Política & Economia NA REAL n° 167
terça-feira, 30 de agosto de 2011
Atualizado às 08:53
O governo faz a sua escolha I
Dilma parece ter se sensibilizado para o fato de que o crescimento econômico sustentável nos próximos anos não é apenas incerto, mas pode ter efeitos muito mais abrangentes sobre os investimentos e o consumo que inicialmente poderia ser imaginado. Age corretamente em se precaver em relação ao cenário internacional que, além de letárgico, tem o perigoso ingrediente do aumento do risco do sistema financeiro. Neste contexto, a presidente tomou a decisão de agregar mais poupança do setor público, via corte de gastos, ao invés de agir na direção da política monetária, pressionando o BC a reduzir os juros básicos. Até mesmo porque o crédito privado está mais escasso e caro por conta dos riscos endógenos do cenário internacional.
O governo faz a sua escolha II
Se do lado fiscal a presidente diagnosticou bem a natureza da crise, de outro lado há uma série de problemas e riscos que serão agregados na política econômica daqui para frente. Vejamos alguns : (i) cortar gastos correntes é atividade crítica e difícil de fazer, tanto aqui como lá fora. Há limites constitucionais e infralegais que precisam sem respeitados ; (ii) os gastos correntes passíveis de corte referem-se a muitos acordos feitos nesta gestão e na administração Lula (preenchimentos de vagas no setor público, política de recuperação de salários, aumento do salário mínimo, distribuição de verbas para as emendas parlamentares, etc.). Ora, se a premissa principal dos cortes for a manutenção dos investimentos do PAC, a presidente terá de fazer um esforço político considerável para cumprir os (novos) objetivos fiscais. Corte gastos é omelete e não se faz sem quebrar ovos.
A desconfiança de sempreO anúncio do novo "arrocho" fiscal do governo, anunciado em R$ 10 bi, mas não explicitado onde ocorrerá, foi novamente recebido com ceticismo por boa parte dos agentes econômicos. Calcula-se que o governo está apenas "esterilizando" parte dos extraordinários ganhos de arrecadação - não está cortando efetivamente gastos. Assim foi também com os R$ 50 bi do início. "Economizou-se, como dizia ontem um economista neutro, promessas". Basta observar que todas as despesas correntes deste ano estão maiores que as do ano passado. A começar pelas de pessoal. Caíram mesmo foram os investimentos, até porque o governo foi obrigado a pisar um tanto pesadamente no freio das estradas e rodovias do ministério dos Transportes.
Eles vão deixar ? - IParte do novo ajuste fiscal de Dilma está nas mãos do Congresso. É evitar que sejam votados e aprovados projetos como a PEC 300 (dos bombeiros e policiais), a regulamentação da emenda 29 (mais recursos para a saúde) e o reajuste do Judiciário (média de 56%). E também a redistribuição dos royalties do petróleo (veto de Lula). Todos projetos "caros" aos parlamentares em vésperas de eleição pelos grupos que atendem.
Eles vão deixar - IINo "pacote" fiscal de Dilma e Mantega, nos R$ 10 mi anunciados ontem pelo ministro da Fazenda, está incluído o corte das emendas dos parlamentares ? Este, recordemos, é o principal ponto da discórdia do governo com seus aliados. E se as contas prometidas pela ministra Ideli Salvatti não forem anunciadas, a lua de mel governista azeda antes de ter começado.
O papel de Guido Mantega
Ainda não está claro se a estratégia econômica do governo foi estruturada pelo ministro da Fazenda a partir de seu próprio diagnóstico ou se as premissas desta estratégia brotaram do Planalto. Esta questão é relevante para sabermos se os desgastes que hão de advir dos efeitos dos cortes fiscais serão assumidos pelo governo como um todo, sob a liderança de Dilma, ou se o ministério da Fazenda terá mais responsabilidade neste processo. Afinal de contas, Mantega deu uma guinada e tanto na sua forma de conduzir os assuntos da Fazenda. Antes hesitava em agir como um fiscalista verdadeiro, agora assume a missão com empenho público. Ademais, Mantega não parece estar dividindo muitas responsabilidades com Miriam Belchior, sua colega do Planejamento e responsável funcional pelo controle do orçamento.
