Política & Economia NA REAL n° 181
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
Atualizado em 12 de dezembro de 2011 15:47
Da crise aguda à crise crônica I
Não existe nada mais terrível em economia que a crise cambial somada à de crédito. Eis uma combinação demoníaca. As crises cambiais normalmente são agudas e, após certo tempo, tem um desfecho evidente : ou cessam ou provocam o colapso de um modelo. O Brasil cessou sua mais recente crise cambial no governo FHC quando saiu da taxa fixa. Por sua vez, a Argentina entrou em colapso quando extinguiu o seu currency board latino-americano. Eis dois exemplos ilustrativos. Os europeus estão fazendo suas escolhas nestes últimos meses. Neste último fim de semana decidiram ampliar o papel do Banco Central Europeu (BCE) provendo-lhe o papel de "emprestador de última instância". O que isto significa ? Expandir a liquidez e o crédito quando o setor privado não o faz. A despeito da análise de uma enorme parcela da mídia local e internacional, este passo foi relevante. Retirou os europeus do imobilismo, sobretudo a Alemanha e sua líder, as marcas registradas da incompetência para lidar com crises como a atual.
Da crise aguda à crise crônica II
De outro lado, é preciso reconhecer que a possibilidade concreta de que não haja no Velho Continente um colapso de crédito e da moeda, não implicará uma mudança substancial no quadro recessivo de lá. Por duas razões básicas : (i) a "operação" estruturada pela França e Alemanha que resultou num papel mais ativo do BCE do ponto de vista monetário (que permite a assistência de liquidez) prevê uma contenção fiscal de curto, médio e longo prazo. Em outras palavras, o que a dupla Merkel-Sarkozy fez foi pagar o papagaio dos países endividados no banco e depois pedir para que eles vendessem suas roupas para pagá-los. Retiraram demanda futura em troca de recursos no curto prazo. Basta dar uma espiada nos números de emprego do continente para verificar que o pedido franco-alemão vai estimular a recessão e não a atividade econômica. De outro lado, (ii) a dinâmica política da Europa continuará confusa, pois os países em recessão vão se tornar mais instáveis politicamente. Em alguma hora, os "burocratas" que estão instalados em Roma, Madri e Atenas hão de ser contestados pelas hordas de desempregados que rodeiam os parlamentos.
Da crise aguda à crise crônica III
Considerando que o pior já passou em termos de liquidez e que a recessão vai continuar, talvez por muito tempo, forma-se um cenário cheio de paradoxos, no qual haverá um certo otimismo no curto prazo, onde haverá recuperação do valor dos ativos reais e financeiros, das ações aos títulos de crédito privados e públicos, e no médio prazo a velha Europa vai ficar cambaleando em termos de consistência da atividade econômica. Para o Brasil e o mundo, este cenário será mais razoável que o atual e, ao mesmo tempo, não permitirá que a expansão seja muito elevada. Será modesta e consistente com a modéstia das soluções políticas da crise. Assim sendo, 2012 será, a nosso ver, um ano bem melhor que este que se finda, mas será muito distante a mínima ideia da abundância que prevaleceu entre meados dos anos 90 e o final de 2007. Sejamos, portanto, otimistas, mas limitados pela realidade do poder fático da recessão que há de continuar contaminando os negócios e as sociedades dos países centrais e periféricos.
EUA : a demanda mostra-se crescente
Os americanos continuam amargurados, especialmente os mais pobres (que são muitos) daquele império. Todavia, a leitura "técnica" dos números de consumo do país permite que se fale em uma emergente recuperação. A massa salarial mostra-se estabilizada, ou melhor, levemente crescente, as vendas de carros crescem com certa consistência, o consumo de energia está se elevando, as vendas de bens básicos e de não-duráveis cresceu bem (uma surpresa !) e a demanda de crédito melhorou muito. Não à toa, os lucros corporativos estão em bons patamares e as ações estão mais demandadas pelos investidores. A decisão do Fed e do Governo de permitir que a inflação suba é sábia. É deste processo que nasce a recuperação, no melhor estilo de Keynes. É lógico que processos como este geram desequilíbrios, mas governar é uma tarefa que exige escolhas e, no caso, a escolha foi correta : o maior risco é a deflação e o desemprego e é preciso cuidar disso primeiramente. Depois, calçado em suporte político originado das urnas do ano que vem, a sociedade vai demandar novas soluções. Resultado : do nosso ponto de vista os EUA entraram num ciclo positivo, mesmo que inicial, e o melhor sinal de que isso deve ser verdade é que as ações estão em alta e assim deverão permanecer por um bom tempo. Quem viver (ou comprar), verá (ou lucrará).
