precisava dizer isso. O petróleo já é nosso (no sentido de pertencer à Nação brasileira). Está na Constituição inscrito na Constituição e nada foi alterado com a modificação na lei de 1997. O que se quebrou, na ocasião, foi o monopólio que o governo havia entregado à Petrobras. Portanto, uma campanha como a dos moldes de 1950, como Lula pregou aos estudantes, é desnecessária.
Como é desnecessária, segundo muitos especialistas, alterações na legislação atual para que o governo aumente a participação da União nos ganhos com a exploração de petróleo nas águas mais do que profundas da região que vai do litoral do Espírito Santo à Bahia. Para completar, qualquer ganho substancial só virá mesmo em quatro, cinco anos, quando as primeiras províncias petrolíferas de região começarão a produzir para valer.
Não há necessidade, assim, de tanta pressa em algumas definições. Mas, inegável, o presidente Lula é mestre em fazer muito barulho por nada. Ou por muita coisa.
O petróleo é nosso II
O barulho antecipado do governo em torno da exploração do pré-sal teria razões, digamos assim, bem mais terrenas (e político-eleitorais) :
1. O presidente quer passar à história como o homem que devolveu ao povo brasileiro a soberania sobre os seus bens naturais. Não será de estranhar se campanhas parecidas surgirem em relação a outros minerais.
2. Lula não pretende deixar para os governos futuros a utilização dos recursos financeiros que a exploração do petróleo no pré-sal renderá. A idéia é antecipar receitas e o Fundo Soberano do Brasil (FSB) nasceu para isto mesmo. É gastar por conta.
É um mote poderoso para a campanha eleitoral em curso e extraordinário tonificante para projetos políticos no futuro. Ainda mais que a idéia é aplicar os recursos basicamente em programas educacionais e dividir os royalties do petróleo para o país inteiro e não deixá-lo, apenas, como agora, com os Estados e municípios onde ocorre a exploração.
O petróleo é nosso III
Um pouco de história para meditação dos governistas. Getúlio Vargas, patrocinador da campanha que culminou na criação da Petrobras, era um ardoroso defensor do monopólio estatal do petróleo. Mas sabia que não tinha força política suficiente no Congresso para aprovar tal mecanismo. Por isso, não incluiu a instituição do monopólio no projeto que mandou ao Congresso. A UDN, partido de formação profundamente liberal, portanto avessa a qualquer tipo de estatismo, e que combatia o presidente e ex-ditador com uma virulência inusitada, mordeu a isca. O mineiro Bilac Pinto, da bancada de brilhantes juristas que o udenismo arrebanhou (virou anos mais tarde ministro do STF), foi o autor da emenda instituindo o monopólio estatal entregue à Petrobras. Vargas agradeceu !
Petróleo é nosso : o lado econômico
Todo governo ou parlamento tem o direito de alterar uma lei para atender ao interesse público. Inclusive em detrimento dos interesses privados. Todavia, o que está a ocorrer no atual processo de alteração da Lei de Petróleo não é exatamente isso. Há questões muito importantes que precisam ser respondidas de forma a sabermos claramente onde está o interesse público e o interesse privado. Vejamos :
1) Por que a lei precisa de alteração se o Estado já tem todas as salvaguardas para que os interesses nacionais sejam preservados perante dos interesses privados ?
2) Por que não fortalecer as agências reguladoras no sentido de lhes dar maior poder de fiscalização e, até mesmo de regulação, de forma a que não se criem "camisas-de-força" regulamentares num mercado com tantas transformações conjunturais e estruturais;
3) O Brasil precisará de algo como US$ 600 bilhões, valor estimado próximo ao PIB brasileiro, para extrair o petróleo das reservas pré-sal. A nova Lei de Petróleo facilitará a atração de recursos para tais projetos ? De que forma ?
4) Não estaria a nova lei sendo alterada no exato momento em que os preços do petróleo são muito favoráveis no mercado internacional ? A nova lei é boa, mesmo se os preços despencarem ?
5) Os investimentos de prospecção realizados pela Petrobrás para a localização destas reservas oneraram não somente a União (principal acionista da empresa), mas também os acionistas de mercado (não-controladores). Como tais investimentos serão remunerados se os benefícios não serão da empresa ?
