Política & Economia NA REAL n° 88
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Atualizado em 8 de fevereiro de 2010 16:16
Dólar soberano
Há pouco tempo os analistas de plantão discutiam abertamente a substituição, mesmo que a longo prazo, do dólar norte-americano como a reserva de valor da economia mundial. Não são poucos os papers disponíveis nas comunidades acadêmica e de negócios sobre o tema. Além, é claro, dos analistas de investimentos, estes na maioria dos casos dando suporte "intelectual" para a especulação solta com as moedas. Pois bem : a crise fiscal dos países da Europa meridional - Grécia, Itália, Espanha e Portugal - dão evidências objetivas de que o euro não é o porto seguro que se imaginava. O dólar estadunidense persiste sendo o receptor natural de recursos quando os temores avançam sobre os mercados. Há ainda aqueles que apostam que a moeda chinesa irá caminhar para a solidez necessária para que se torne uma "âncora" no jogo dos investimentos internacionais. Neste caso, a coisa é mais atrevida ainda ! Apostar num país sem transparência e submetido às regras emanadas de um partido comunista é algo insano. Todavia, insanidade é o que não falta por estes dias...
Default na Europa
Observados os dados econômicos da Grécia, Itália, Portugal e Espanha, não resta dúvida de que a inadimplência é uma possibilidade concreta. Todavia, a saída política é simples de conceber e politicamente difícil de executar : a União Europeia tem recursos para evitar a contaminação de crédito que estes países podem provocar, mas isto dependeria de uma decisão política da Alemanha e França de impor um custo aos seus contribuintes para evitar um caos no mercado de crédito. Resta saber se, sobretudo a Grécia e a Espanha, estão dispostas a incorrer nos custos políticos internos para reverter os seus horríveis números macroeconômicos.
Lembrando...
Pouquíssimos economistas e analistas são capazes de afirmar que sobre moedas qualquer previsão é muito incerta. O mercado de moedas é o mais livre de todos e não existe nenhum modelo de previsão que seja razoavelmente seguro para se dizer qual o patamar que uma moeda irá tomar em determinado prazo ou data. Estimar desempenho e avaliar fundamentos são apenas métodos para expressar opiniões. Isto é muito diferente de dizer que a cotação de tal moeda será de tanto na data "x".
O caminho do real
Levando em consideração o que está escrito na nota acima, o que pensar sobre o real neste momento ? Em primeiro lugar, não nos parece razoável acreditar em uma valorização ainda mais substantiva da moeda brasileira neste momento. Há dois fundamentos que conspiram contra uma perspectiva muito otimista : (i) o mercado financeiro lá fora está tenso com a falta de clareza sobre a recuperação econômica. Este cenário deve permanecer por mais algum tempo; (ii) as contas externas brasileiras já mostram sinais de que a sua composição - saldo comercial em queda e forte entrada de recursos - torna o Brasil mais vulnerável aos humores dos investidores. No médio prazo, a valorização do real conspira contra a industrialização e o emprego no país. De outro lado, num cenário de curto prazo, no qual o Brasil continua sendo o queridinho do mercado, também não parece provável uma desvalorização substantiva do real. Mesmo numa conjuntura eleitoral. Ou seja, uma banda entre R$ 1,80 e R$ 2 parece bem razoável.
Agenda econômica brasileira
A agenda está cheia. A inflação sobe na previsão dos analistas conforme consta da pesquisa semanal publicada no Boletim Focus do BC. De outro lado, a política monetária continua sendo o último refúgio para controlar a inflação, pois do ponto de vista fiscal nada há de positivo e novo. Por cima de tudo, as exportações despencam e seus efeitos hão de aparecer. O cenário é ainda positivo, mas a qualidade da política econômica no Brasil se deteriora do ponto de vista estrutural e conjuntural (eleições).
Emprego nos EUA
Os dados de atividade e emprego nos EUA continuam dando sinais de recuperação. Todavia, o ritmo da recuperação está mais lento do que o esperado. A taxa de desemprego caiu para o patamar mais baixo dos últimos cinco meses (9,7% da força de trabalho). O problema é que o ritmo de demissões ainda supera o de emprego e é possível que os indicadores de desemprego voltem a piorar nos próximos meses, o que seria um fato muito negativo do ponto de vista das expectativas.
FMI e cia.
Observada a crise mundial (e agora a europeia), a pergunta que não quer calar é : qual a utilidade do FMI na atualidade ? Sequer a instituição tem a aura humanista da ONU e do Banco Mundial. Ao contrário, trata-se de uma instituição desmoralizada do ponto de vista técnico e político. Keynes, idealizador do Fundo, teria vergonha de seu destino...
