Francisco Petros*
O Dia do Trabalho
"Recomendar aos pobres que sejam econômicos é ao mesmo tempo grotesco e insultante. É o mesmo que aconselhar a um homem que está morrendo de fome a comer menos". (Oscar Wilde)
No próximo sábado comemoraremos o Dia do Trabalho no Brasil e na maioria dos países do mundo. No caso de nosso país, esta data deveria ser uma excelente oportunidade para uma reflexão sobre o atual momento da economia brasileira e a inserção do país no cenário internacional. Não sei se realizaremos esta reflexão.
Dados recentes do relatório World Economic Outlook (WEO) produzido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) indicam que o crescimento mundial neste ano deve atingir 4,5% e, no segmento dos países emergentes, o crescimento deve se situar acima do patamar de 6%. O Brasil, segundo este relatório, deve crescer 3,4%, pouco mais da metade dos países emergentes e 1% menos que os países desenvolvidos. Dentre os países emergentes, o destaque deve ser a China com uma taxa de crescimento acima de 8% e a Índia que crescerá ao redor de 7%. A palidez do crescimento brasileiro está diretamente relacionada com o fato de que o país está submetido a um processo de forte restrição fiscal e externa que impõe reduzido consumo interno, elevada tributação, falta de investimentos públicos e privados e uma política de juros fortemente associada ao denominado "risco-país". Além da política de metas de inflação de duvidosa elaboração teórica e prática.
O Brasil completará no próximo ano duas décadas de estagnação. O Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu nos últimos vinte anos a uma taxa média de 2,7% ao ano, cerca de 1,1% em termos per capita (descontando-se o crescimento populacional). Desde o lançamento do Plano Real em 1994, o crescimento per capita foi de 0,7% ao ano. Os indicadores são sofríveis e os efeitos sobre o mercado de trabalho extremamente significativos e perversos.
Atualmente, existem cerca de dois milhões de desempregados na região metropolitana de São Paulo, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Ecônomicos (DIEESE), no mês de março, o desemprego em São Paulo (região mais desenvolvida do país) atingiu mais de 20% da População Economicamente Ativa (PEA). Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dos últimos meses, descontando-se os efeitos sazonais, indicam uma taxa de desemprego ao redor de 12%-13% da PEA.
No que diz respeito à recuperação do poder de compra dos trabalhadores a situação também é muito preocupante. Segundo o DIEESE que realizou uma pesquisa nacional referente ao ano de 2003, 58% das negociações salariais (um total de 556) foram concluídas com reajustes inferiores à variação do INPC - Índice Nacional de Preços ao Consumidor. Portanto, somente 42% de tais negociações repuseram o poder de compra dos salários. Este é o pior resultado desde 1996 quando a pesquisa começou a ser realizada. Das 556 negociações salariais, 79 (14,2% do total) conseguiram um aumento superior a 1% da variação do INPC. Somente 3 negociações (0,5% do total) resultaram em aumento de salários superiores a 5% da variação do INPC; 166 das negociações (29,9% do total) resultaram em variações negativas em mais 3% em relação ao INPC. Cerca de 28% dos aumentos salariais foram parcelados - no ano anterior isto somente ocorreu em 5,6% dos casos.
Isso significa que a recuperação do consumo será muito mais lenta que o esperado e terá efeitos danosos sobre o crescimento da economia neste ano e no próximo. É muito provável que as previsões do governo e do FMI para o crescimento do PIB neste ano não sejam atingidas. É mais provável um crescimento entre 2,0% e 2,5% em 2004. Quase metade do crescimento dos países mais desenvolvidos e aproximadamente 1/3 do crescimento dos países emergentes. Politicamente, este é um processo muito perigoso de vez que abre uma oportunidade excepcional para políticas e políticos populistas e oportunistas (sobre isso escreveremos em breve).
Os segmentos econômicos que estão aumentando as vagas para os trabalhadores são aqueles que estão relacionados com o aumento das exportações. Mesmo assim, nestes segmentos a taxa de produtividade é crescente o que significa que a taxa de emprego e os reajustes salariais crescem a uma taxa inferior ao crescimento da produção. Mesmo no setor financeiro, abarrotado de altos lucros nos últimos anos, a taxa de emprego está caindo e a reposição salarial é inferior à taxa de inflação. O Brasil tem hoje um dos setores financeiros mais produtivos e lucrativos em termos mundiais, apesar do baixíssimo crescimento.
Os efeitos da dinâmica do mercado de trabalho são danosos e estão à vista de todos nós inclusive do ponto de vista da psicologia social. O aumento da desesperança, do consumo de álcool e das drogas, a escalada galopante da criminalidade, a aceitação das condições do subemprego e a associação da falta de emprego e o crime organizado. Há ainda o pleno funcionamento dos "mecanismos de opressão" das pessoas nas corporações e empresas que sob a ameaça do desemprego sujeitam-se a tarefas que não têm relação com seus respectivos cargos, a prestação de horas-extras de trabalho sem remuneração, tempo mais reduzido para as suas refeições e assim vai. Chefes de departamento e diretores de empresas são parte ativa deste processo. Suas cabeças também estão a prêmio.
É provável que uma reforma trabalhista no Brasil seja ainda mais desfavorável ao segmento do trabalho. China e Índia estão "roubando" empregos de países ricos e, até mesmo, de países subdesenvolvidos como é o caso do México - ano passado este país perdeu cerca de 200 mil empregos industriais para países do sudeste asiático. A restrição de direitos dos trabalhadores nestes países (que tornam altíssimas as taxas de produtividade de suas economias) é uma ameaça aos avanços sociais conquistados pelos trabalhadores em diversas partes do mundo. Resultado do processo de globalização. Vale lembrar que a China vive sob uma sangrenta e opressiva ditadura e na Índia prevalece um complexo sistema de castas. Este tema - a "exportação de empregos" - também é muito discutido pelos dois candidatos à presidência dos EUA, o republicano George W. Bush e o democrata John F. Kerry.
Até agora, não existe nenhuma prática econômica, nenhuma construção teórica ou mesmo uma ideologia que dê respostas claras e eficazes sobre os caminhos que o capitalismo tomará em relação ao mercado de trabalho. Por enquanto, há apenas os protestos de uns poucos em reuniões semestrais ou anuais, do FMI e do Banco Mundial, da Organização Mundial do Comércio (OMC) ou do World Economic Forum, este último realizado na gélida cidade de Davos. São protestos fracamente articulados, mesmo que muito barulhentos, que produzem efeitos facilmente negligenciados pelos líderes políticos e empresariais ao redor do mundo.
No Brasil, as comemorações do Dia do Trabalho simbolizam de forma clara a situação frágil do setor sindical e a falta de uma nova via de pensamento para articular Capital e Trabalho e criar condições favoráveis e efetivas para que o Brasil possa dar uma arrancada desenvolvimentista.
Em São Paulo, o principal evento que comemorará o Dia do Trabalho será na imponente Avenida Paulista e deve atrair milhares (talvez mais de um milhão) de pessoas. Não sei quantas destas estão desempregadas. Entretanto, elas terão a oportunidade de manear os seus corpos ao som elétrico de Gilberto Gil e Ivete Sangalo, outros cantores populares e músicos. Enquanto isso, na segunda-feira, outros postos de trabalho também estarão a manear entre salários com menor poder de compra e possíveis demissões. Acho que não veremos algo além disso.
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* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo).
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