6) A nova lei levará em consideração os vastos interesses da Petrobras ao redor do mundo ? O Brasil não será visto como um país protecionista ?
7) Como ficará a adoção da nova lei perante os interesses do Brasil em relação à liberalização dos mercados ? Não seria esta uma "moeda de troca" em outras negociações ?
8) Como ficarão os antigos contratos ? A simples discussão da nova lei não cria instabilidades nos investimentos atuais ?
Guru das finanças investe na Petrobras
Em meio a todas as tensões provocadas pelas possíveis alterações na Lei de Petróleo, o investidor e guru das finanças globais George Soros comprou US$ 811 milhões em ações da Petrobras o que representa cerca de 22% do patrimônio do fundo Soros Fund Management. Ele está de olho é no petróleo nosso...
A voz do outro Guru
Declarações do ex-presidente do Banco Central dos EUA, Alan Greenspan indicam que ele está muito insatisfeito com a solução que o governo republicano de Bush Jr. está a propor para as (quebradas) agências governamentais de crédito imobiliário Fred Mac e Fannie Mae. Segundo ele, o governo americano está injetando recursos num sistema superado, sobretudo por ser estatal. Para ele, há saídas de mercado muito mais interessantes para a viabilização do financiamento para a casa própria da América. Há duas questões que não param de ser comentadas dos corredores do Congresso norte-americano : a primeira é como fazer mudanças estruturais em meio a uma emergência de liquidez do sistema financeiro ? Não há tempo e mudanças radicais requerem tempo. A segunda, diz respeito ao próprio Greenspan que é acusado de ter mantido por longo período a taxa de juros baixa o que viabilizou a ampla especulação no mercado imobiliário. A estrela do guru de 82 anos já não brilha tanto quanto há dois anos...
Para que uma CPI dessas ?
Vale a pergunta diante do comportamento da maioria dos parlamentares no depoimento do banqueiro Daniel Dantas quarta-feira passada na CPI dos Grampos. Por inapetência, despreparo ou por medo, os parlamentares presentes abdicaram da obrigação de exercer a sua mais comezinha obrigação : inquirir com eficiência um cidadão suspeito de estar envolvido em um caminhão de negócios irregulares, privados simplesmente ou com o poder público. Foram perguntas óbvias, quase reverenciais - e quase nenhuma contestação às fantasias que o dono do Opportunity foi construindo. Dantas ficou livre assim para distribuir alertas e ameaças em todas as direções. Está ficando cada vez mais evidente que, nem no governo, nem na oposição, nem a esquerda nem a direita, têm muito interesse em aprofundar o veio de negócios irregulares levantados pela Operação Satiagraha, por mais equívocos que as investigações iniciais tenham cometido.
Amigos, amigos, negócios...
Os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves, embora do partido que faz mais oposição ao PT, têm mantido um excelente nível de convivência com o presidente Lula. Questão de civilidade política e de interesses administrativos. Aécio chega às vezes até a flertar com a possibilidade de um apoio do presidente às suas pretensões ao Palácio do Planalto. Com o correr da sucessão municipal - para os três (Lula, Serra e Aécio) uma preliminar de 2010 - o mineiro e o paulista perceberam que Lula não é de perenizar os rios alheios. Até o território de Dilma está sendo irrigado para no futuro fortalecer a musculatura política do presidente. Assim, o paulista e o mineiro decidiram começar a bater feio no PAC, o programa com o qual Lula espera pavimentar a vitória de suas forças em outubro e criar as condições para uma apoteose em 2010, seja quem venha a ser o candidato apoiado por ele. Serra e Aécio tentam mostrar que Lula, como em várias outras ocasiões, faz a festa com o chapéu alheio e vende mais fantasia que realidade. Atingindo o PAC, eles esperam atingir também a mãe do PAC, a ministra Dilma Roussef, no momento a principal concorrente que eles vêem despontar no governismo.
De Aécio:
"Até aqui não passa de um programa marqueteiro. Rode por Minas. Tente encontrar alguma obra de vulto financiada pelo PAC. Não encontrará."
