Política & Economia NA REAL n° 175
terça-feira, 25 de outubro de 2011
Atualizado em 24 de outubro de 2011 13:04
Cristina Kirchner Argentina : a vitória
A vitória espetacular da presidente argentina, com mais de 53% dos votos, e superior à eleição de Raúl Alfonsín (51%), o primeiro presidente após a ditadura militar instalada em 1976, pode ser considerada "esperada", mas incorpora significados que merecem melhor análise. Vejamos :
1) Cristina Kirchner, enfim, se tornou um animal político completo, dotado de legitimidade formal e simbólica. Não é mais a sombra do marido morto. Ele é sua sombra.
2) O plano de conquista do poder foi construído de forma consistente. Embora os "analistas políticos" prefiram avaliar sua vitória à vista de modelos teóricos e republicanos, a verdade é que Cristina foi pragmática e focou seus esforços políticos dentre aqueles que têm votos e necessidade básicas, os 30% da população que vivem abaixo da linha da miséria.
3) A elite rural argentina persiste com o poder econômico, mas seus interesses maiores estão além das fronteiras. E essa elite não foi capaz de ter a decisiva influência que historicamente teve. Ao contrário, viu-se acuada e sem discurso.
4) Distribuição de renda, depois de tantos anos de concentração, é politicamente mais importante que construção de renda. E consumo crescente pesa mais que investimento, quando o assunto é eleição.
5) Oposição que não tem projetos econômico-sociais inclusivos não consegue se estabelecer perante a opinião pública. Não à toa, o Partido Radical foi quase destruído.
6) Imprensa livre é essencial, mas pouco conta num cenário onde prevalece o populismo.
Rigorosamente estes aspectos não diferem de outros que podem ser coletados em diferentes sociedades para explicar uma vitória tão significativa.
Cristina Kirchner Argentina : os riscos
Não devemos, a despeito da constatação da imensa vitória de Kirchner, relutar em reconhecer os igualmente imensos riscos da vitória política. Vejamos :
1) O fato de Cristina ter se tornado mais, digamos, "independente" de seu marido morto, a tornará mais desprotegida em termos simbólicos e ideológicos. É preciso deixar de ser "a esposa" e passar a ter brilho próprio.
2) Eleitores mais pobres são menos politizados e para mantê-los sob o manto peronista será necessário continuar a atendê-los em suas ambições psicossociais e econômicas. Isto demandará recursos públicos, sabidamente gerados no setor privado. Caso contrário, o desequilíbrio orçamentário resulta em inflação e perda de renda, sobretudo para os mais pobres.
3) A Argentina é um país muito mais subdesenvolvido que o Brasil no que tange à industrialização. Com efeito, o surgimento de novas "elites" depende de planos nos quais o populismo é uma restrição, não uma alavanca.
4) O Estado pode apenas "criar" recursos em regimes inflacionários. O processo de acumulação de capital é condição inerente e essencial para a distribuição da renda. Este dilema intertemporal será cada vez mais urgente à Cristina e seu projeto político.
5) Um país sem oposição crível do ponto de vista intrínseco (ideologia e projetos) e extrínseco (apoio popular) é caminho para o perigoso ambiente de "vazio político" o qual já ocorreu de forma acentuada na história latino-americana e argentina. Assim, a alternativa ao populismo acaba por ser o próprio populismo.
6) A tentativa explícita de Cristina Kirchner de "enquadrar" e restringir a atuação da imprensa (mídia) favorece a um perigoso oficialismo sem fiscalização e sem crítica social. Uma tragédia contra a democracia que retira da própria Cristina sua legitimidade recém-conquistada.
Como se vê, entre os riscos do governo e a constatação da vitória, o pêndulo da análise cai mais para a preocupação que para a comemoração. Some-se a isto o fato de que tudo isso ocorre num ambiente internacional desfavorável às commodities que a Argentina exporta. Triste sina para a República se algo de grave ocorrer lá no sul.
Brasil e Argentina : além da doçura
Cristina Kirchner considerou os cumprimentos pela vitória da presidente Dilma como "doces palavras". Cabe bem à retórica diplomática, doces palavras, quando se tem uma parceira tão importante como a Argentina. Todavia, a presidente brasileira deveria se socorrer aos dados colecionados pelo Itamaraty e pela Fazenda e estabelecer alternativas estratégicas em relação a tão importante parceria. Por dever de ofício, diplomatas e técnicos da Fazenda deveriam perguntar o que ocorreria se algo der muito errado por lá e quais os efeitos aqui. Os sintomas não são nada bons. Toda vez que a Argentina tem uma dificuldade externa e interna, a primeira reação é restringir as vantagens competitivas do Brasil no Mercosul e proteger suas fronteiras nacionais da entrada de produtos nacionais. A Argentina está longe de ser um país inimigo e igualmente distante de ser um país confiável do ponto de vista de suas relações externas. Assim, o interesse em relação à Argentina deve ser de Estado.