"Efeito bacalhau", "efeito paella" e "efeito pizza"
A crise econômica e de crédito da Espanha, Portugal e Itália terá seus efeitos diretos pelos nossos lados : a pressão dos dividendos das multinacionais destes países localizadas no país deve ser maior neste ano. O objetivo é cobrir riscos e eventuais prejuízos nos seus países-sede.
Radar NA REAL
Já fizemos os nossos alertas em relação ao cenário do mercado financeiro local e internacional nas três edições anteriores deste informativo. O cenário do mercado no curto prazo é incerto e as perspectivas de médio prazo estão em cheque. Ou seja, os acontecimentos das próximas semanas hão de decidir a tendência dos mercados no médio prazo. Portanto, o momento é de decisão. Os fatores positivos (recuperação da atividade, maior normalidade do crédito em comparação ao auge da crise e, no caso do Brasil, fortaleza cambial) devem favorecer um cenário promissor no médio prazo. Todavia, a instabilidade externa não é desprezível e tem de ser levada em consideração a probabilidade de um cenário deteriorado no médio prazo. De toda a forma, estamos mantendo a nossa análise expressa neste radar.
5/2/10 |
TENDÊNCIA
SEGMENTO CotaçãoCurto prazo
Médio Prazo
Juros ¹
- Pré-fixados NA
alta
alta
- Pós-Fixados NAestável
alta
Câmbio ²
- EURO 1,3706
estável/queda
estável/baixa
- REAL 1,8794estável/baixa
estável/baixa
Mercado Acionário
- Ibovespa 62.762,70
estável/queda
estável/alta
- S&P 500 1.066,19estável/queda
alta
- NASDAQ 2.141,12estável/queda
alta
(1) - Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais)
(2) - Em relação ao dólar norte-americano
NA - Não aplicável
Quem leu os documentos que o PT preparou para as discussões do programa de governo de um futuro governo Dilma, revelados pelo Estadão na semana passada e pelo Valor Econômico ontem, percebe que o partido está tentando retomar bandeiras que, por pragmatismo, foram abandonadas depois que a legenda, pelos pés de Lula, subiu as rampas do Planalto. Na ocasião, Lula não carregava sob as axilas as teses mais caras ao petismo. Levava a "Carta aos Brasileiros", documento elaborado sob a coordenação do futuro ministro da Fazenda, Antonio Palocci, para conter os temores de boa parte da plateia bem informada de que um governo do PT fosse mesmo mudar tudo que está aí. O PT engoliu - e continua engolindo - o sapo barbudo de uma política econômica que nunca foi dele, feliz com as oportunidades que teve no poder. Seus documentos sobre economia, agora, pregam velhos (pré) conceitos, dando sinais até de que namora novamente com o estatismo. Na diplomacia, critica o acordo Mercosul-Israel e as negociações da Rodada de Doha da OMC e, ainda, sugere a criação de um Conselho de Política Exterior. Demonstram que o PT se prepara para a "era pós-Lula" com ideias pré-Lula. Aos 30 anos, completados neste fevereiro, o PT, com Dilma, uma petista de segunda viagem, flerta com o passado. E tenta reescrever o lulismo de seu fundador.
Exceção da verdade
Pode ser até a chamada mera coincidência, mas como coincidência demais passa a ser fato em política, o jogo está aberto. O PSDB começa a botar em prática uma das ações eleitorais com as quais pretende desconstruir a imagem de Dilma : botar em dúvida seu compromisso com a realidade. Em outras palavras, pespegar-lhe a pecha de mentirosa. Na última semana, a expressão mentira, associada à ministra chefe da Casa Civil e/ou ao governo Lula, apareceu em três emissões da oposição : num artigo do ex-ministro Paulo Renato de Souza, no Estadão ; numa nota do deputado Fderal paulista Mendes Thame ; e, no artigo que o ex-presidente FHC escreveu este fim de semana para o Estadão e O Globo. A oposição acha que Dilma lida mal com esta situação desde que se "enrolou toda" (expressão de um tucano) para explicar aquela história do currículo com informações incorretas sobre sua formação acadêmica e não rebateu convincentemente as acusações da ex-secretária da Receita, Lina Vieira, de que tentou interferir em perícias que a RF fazia nos documentos da família Sarney.