Rudimentar, meu caro Watson.Não foi apenas o ministro Guido Mantega que deu um "cavalo de pau" em direção a uma política mais "fiscalista". Para os de boa memória ainda está viva a carraspana que a presidente Dilma, então apenas a poderosa ministra chefe da Casa Civil, deu nos ministros Palocci (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento) quando os dois, aconselhados entre outros pelo ex-ministro Delfim Neto, ousaram propor a Lula a "zeragem" do déficit público. "Rudimentar" - fulminou Dilma na ocasião. Fica então a dúvida, e era isto que se falava ontem em terras do mercado : houve uma conversão de fato ou apenas de ocasião. Uma política fiscal dura, mesmo que para valer, demora um tanto a aparecer e tem efeitos difusos. Já os juros baixos batem na veia de quem reclama mais. A interpretação corrente é que o governo está criando argumentos para dar ao BC justificativas plausíveis para reduzir os juros o mais rápido possível, sem parecer que está cedendo a pressões políticas. Quem sabe já até um 0,25 ponto percentual de baixa amanhã. Outros preveem baixa de até 1,5 ponto até dezembro.
O limite de DilmaTodo o temor do governo está na desaceleração da economia nacional, que não depende apenas de nós, mas dos europeus, americanos e até chineses. O limite da presidente ainda é buscar os 4,5% de elevação do PIB este ano. Mantega finca o pé, pelo menos publicamente, em 4%. A maior parte dos analistas não pega por mais de 3,5%. Há duas razões para a insistência do governo : (1) medo de insatisfações sociais e sindicais com a queda no consumo e na renda ; (2) temor das reações da base parlamentar, que só tem olhos para as eleições e não quer ir para as urnas com uma economia claudicante.
E a política monetária ?
Digamos que, em larga medida, o governo tenha sucesso na sua estratégia fiscalista. É difícil acreditar que o BC não será instado pelo governo, em timing próprio, a reduzir os juros. Não resta dúvida que existe uma "armadilha dos juros altos" na economia brasileira. Não é coisa de agora, mas das últimas décadas pós-plano Real. Desarmar esta "armadilha" é uma tarefa histórica, mas carece de cuidado com duas variáveis : (i) o câmbio valorizado que, caso se desvalorize, atrai riscos de inflação e (ii) a política de metas que precisa ser crível no exato momento em que a inflação está alta, mesmo que sob controle. Por tudo isso, podemos afirmar que, mais à frente, a elevada taxa de juros será questionada dentro do próprio governo. Muita atenção será requerida para se evitar os transtornos que a queda benigna e necessária dos juros provocará, caso se efetive.
A decisão do COPOMEmbora haja grande dispersão entre o analistas sobre como agirá nesta quarta-feira o COPOM sobre a taxa de juros básica, nossa opinião é que a autoridade monetária manterá a taxa inalterada por um bom tempo a partir de agora e considerando as variáveis de redução da atividade econômica e inflação ainda elevada. O BC vai esperar um pouco para ver como andará a economia nos próximos meses. De todo modo, vai ser uma tensão permanente entre o político e o técnico daqui até o fim do ano.
Inadimplência e estoque de empréstimos
Dado que o Brasil é campeão mundial em termos de juros, o estoque de crédito e financiamentos sobre o PIB de 47% é elevado. O BC e o governo já adotaram políticas e medidas de restrição ao crédito para se evitar problemas futuros nas carteiras bancárias. Todavia, a elevação discreta, mas nada desprezível, da inadimplência, sugere que os agentes econômicos e, sobretudo, o governo aperte a regulação do sistema financeiro e evite problemas futuros. Risco de crédito é mortal para as economias, basta dar uma olhada no complicado mundo que nos rodeia.
A mudança (discreta) de Obama
A política sempre regula a economia e vice-versa, como num processo de sístoles e diástoles. Obama está cada dia mais condicionado pela trajetória política cujo ápice será a eleição presidencial do ano que vem. Foi pensando nisso que o presidente dos EUA atraiu para as cercanias da Casa Branca o economista Alan Krueger, um policy maker versado em estímulos tributários para as empresas e o emprego. Afinal de contas, a morosidade na reação do setor laboral norte-americano é o principal risco à reeleição. Esta mudança está em sintonia com a estratégia monetária do Fed. O presidente do BC americano Ben Bernanke não deve, por ora, aumentar o estímulo monetário, mas, de outro lado, não deveremos ter restrições à inundação de moeda vigente no sistema financeiro.