Brasil : cenário estranho, não é mesmo ?
A estagnação do PIB no terceiro trimestre não é, como disse o ministro da Fazenda Guido Mantega, uma "surpresa". As restrições do crédito, a alta dos juros básicos no final de 2010 e, obviamente, a crise externa, foram fatores de monta para reduzir o consumo por estes lados. Quanto ao investimento, este mantém-se modesto, por razões estruturais, para não dizer "históricas". Neste contexto, a ação do governo ao expandir o crédito (de novo) e reduzir os juros básicos faz todo o sentido. Todavia, convenhamos que a inflação está elevada (6,5%) e a indexação (sim ela existe !) ainda há de mantê-la incômoda em 2012, além de outros fatores sazonais (preços dos serviços, educação e alimentos). Este cenário, portanto, poderia ser simplificadamente denominado de "estagflação". Isto ocorre pelas razões que elencamos logo acima, mas também pela incapacidade da atual administração de estruturar um plano de gestão de investimentos que mova a demanda para cima, sem que se force muito o consumo para o alto. Assim, a inflação poderia ficar contida pela modesta demanda por bens de consumo e a atividade ganharia força por meio dos investimentos em infraestrutura e aumento de produção, com efeitos positivos sobre a produtividade do país. O que não registramos, porém, é uma dinâmica governamental que crie as condições para isso. Em outras palavras : falta consistência na administração da economia e liderança política para criar fatos e gerar expectativas positivas.
Dilma : ministérios, mistérios e ação I
Quando disse que a parada da economia brasileira no terceiro trimestre foi um "serviço" brasileiro, para justificar o argumento de que "nos fizemos e agora podemos" desfazer, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, esqueceu o essencial : o BC desaqueceu a economia até levá-la ao ponto zero, para segurar a inflação, que vinha aquecida pela festa fiscal eleitoral de 2010. Também contribuiu para esse esfriamento o enxugamento dos gastos que Mantega, contrariando seus naturais pendores - e também o de Dilma no passado - passou a promover este ano. Agora, que a dose pareceu excessiva, corre-se para combater o prejuízo. Mas com o agravante de a inflação ter voltado a incomodar. A dúvida é : o governo está com armas totalmente afiadas entre o BC e o ministério da Fazenda ?
Dilma : ministérios, mistérios e ação II
Um dos pontos nevrálgicos desta questão continua sendo a disciplina fiscal do setor público, necessária para que o BC possa cortar os juros e as amarras ao crédito sem medo da persistência da inflação. Pelos dados disponíveis, o propósito - um superávit fiscal de 3,1% do PIB será alcançado. Sem necessidade das mágicas de 2010 que acabaram ajudando a empurrar a inflação de 2011 para perto dos 6,5% do limite superior da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional. Porém, como havia sido apontado aqui neste espaço em outras ocasiões, este superávit, se não teve mágicas, está sendo alcançado de uma forma, digamos, não muito religiosa. Vem especialmente de um crescimento de cerca de 12% reais da arrecadação tributária e de uma substancial redução dos investimentos. Até novembro, os investimentos Federais caíram R$ 16,5 bilhões até novembro em relação ao mesmo período do ano passado. Segundo levantamento do site "Contas Abertas" as inversões Federais caíram em todos os níveis, enquanto as despesas de pessoal e de custeio subiram em termos em relação a 2010. Para reativar a economia até chegar em 2012 a um crescimento próximo de 5%, o governo terá de inverter esse mix de sua política fiscal. Há condições para tal ?
