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Enigma e paradigma

terça-feira, 27 de julho de 2004

Atualizado em 26 de julho de 2004 11:50

Francisco Petros*


Enigma e paradigma


Nos últimos meses, temos publicado diversos artigos que versam sobre aspectos econômicos e financeiros que têm influenciado a evolução da conjuntura internacional e brasileira, bem como os seus efeitos nos diversos segmentos do mercado financeiro. Tais publicações versaram sobre aspectos específicos e visões parciais da realidade econômica que estamos a presenciar diariamente. Gostaríamos de fazer um breve "resumo" de nossas reflexões com o objetivo de estruturar um "quadro" para os nossos leitores:

Atividade econômica e política monetária dos EUA: no depoimento semestral perante o Congresso, o Presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, confirmou que, independentemente dos efeitos mais imediatos que a elevação da taxa básica de juros possa provocar, o Banco Central dos EUA buscará atingir uma taxa de juros "neutra" que não coloque em risco o crescimento econômico e a estabilidade de preços no longo prazo. É difícil prever qual será a taxa básica "neutra", bem como o ritmo de crescimento de longo prazo da maior economia global. Vale lembrar que nunca na história econômica norte-americana o endividamento relativo das famílias em relação à renda que obtêm e o patrimônio que possuem foi tão elevada;

Déficits "gêmeos" (externo e fiscal) do EUA: as propostas dos dois candidatos à presidência dos EUA não são claras em relação ao tema. Ao contrário: com as pesquisas mostrando um "empate técnico" entre Kerry e Bush, os economistas de cada uma das equipes dos respectivos programas de governo democrata e republicano procuram "obscurecer" o que poderá ser feito em relação ao perigoso déficit fiscal e ao desequilíbrio externo. Todavia, algo será feito - tais déficits estão entre 4,5% e 5,0% do Produto Interno Bruto (PIB) - e é provável um aumento dos impostos para cobrir o "rombo" fiscal, inclusive em função dos gastos de seguridade social (previdência e médica). Quanto ao déficit externo, Quem se arrisca a dizer como se comportará o império?

Desaceleração econômica da China: muito se comenta sobre a economia do gigante asiático, mas uma coisa é certa: um crescimento anual entre 8% e 10%, durante mais de uma década, exige uma enorme absorção de poupança (interna e externa) e provoca desequilíbrios estruturais na economia. O Brasil vivenciou esta conjuntura no final da década dos 60 e início da década dos 70. O futuro da economia chinesa é um enorme enigma a ser decifrado nos próximos anos. Os dados disponíveis mostram um quadro de aparente tranqüilidade. Quem os fornece? O governo comunista chinês. Quem os apura? O governo comunista chinês. Quem torce para que tudo esteja certo? O mundo inteiro!

Riscos geopolíticos: aqueles que imaginavam que a queda do Muro de Berlim criaria uma nova ordem mundial, a partir da hegemonia dos EUA, estão assistindo a uma desordem mundial. O "concerto das nações" - historicamente promovido e liderado pelo império dominante - necessita rapidamente de um "conserto". Os EUA, pela primeira vez na sua história, praticam uma política externa unilateral. No passado, ou foram isolacionistas ou multilateralistas. Sob Bush Jr. tornou-se unilateralista. Não há uma Pax Americana a servir de respaldo para tal política externa. Neste contexto, o terrorismo surge como uma ameaça real e imprevisível e sem uma articulação política forte a combatê-lo. Um dos seus efeitos é alta das cotações do barril de petróleo (atualmente ao redor de US$ 40);

Política e economia brasileira: num ano eleitoral, mesmo que seja de votações municipais, o debate sobre a sustentação da política econômica está aceso e aberto. Tais discussões gravitam em torno da possibilidade da equação ser uma verdade ou um engano (ou será auto-engano?): "metas de inflação com juros de mais de 10% ao ano, descontando-se a inflação + alto nível de tributação (38% do PIB) + alto endividamento público (78% do PIB em termos brutos e 57% em termos líquidos) + ausência de reformas profundas + apoio político instável ao governo no Congresso = a crescimento econômico sustentado". A vitória eleitoral do Partido dos Trabalhadores (PT) em 2002 não implicou em mudanças na execução desta equação, mas no aprofundamento do modelo anterior. Os resultados são fracos e as perspectivas incertas O FMI sanciona esta política, mas a reunião dos críticos dela, está aumentando.

Estes são apenas alguns dos principais aspectos presentes no mercado financeiro e nos debates econômicos e políticos ao redor do globo. A conclusão sobre os efeitos que tais variáveis provocarão nos diversos segmentos do mercado financeiro continua bastante difícil de ser enunciada. Insisto, mais uma vez, em expor este quadro abstrato (e paradoxalmente real) perante os olhos dos leitores para que possam perceber os desafios que estão diante de nós. Não hesito em afirmar que se trata de uma conjuntura que não é vista desde o final da II Guerra Mundial. O que parece provável é que teremos mudanças muito importantes e profundas no mundo e no Brasil. Um novo paradigma a partir do atual enigma.
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* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro.

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