De Serra:
"É puro trololó (...) O grosso são investimentos de Estados e municípios. Por exemplo, em habitação na Baixada vamos investir R$ 2,6 bilhões; R$ 1,8 vão ser do governo do Estado. Ao invés de o governo federal fazer uma coisa separada, ele entra nas coisas que o Estado e os municípios estão fazendo e dá uma ajuda, a ajuda é importante, eu não estou menosprezando não, mas também não é tudo aquilo."
E por falar nela...
Preste atenção, leitor, na desenvoltura política da ministra-chefe da Casa Civil. Está mais solta, mais confiante. Já até admite publicamente estar preparada para ocupar o lugar que hoje está com Lula. E o PT, sem mais o que fazer, rendeu-se definitivamente ao desejo do presidente. O prestígio popular de Lula fez uma parte para converter os renitentes. A outra se deve ao instinto de sobrevivência.
O certo e o errado
O presidente Lula disse, em Pequim, que os dois estão certos, referindo-se, obviamente, às defesas que eles fazem de suas políticas antiinflacionárias. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, já reafirmou, mais de uma dezena de vezes que a instituição persegue trazer a inflação para o centro da meta estabelecida pelo CMN, de 4,5% em 2009. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse numa reunião com os empresários que inflação de 4,5% somente em 2010; em 2009 ela ficará em 5%, previsão também dos analistas do mercado financeiro que o BC consulta semanalmente. Como tanto Meirelles quanto Mantega têm razão para Lula, quem tem mais razão, no caso ?
A nova classe média
Escreve o leitor Pedro John Meinrath a respeito de nota da coluna anterior : "Pela matéria está forte o pensamento que estamos num ponto de inflexão da economia, com mudanças relevantes no câmbio, commodities e ações. Temas propostos para uma próxima edição do 'na real' : pesquisas da FGV, IBGE e outros apresentam uma nova classe média no Brasil e outros emergentes. Pergunta-se : (1) Esta emergência no Brasil deve ser creditada a política e economia do governo Lula ? (2) Caso positivo como o fenômeno poderá afetar as eleições de 2008 e 2010 ? (3) E como a inflexão da economia afetará essa 'nova classe média' brasileira ?"
Entendemos que: (1) É mérito não apenas da política econômica de Lula, mas de um processo longo, que vem da estabilização econômica trazida pelo real e até de um pouco antes. (2) Afetará de alguma forma, mas não fortemente. A nova classe média resulta de uma ascensão econômica de classes. Todavia, ainda não houve uma ascensão social e cultural, portanto não há alteração nos conceitos políticos de quem ascendeu. Além do mais, são eleitores que já eram majoritariamente governistas. (3) A inflexão da economia se for para baixo e muito forte afetará sem dúvida parte dessa nova classe média - poderá haver uma grande regressão ao estrato anterior. Vale dizer que este não é o cenário mais provável.
Crédito alavanca setores importantes
Chamaram a atenção dos analistas de plantão alguns dos números de vendas do comércio varejista do primeiro semestre do ano. Os maiores aumentos de vendas no semestre passado foram nos segmentos de materiais para escritório, informática e comunicação (+30,9%), veículos e motos, partes e peças (+22,3%) e, também, os móveis e eletrodomésticos (+18,5%). O aumento das vendas como um todo foi da ordem de 10,6% no semestre. Como se pode verificar, o crescimento se deslocou para setores de bens de consumo duráveis nos quais o efeito da disponibilidade de crédito é vital. Este processo deve prosseguir a despeito da crise externa e, na eventual retomada de um crescimento mais forte, deve se acentuar.
Eurolândia : baixo crescimento econômico
Aviso aos navegantes e viajantes : o crescimento negativo de 0,2% no segundo trimestre do ano nos países que adotam o euro como moeda corrente foi o pior desde o lançamento da moeda em 1999. De outro lado, a inflação de 4% em termos anualizados põe uma luz amarela na frente dos investidores da moeda européia. O momento indica que as previsões de uma alta mais aguda do euro frente ao dólar norte-americano não estão fundamentadas nos indicadores econômicos. O movimento das moedas sempre é o mais difícil de ser previsto quando comparado com as expectativas em relação ao mercado acionário e às commodities. Todavia, tudo evidencia que a hora e a vez é do dólar...