A calmaria dos mercados
Muito embora nada de estrutural tenha se alterado na economia mundial, os diversos segmentos do mercado financeiro e de capital têm estado mais calmos nos últimos dias. Os agentes estão reagindo a menores pressões sobre os bancos, sobretudo os europeus, as medidas de contenção dos déficits fiscais no Velho Continente e aos recentes números de consumo (gastos pessoais) nos EUA. Há que se alertar, porém, que as variáveis de risco permanecem todas presentes no cenário, especialmente o "empoçamento" da liquidez nos bancos centrais e a pressão sobre os metais preciosos, um evidente sinal de que os investidores permanecem inquietos. Não é hora de abaixar a guarda. Ao contrário, crises sempre aumentam a volatilidade ao sabor do humor dos dias.
Radar NA REAL
26/8/11 |
TENDÊNCIA | ||
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Curto prazo |
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Juros ¹ | |||
- Pré-fixados |
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- Pós-Fixados |
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Câmbio ²
- EURO
1,4494
estável/alta
estável/queda
- REAL
1,5960
estável/alta
estável/queda
Mercado Acionário
- Ibovespa
53.350,79
baixa
baixa
- S&P 500
1.176,80
baixa
baixa
- NASDAQ
2.479,85
baixa
baixa
(1) Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais).
(2) Em relação ao dólar norte-americano
NA - Não aplicável
Novo figurino
Com um corte ainda meio mal ajambrado, nada que tenha saído das mãos de um grande costureiro, Dilma, seguindo os conselhos de Lula, está vestindo o figurino da política que ela se recusou a usar até agora. A questão é saber como ela vai se sair diante do ofidário que a cerca.
Surpresas
A presidente tem demonstrado desconhecimento e surpresa diante de alguns fatos desagradáveis que cercam seu governo. Explica um observador de Brasília que é real, não é jogo de cena como os "eu não sabia" de Lula. Lula tinha olhos e espiões para alertá-lo. Dilma é neófita na política e um tanto solitária, só agora está formando de fato seu grupo político. E mais : como tem justificada fama de brava, às vezes de intratável, muita gente tem medo de chegar perto dela e contar coisas.
O dono da bola
Até prova em contrário - e esta dificilmente ocorrerá - a estratégia, as táticas e tudo o mais das eleições municipais do ano que vem passarão necessariamente por Lula ; será como ele quiser. E Lula e os aliados estão muito mais adiantados nesses arranjos do que parece. A possibilidade de fracasso, mesmo que a estratégia, como no caso de São Paulo, seja arriscada e perigosa, está ligada a algum tipo de desarranjo econômico. Tudo caminha para uma goleada lulista, embora para o ex-presidente e seu ego seja uma derrota perder São Paulo.
Sem bola, sem campo e sem camisa
Quanto à estratégia da oposição, bem... Antes ela precisa se encontrar. Nem os pênaltis que o governo comete são aproveitados.
Lei do silêncio
Baixou um mutismo total nos aliados desde a semana passada, as pedradas continuam voando, mas silenciosamente. Ordens superiores.
O TCU da discórdia
Quatro governistas disputam recente vaga aberta no TCU : Átila Lins (AM) pelo PMDB, Aldo Rebelo (SP) pelo PC do B, Ana Arraes (PE) pelo PSB e pelo filho Eduardo Campos, e Jovair Arantes (GO) pelo PTB. A campanha e as intrigas correm soltas. Até agora não se viu as credenciais dos candidatos para os cargos. O que se discute são os apadrinhamentos e as compensações políticas. Há até a possibilidade de o governo usar a vaga para compensar algum partido que esteja com déficit de lugares no ministério ou no segundo escalão. É a nossa política.
As acusações a José Dirceu
As denúncias da Revista Veja sobre as atividades do ex-deputado cassado José Dirceu foram reputadas pelo líder petista como um ato criminoso pelo qual "a revista Veja, por meio de um de seus repórteres, também abriu mão da legalidade e, numa prática criminosa, tentou invadir o apartamento no qual costumeiramente me (José Dirceu) hospedo em um hotel de Brasília." Esta coluna não tem a menor condição de apurar fatos e opinar sobre eles, mas acha justo que as coisas se resolvam nas cortes judiciais. A única pergunta que nos cabe em relação às atividades de José Dirceu é : quais são as atividades dele em Brasília ? O ex-deputado se qualifica como "cidadão brasileiro, militante político e dirigente partidário". À luz desta qualificação, a pergunta é legítima, mesmo que o Dirceu não queira respondê-la ?
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A coluna Política & Economia NA REAL, integrante do portal Migalhas (www.migalhas.com.br), é assinada por José Marcio Mendonça e Francisco Petros.
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