A soma de Política com Economia
terça-feira, 20 de abril de 2004
Atualizado às 08:20
Francisco Petros*
A soma de Política com Economia
Economia e Política não podem ser "separadas" no que se refere à macroeconomia. O nome clássico da ciência econômica era "Economia Política". Este nome caiu em desuso, pois era associada aos estudos econômicos de Karl Marx. Como sabemos, a crítica "política" de Marx engendrou-se a partir da utilização de um método (dialética) para observar um fenômeno (econômico) e, a partir daí, construiu-se uma teoria política (o socialismo). O "fenômeno econômico" foi descrito anteriormente pelos liberais ingleses, especialmente Adam Smith e David Ricardo. Criou-se a teoria do "Valor Trabalho" que explicou o sistema de formação de preços, mas não a extensão deste sistema: o lucro.
Karl Marx apontou o seu olhar crítico para o aspecto crucial do liberalismo inglês e explicou a criação do "valor" (lucro) por meio de uma construção rigorosa do ponto de vista científico, a chamada "mais-valia". Para destruir a "mais-valia" a solução era política: destruir o próprio capitalismo. Os liberais ingleses posteriores a Ricardo e Smith, especialmente Alfred Marshall, "fugiram" da construção anterior dos dois teóricos ingleses e desenvolveram a "teoria marginal do valor" e, a partir de então, houve sempre uma preocupação em dissociar o termo "Economia Política" dos estudos econômicos dos liberais. "Fugiram" da denominação "Economia Política", como o diabo foge da cruz.
Conto a história acima apenas para chamar à atenção de nossos leitores para certas "análises econômicas" cheias de "ciência" que na realidade não passam de "sombras platônicas" da realidade. Há um desprezo da Política como parte essencial da observação dos fatos econômicos. Há algo pior: os economistas se julgam realmente capazes de fazer projeções baseadas em modelos científicos. E não pecam pela modéstia. Vendem uma idéia como se fosse a plenitude da sabedoria humana. Por exemplo, não faltam previsões sobre taxas de câmbio no mercado. É fato que não existe nenhum modelo que seja capaz de prever com razoável precisão taxas flutuantes de câmbio. Entretanto, sobram previsões! Há ainda economistas que abusam das regressões estatísticas para serem categóricos e afirmarem como a atividade econômica está se desenvolvendo.
Há pouco mais de dois meses, os economistas (especialmente os do mercado financeiro) comentavam sobre a "forte" recuperação da atividade econômica desde o final do ano passado. O crescimento do PIB era previsto como "no mínimo" de 3,5% para este ano e para o ano que vem. A divulgação da Pesquisa sobre Produção Industrial do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do mês de fevereiro mostrou que a taxa de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) na comparação dos últimos 12 meses em relação aos 12 meses anteriores está se desacelerando em 21 dos 26 setores pesquisados. Ou seja, a taxa de crescimento do PIB em 2004 é bastante incerta, possivelmente será um "fenômeno estatístico" - devido à base de comparação com o fraco período anterior, não-sustentado e sem uma expansão substantiva da base produtiva. Não há recuperação da renda, não há confiança dos investidores e assim por diante. Enfim, não há nenhuma evidência definitiva de que estamos numa rota de recuperação da atividade econômica. Nas palavras de Lord Keynes não há sinais de que o animal spirit dos agentes econômicos esteja sendo despertado. Ao contrário.
E por que os fatos não estão confirmando as previsões? De forma bastante singela eu diria que a principal motivação para tal é que a "Política" vai mal. Há uma incompatibilidade objetiva entre as necessidades do país e o projeto e a execução de uma política econômica que resulte em desenvolvimento para o país. As reformas econômicas estão paralisadas e as que foram executadas são insuficientes - é o caso da reforma da previdência social. O Congresso não consegue sequer votar Medidas Provisórias (MPs) devido às divergências da "base aliada". Depois do "Caso Waldomiro Diniz", as bancadas de deputados e senadores se sentem "credoras" de favores e cargos do Governo e discutem isso abertamente na imprensa. O Governo parece perdido em administrar os conflitos sociais, tais como as inquietantes invasões urbanas e rurais do Movimento dos Sem-Terra (MST). A "solidez" da política fiscal está sendo testada pelos aumentos substantivos a certas categorias do serviço público. Abriu-se em todo o setor público uma imensa lista de demandas. Com a popularidade em queda, a eficiência das "metáforas presidenciais" como instrumento de catalisação das expectativas tornou-se duvidosa e já se registra um Presidente mais nervoso com a "falta de sensibilidade política" de ministros e presidentes de estatais em relação às demandas de deputados e senadores.
O Ministro Antonio Palocci parece mais à vontade abraçando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso do que com os seus companheiros do Partido dos Trabalhadores (PT) explicando a sua política econômica. (Aliás, o Secretário-Geral do PT Sílvio Pereira fez, neste último fim de semana, uma declaração não somente de apoio, mas de "amor" à atual política econômica. Vejam: "Não adianta brigar. O modelo econômico é esse e não mudará. Para o bem ou para o mal, vamos com esse mesmo até o fim").
Poderíamos seguir com muitos exemplos que mostram um governo sem projeto e, portanto, um país sem destino. Os economistas persistem com uma incapacidade infindável de fazer previsões. Todavia, as suas planilhas começam a mostrar resultados piores quando comparados com os de poucas semanas atrás. OK!, O cenário internacional também piorou - fato este que já comentamos neste espaço há duas semanas. Contudo, a "essência" das divergências entre as projeções anteriores e as atuais se deve à falta de uma observação mais nítida e dedicada sobre a natureza política do governo, dos agentes sociais e os seus efeitos sobre o andamento da economia. Talvez seja uma boa hora de se somar no processo de análise "economia" e "política", preocupando-se mais com o processo analítico do que com resultados de projeções "objetivas" para os indicadores econômicos. O momento do Brasil é mais delicado que parece. É mais político que econômico."
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* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo).
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