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Entre a esperança e o medo

terça-feira, 6 de abril de 2004

Atualizado em 5 de abril de 2004 17:31

Francisco Petros*


Entre a esperança e o medo

Estamos diante de um dos mais desafiadores momentos para os analistas do mercado financeiro internacional. Temos uma mistura intrigante de fundamentos econômicos e políticos que colocam uma perspectiva absolutamente incerta sobre o andamento do cenário no mercado internacional.


Na última sexta-feira foram divulgados os números de emprego dos EUA. Foram criadas no mês de março 308 mil vagas de trabalho, segundo o Labor Board of Statistics (LBS). Trata-se do número mais alto desde o auge da "bolha de tecnologia" em abril de 2000. Os economistas previam um número entre 108 mil e 125 mil novas vagas de trabalho - eles sempre erram! Paradoxalmente, a taxa de desemprego subiu para 5,7% em março (5,6% em fevereiro). A taxa "natural" de desemprego na economia norte-americana, a plena capacidade, é estimada em 4,0%, o que significa que nos próximos dois anos, a criação de novas vagas deveria gravitar ao redor de 200 mil/mês. A média dos últimos três meses é de 171 mil novas vagas criadas. Entretanto, o número espetacular do mês de março teve influência fundamental no cálculo desta média.


O tema do desemprego é o mais importante na disputa eleitoral entre democratas e republicanos neste ano. Bush aplicou uma receita arriscada para retomar a atividade econômica dos EUA depois do "estouro da bolha" em 2000. Reduziu a taxa de impostos (principalmente para as classes sociais mais abastadas), aumentou os gastos públicos (especialmente no setor bélico) e, em conjunção com o Federal Reserve, o Banco Central dos EUA, estimulou a depreciação do dólar frente às principais moedas internacionais para estimular as exportações. O Federal Reserve está praticando a taxa de juros básica mais baixa desde o final dos anos 40. Uma considerável recuperação econômica ocorreu no último ano (+3%) e deve prosseguir este ano (projeção de +4%). Contudo, não houve considerável melhoria do emprego, fator crucial para se verificar a sustentação do crescimento econômico. Cerca de 2/3 do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA é representado pelo consumo dos indivíduos. Emprego e salários são fundamentais, portanto.


Ocorre que Bush também provocou um o maior desequilíbrio fiscal e externo da história econômica. O déficit fiscal é estimado em 5% em 2004 e o déficit externo em mais de US$ 530 bilhões (4,6% do PIB). Ambos estão sendo financiados com a passividade do Federal Reserve que se mostra "paciente" (palavra de Alan Greenspan e sua tropa) com estes desequilíbrios.


Os democratas, liderados por John Kerry, pouco carismático apesar de suas condecorações de herói da guerra do Vietnã, têm insistido em mostrar a irresponsabilidade da estratégia econômica de Bush. O desemprego alto é o argumento mais forte utilizado no proselitismo da campanha. Se os últimos números de emprego se confirmarem ao longo dos próximos meses, os democratas terão de mudar a sua estratégia eleitoral. A situação do Iraque - um desastre geopolítico de proporções ferroviárias - é apenas o quarto item mais importante para o eleitor norte-americano, segundo as pesquisas de opinião. Também não devemos esquecer que Bush tem se utilizado de "políticas" (com "p" bem pequenino) em relação ao eleitorado negro e hispânico, normalmente apoiadores dos democratas.


Para o Brasil, tudo isso é muito relevante. Se a economia dos EUA voltar a crescer de forma relevante, o custo das captações externas do país vai aumentar, pois as taxas de juros de mercado vão subir em função de expectativas crescentes de que o Fed saia da sua posição passiva e comece a aumentar a taxa de juros primária (atualmente em 1% ao ano). De outro lado, suspeita-se que, depois de um período tão longo de expansão monetária, os ativos (ações, títulos de renda fixa, imóveis, etc.) possam estar com valores "inchados". Uma nova "bolha"? Esta se tornou pergunta corriqueira para muitos economistas. Caso os ativos sofram desvalorizações substanciais, num período curto de tempo a "aversão ao risco" se eleva e este é aspecto crítico para um país tão vulnerável quanto o Brasil. Não devemos esquecer que temos uma dívida interna imensa (cerca de 80% do PIB em termos brutos e 58% descontando-se o valor das reservas) e um passivo externo (dívida externa mais investimentos estrangeiros) da ordem de US$ 300 bilhões. A "aversão ao risco" dificulta financiamento e a rolagem das dívidas, um cenário conhecido na última década.


O cenário melhor para o Brasil neste momento é que possamos assistir a uma "acomodação sem grande turbulência" dos preços dos ativos e das taxas de juros dos títulos do Tesouro dos EUA. É um cenário possível, mas a sua probabilidade dependerá muito da evolução da campanha eleitoral nos EUA e das variáveis do próprio "mercado" (endógenas). Talvez seja o caso do Presidente Lula, figura que ganhou proeminência internacional, pedir ao Duda Mendonça que assessore o Senador Jonh Kerry, vendendo a idéia de que a "esperança tem de vencer o medo". Desta feita o slogan se globalizaria. Quem sabe, até poderíamos pagar os custos do Duda. Talvez sejam pequenos em comparação aos custos econômicos de eventuais turbulências na maior economia mundial.
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* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo).







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