Dilma e seu dilemaSe Cristina Kirchner teve um esposo falecido a conformar sua nova estatura política, a presidente Dilma tem um ex-presidente a lhe limitar sua ação, não apenas política, mas administrativa. Infelizmente, no Brasil, ex-presidentes não são apenas "referências políticas". São agentes da ação política. FHC ainda é o maior líder da oposição fruto da ausência de lideranças capazes de arregimentar forças sociais. Lula é um caso ainda mais grave : considera o governo atual como área de manobra para seus óbvios planos políticos. Não precisa a presidente brasileira esgotar os fundamentos da lógica aristotélica para saber disso. Basta atender as ligações telefônicas de Lula. A mudança do ministério do atual governo é o fator político mais simbólico que pode dar à atual ocupante do Planalto a legitimidade que ainda lhe falta e lhe é essencial. Vejamos a continuação da crise nos Esportes.
Orlando resiste
Do ponto de vista stricto sensu, não há mais razão para que o atual ministro dos Esportes permaneça na cadeira. Mais que credibilidade, falta a Orlando Silva condições para implementar políticas públicas. Todavia, as movimentações políticas enquadraram o ministro numa situação na qual ele acaba por (i) catalisar o desejo da classe política em manter o atual status quo da base aliada, (ii) herdar a gratidão do atual governo à fidelidade dos comunistas ao anterior e (iii) não permitir que o lamaçal esportivo acabe por dragar o governador brasiliense Agnelo Queiroz. Há outras razões importantes (Copa do Mundo, por exemplo) que explicariam o emaranhado de interesses na manutenção de Silva, mas estas são paradoxalmente menos importantes, por ora. O que fará Dilma ? Vejamos a próxima nota.
Dilma desiste ?
A presidente sabe que sua popularidade e o capital próprio que arregimentou decorrem da chamada "limpeza ética" que tenta promover na Esplanada. Ora, tomado este fato como premissa, a presidente não poderia hesitar em assinar a demissão de Orlando Silva. O problema é que, ao contrário de outros demitidos, o atual ocupante dos Esportes e seu minúsculo PC do B são capazes de mexer com os pilares do PT. Sabe-se que a presidente não é muito querida do partido de Lula, e isso pode se transformar em mais um agravante para a condução do governo e a relação com o petismo. Com este tipo de equação política a vigorar nos arredores do Planalto, Dilma vê-se mais constrangida. Ainda mais quando se liga a TV e vê-se o desfile de discursos dos comunistas cerrando fileiras em torno de Orlando Silva. A despeito de tudo isso, a presidente terá de agir e tentar sair desta com uma feição cada vez mais própria ou ceder à permanência da condição de "herdeira de Lula". Não há ação sem custo para Dilma.
Panamericano : fatos à tona, personagens à deriva
Por diversas vezes nesta coluna chamamos a atenção de nossos leitores para os estranhos fatos que marcaram a compra do Banco Panamericano pela CEF. Agora, sabe-se que o surpreendente prejuízo de mais de R$ 4,3 bi - muito além dos R$ 2,5 bi inicialmente informados - é um dado do escândalo. Há uma teia de acontecimentos que vão das perigosas relações do ex-banco de Sílvio Santos com os fundos de pensão via líderes e tecnocratas petistas (Luiz Gushiken, sobretudo) até a "vontade de não contrariar Guido Mantega" na nomeação de Demian Fiocca, ex-BNDES para a diretoria do Banco. As revelações são da colunista da Folha de S.Paulo Renata Lo Prete. Não é necessário ter faro de policial para se imaginar as várias e vastas implicações destas revelações. Há apenas uma pequena ponta do iceberg à vista ou será uma "enorme corrente de enriquecimento ilícito". Talvez até Sílvio Santos queira saber o que havia no baú...