Dilma : ministérios, mistérios e ações III
É nesse ponto que entram as conversas, agora mais em surdina em Brasília, também aqui comentadas, de que a presidente Dilma pretende ir em janeiro um pouco além de uma simples reforma ministerial. Daria um pontapé numa reforma administrativa para reduzir paulatinamente o custo da máquina Federal e liberar recursos para investimentos. Faria parte dessa política as pressões sobre o Congresso para votar um Orçamento - até o dia 22, mais apertado em gastos supérfluos e sem aumentos salariais para servidores públicos nem correção das aposentadorias para quem recebe do INSS acima do salário mínimo. Surgem então novas dúvidas, a seguir.
Dilma : ministérios, mistérios e ação IV
Em ano eleitoral, com uma base ávida e pantagruélica, com seu próprio partido com projetos de expansão nas urnas, parece difícil que a presidente, sem pôr em risco o que aqui se chama falsamente de governabilidade, consiga promover um enxugamento real da máquina que deixe sobras substanciais para aumentar os investimentos do governo. Por isso mesmo, depois de ter alimentado a mídia de informações sobre diminuição do número de ministérios e que tais, os porta-vozes oficiais fecharam-se, tudo começou a virar um mistério. A cada informação nesse sentido, os aliados entravam em pânico e abriam suas panelas de pressão. Há indicações seguras de que até Lula entrou em campo e não foi para incentivar a limpeza.
Dilma : ministérios, mistérios e ação - V
Outro empecilho ao crescimento dos investimentos (tido por bons observadores como responsável também pelo fraco desempenho dos gastos oficiais deste ano) está no modus operandi do governo sob Dilma. Centralizadora, detalhista, de temperamento irascível quando algo não está exatamente como ela quer que esteja, a presidente, diz um observador privilegiado, inibe seus auxiliares. Não há quem se atreva levar para ela propostas mais audaciosas, toca-se, mesmo assim com muito cuidado, o burocrático, o que é sabido e acertado. Os temas - e as opções de gastos - só entram na agenda governamental depois que passam no radar da presidente. Por isso, os planos demoram, os investimentos param e quando os projetos surgem, saem capengas porque são analisados na correria. Esta semana mesmo teremos uma amostra disso : até depois de amanhã, o governo deveria apresentar os detalhes de uma mal chamada "política automotiva", anunciada há mais de três meses quando foi aumentado o IPI dos carros importados. Não sairá mais nesta data. Ou muda Dilma ou fica a economia com uma perna capenga ?
Os oferecidos
Do Padre Antonio Vieira no "Sermão da terceira dominga do Advento" :
"... em todo o reino bem governado não devem os homens pretender os ofícios, senão os ofícios pretender os homens".
Na sua reforma Dilma quase só se depara com multidões de oferecidos.
Pergunta econômica
Permitirá o governo que a taxa de câmbio se valorize novamente com o objetivo de controlar a inflação alta ? É difícil responder a esta pergunta, mesmo porque a formação da taxa cambial é endógena (feita pelo mercado), e muito dependente dos preços externos das commodities e da taxa de juros interna comparada a externa (que é negativa em termos reais, descontando-se a inflação internacional). Há que se notar que, independente de como o governo agirá no curto prazo, a taxa de câmbio atual é estruturalmente insuficiente para viabilizar a competitividade industrial do país. A taxa de câmbio é desindustrializante. Não há produtividade possível que possa generalizadamente ser praticada na economia brasileira, que nos torne um player industrial competitivo frente aos nossos pares, ditos "emergentes", e os países industrializados. A discussão é grande sobre o tema, mas quem está ganhando o jogo é quem mantém a taxa de câmbio desvalorizada. São os casos da China e da Índia.
Radar NA REAL
9/12/11 | TENDÊNCIA | ||
SEGMENTO | Cotação | Curto prazo | Médio Prazo |
Juros ¹ | |||
- Pré-fixados | NA | baixa | baixa |
- Pós-Fixados | NA | baixa | baixa |
Câmbio ² | |||
- EURO | 1,3241 | estável | alta |
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Mercado Acionário | |||
- Ibovespa | 58.236,46 | estável/alta | estável |
- S&P 500 | 1.255,19 | estável/alta | alta |
- NASDAQ | 2.646,85 | estável/alta | alta |
(1) Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais).
(2) Em relação ao dólar norte-americano
NA - Não aplicável
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