Emergentes versus EUA
Números até quinta passada (em termos de dólares) : enquanto o S&P500, principal indicador do mercado acionário americano caiu "somente" 12% neste ano, o Brasil caiu 15%, a Rússia 20%, a Índia mais de 20% e a China 54%. A razão é simples : muitos investidores acreditam na queda sistemática das commodities e nos efeitos deste processo sobre a atividade econômica dos países emergentes. Assim sendo, é hora de pular fora !
Banco Central chinês está preocupado
Na última sexta-feira o BC chinês emitiu sinais de que está muito preocupado com a saída de recursos externos do país e dos emergentes em geral. Segundo o Relatório de Política Monetária, a autoridade monetária chinesa deverá aumentar o monitoramento do fluxo de capitais dado que "a volatilidade financeira global também vai impactar o funcionamento estável do sistema financeiro chinês". O problema deste cenário é que o sistema financeiro chinês é pouco transparente, há excesso de crédito no sistema e uma probabilidade altíssima de existência de volumosos recursos de créditos "podres". Se os problemas de crédito nos EUA são críticos, na China pode se tratar de uma hecatombe...
Contraponto
Enquanto muitos investidores especializados começam a comprar enormes posições no setor financeiro norte-americano, os analistas de investimento de Wall Street estão recomendando sair destas posições. A queda de rentabilidade propiciada pelas parcas comissões e tarifas que os bancos auferirão neste ano e a fragilização dos balanços em função da crise de crédito atual são as causas destas recomendações. Os investidores tentam operar o futuro e os analistas estão a se debruçar sobre o presente. Uma situação conhecida.
Argentina : a República perdida I
A nossa vizinha Argentina é um país magnífico. Suas riquezas naturais são visíveis e as que têm maior uso econômico na América do Sul. Da vasta área de agricultura até a produção de petróleo tudo é exuberante. As ruas de Buenos Aires estão invadidas de brasileiros. Quase todos portando sacolas de compras e gastando muito nos excelentes restaurantes portenhos. Palermo Viejo é o cenário que junta os barulhentos brasileiros e os mal humorados lojistas... Sinal dos tempos. O peso está desvalorizado e a crise política gritante. Novamente a Argentina se defronta com um cenário de possibilidades amplas : do populismo ao radicalismo tudo pode ocorrer nos próximos anos.
Argentina: a República perdida II
A inflação é galopante. Há quem a estime em 30% ao ano. O macarrão subiu 100% em seis meses, o frango 27%, o cimento 20%, os produtos de construção civil mais de 30% e assim vai... O governo de Cristina Kirchner manipula a inflação e há uma severa desconfiança dos investidores dado que uma substancial parcela da dívida interna é indexada à inflação. O governo está enfraquecido, sobretudo depois da última derrota no Congresso na votação das medidas tributárias contra o poderoso setor rural argentino que tem aumentado os preços domésticos no ritmo das cotações internacionais das commodities. O governo perdeu por um voto ! Do presidente do Senado Julio Cobos que também é Vice-Presidente. As chances de um novo calote da dívida interna (e externa, talvez) são muito grandes, sobretudo no médio prazo. O governo expandiu os gastos públicos na proporção do aumento do PIB. Resultado : com a contração econômica atual, não existem condições de aumentar a poupança do setor público. Afinal, o apoio político está bem escasso e a população cada vez mais tensionada.
E o Brasil?
Há pouca chance de o Brasil ser muito afetado pela crise argentina. Ao se tornar investment grade o país se blindou contra grandes variações de humor dos investidores. Mesmo assim, não estamos imunes. Maiores tensões em relação à crise de crédito de nossa vizinha sempre hão de ter repercussão pelos nossos lados. O maior problema é o MERCOSUL que ainda é um acordo econômico limitado comparado com as possibilidades de ambas as nações. De toda forma, não devemos ter dúvidas : a Argentina está na pauta. Infelizmente, uma pauta recorrente e negativa de problemas políticos e econômicos.