Radar NA REAL
21/10/11 | TENDÊNCIA | ||
SEGMENTO | Cotação | Curto prazo | Médio Prazo |
Juros ¹ | |||
- Pré-fixados | NA | queda | estável |
- Pós-Fixados | NA | queda | estável |
Câmbio ² | |||
- EURO | 1,3938 | estável | alta |
- REAL | 1,7568 | baixa | estável/baixa |
Mercado Acionário | |||
- Ibovespa | 55.255,28 | estável | baixa |
- S&P 500 | 1.238,25 | estável | estável |
- NASDAQ | 2.637,46 | estável | estável |
(1) Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais).
(2) Em relação ao dólar norte-americano
NA - Não aplicável
Europa reunida
Até o fechamento desta coluna, na noite da segunda-feira, o encontro dos principais líderes europeus em Bruxelas ainda não tinha chegado a nenhuma conclusão definitiva sobre os caminhos que a UE tomará para evitar o colapso financeiro do Continente. A despeito da falta de uma conclusão definitiva, os sintomas são positivos. A começar pelo reconhecimento de que o European Financial Stability Facility (EFSF) precisa ser substancialmente incrementado para algo como 1,5 trilhão de euros. Neste ponto, finalmente a chanceler Angela Merkel aceitou lutar no Parlamento Alemão para que o país participe do esforço europeu. Neste contexto, não apenas a Grécia se beneficiaria do maior apoio financeiro necessário à estabilização do país, mas todos os outros que estão a se esconder atrás do país balcânico. Um passo gigantesco se considerarmos a postura da Alemanha até pouco tempo atrás.
Mercado pode melhorar
Quase sempre é muito difícil definirmos com mais precisão o momento pelo qual passa o mercado. Nos últimos meses temos expressado nosso pessimismo em relação ao andamento dos mercados globais, em geral, e o brasileiro, em particular. De fato, a conjuntura internacional piorou significativamente e os riscos instalados de forma mais aguda em 2008, acabaram por recrudescer em 2011 de forma novamente aguda. A crise financeira europeia e a letargia da atividade econômica nos EUA são os aspectos mais gritantes da perigosa crise estrutural que vivenciamos. Pois bem : os preços dos ativos, sobremaneira os dos mercados acionários, caíram ao longo dos últimos meses. Como sabemos, os investidores se antecipam aos fatos e precipitam os movimentos de alta e baixa. O pessimismo se consolidou, desta forma. A despeito da conjuntura atual, gostaríamos de recomendar aos nossos leitores que não apostem numa piora significativa do mercado daqui para frente. Há razões para acreditarmos que os mercados estejam passando por um momento de reavaliação. Assim, a volatilidade acentuada pode estar refletindo mais esta reavaliação que o agravamento do pessimismo. Poderemos ter uma conjuntura mais favorável à frente. Nas próximas semanas iremos explorar mais este importante tema. Por enquanto, o recado é : não aposte na piora do mercado.
Banco Central : como previsto
Não houve surpresas na ação do BC na semana passada em relação à taxa de juros básica. A redução de 0,5% era esperada e os agentes estão mais atentos em relação à inflação dos próximos meses. Uma coisa é certa : a atividade econômica está apresentando fraqueza, possivelmente maior que a esperada pelos agentes. Todavia, não sabemos ainda se esta queda da atividade trará efeitos significativos sobre a inflação. As expectativas serão determinantes no andamento dos preços. Além da taxa de câmbio.
Política industrial
O governo está cada vez mais protecionista quando o assunto é importações. A maior preocupação é com os chineses e sua máquina de competição (leal e desleal). As medidas restritivas em relação aos veículos importados sofreram um revés momentâneo em função do prazo legal que tem de ser cumprido, mas uma o animus do governo continua o mesmo : a competitividade da indústria é fator político e econômico sensível e a Fazenda cumprirá a agenda de restrições de importações. Há muitos problemas neste tema, mas um é geral : falta ao governo uma estratégia industrial que melhore a percepção dos agentes de que o protecionismo atende a certos interesses paroquiais e não ao interesse coletivo. Alem do mais, é preciso combinar com o Itamaraty o que está sendo feito. Afinal, tudo pode acabar em demandas internacionais na OMC.
Justiça : questão de competitividade
Os magistrados brasileiros estão a discutir suas questões que envolvem o CNJ, além de outras tantas questões relativamente à transparência do Judiciário. Seria interessante que também fosse avaliado pelos líderes do Judiciário a questão da competitividade brasileira quando o tema é acesso à Justiça. A demora nas decisões, as complicações burocráticas e a falta de eficiência dos juízos e tribunais é questão vital para os agentes econômicos daqui e de lá de fora. Por que não estudar o tema ?
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