Oh Minas Gerais - capítulo 7.227
Seguramente, a solução da sucessão mineira na base aliada de Lula será a mais longa e arrastada das subnovelas da novela da sucessão presidencial. O lance mais recente é tentar fazer do vice-presidente José Alencar o candidato dos partidos governistas, uma espécie de tertius na disputa entre o PMDB (Hélio Costa) e o PT (Patrus Ananias e Fernando Pimentel). Um dos petistas seria acomodado na vice do vice e Costa disputaria a reeleição para o Senado. É mais um balão de ensaio, que pode até dar certo, mas depende de uma série de circunstâncias para prosperar. A primeira é a própria condição de saúde do vice. Depois, a disposição de Costa de ficar no mesmo lugar e ir para uma briga contra Aécio Neves e Itamar Franco. Em terceiro, a maleabilidade do PT mineiro para fazer concessões. Sem concorrer diretamente, o partido entrará na disputa pela prefeitura de BH em 2012, em franca desvantagem. Durante anos, lembremos, o PT dominou a capital mineira, ou diretamente (Patrus, Pimentel), ou em parceria com o PSB. Hoje, o PSB, com Marcio Lacerda, ainda comanda a prefeitura, mas com o coração de Aécio. A movimentação do PT e dos aliados em MG, até agora, só está mesmo servindo para aumentar a disposição de briga do governador Aécio Neves e sua total integração ao projeto nacional tucano.
O Almodóvar de Ciro
As reações de Ciro Gomes aos movimentos de Lula e do PT, para afastá-lo prematuramente do grid de largada da corrida presidencial, estão num crescendo tal que podem tornar inviável uma integração total e entusiasmada do deputado cearense à campanha de Dilma. Aliás, Ciro já deu este sinal quando, entre ironias ao "santo Lula" e verbosidades contra Dirceu, avisou que já está com a vida ganha e não tem ambições pessoais.
O silêncio de Serra
O DEM não consegue dormir com o barulho que o silêncio do governador Serra sobre sua candidatura à sucessão de Lula anda fazendo. Digam o que disserem tucanos, democratas e os ex-comunistas do PPS, a ascensão de Dilma nas últimas pesquisas assustou em todos os quadrantes. Até a imprensa estrangeira já acha que o governador paulista perdeu o timing. O que voltou a alimentar os boatos de Brasília de que ele poderia desistir da capital federal para ficar na capital paulista, abrindo espaço para uma chapa puro sangue, café com leite, com sinais invertidos : Aécio presidente e Alckmin de vice.
Dilma e seus dois vices
Quanto mais o deputado, recém reeleito presidente do PMDB, Michel Temer, diz que não aspira à indicação de vice na chapa de Dilma, mais dentro e fora do governo aumenta a convicção de que isto é a única coisa que o presidente da Câmara realmente aspira. E mais cresce a inquietação do presidente Lula, do PT e de outros aliados governistas que não o PMDB. Desse lado mais cresce a convicção de que Dilma precisa de um Meirelles a seu lado como contraponto às desconfianças que ela gera em alguns setores e aos "alopramentos" que o PT vem demonstrando nos esboços das propostas para um governo Dilma.
Os tempos de Lula e do PMDB
Lula joga com o tempo, para consolidar o crescimento de Dilma nas pesquisas, para fechar o acordo eleitoral com o PMDB sem pagar todas as faturas que o peemedebismo está cobrando. Por sua vez, o PMDB diz que tem todo o tempo do mundo e pode esperar até o início da formação do novo governo para acertar as contas.
Pré-sal eleitoral
Não vai ser tão tranquila como Lula imaginava e deseja a votação completa - Câmara e Senado - das novas regras para a exploração de petróleo no Brasil. A oposição vai obstruir sem dizer que está obstruindo a Petrobras. E as disputas regionais, mesmo que sejam atropeladas na Câmara, ressuscitarão no Senado, onde os Estados não produtores pretendem tirar o um quinhão mais generoso. Talvez nem dê tempo para o pré-sal frequentar os palanques eleitorais, desfalcando o tripé de realizações a ser alardeado por Dilma : petróleo, Bolsa Família e PAC.
De olho no aço
Depois de haver ajudado - e que ajuda ! - consolidar a Nova Brasken, como o grande player internacional do Brasil na área de petroquímica, o governo intenta agora algo parecido no setor siderúrgico. Sob esse ponto de vista foi sintomático o puxão de orelhas do presidente semana passada nos dirigentes da área, quando os acusou de tímidos.
De olho nos remédios
O BNDES ainda não desistiu de patrocinar, por meio de fusões e aquisições, o nascimento de uma grande indústria farmacêutica nacional, para se contrapor às multinacionais que dominam o setor. Não faltarão recursos para quem quiser se aventurar.
De olho na Internet
Amanhã, Lula vai definir as regras para o Plano Nacional de Banda Larga e avalizar o renascimento da Telebrás como grande operadora do programa. Uma corrente quer que a novo-velha empresa estatal faça tudo sozinha. Outra, que o programa seja dividido com o setor privado. O mais provável, para evitar ruídos e desconfiança em ano eleitoral, é que Lula opte pela segunda. Porém, com total protagonismo da Telebrás.
José Sarney e a ética
Na sua coluna da última sexta-feira na Folha de S.Paulo, o senador José Sarney teceu argumentos de variadas cepas para tratar da injustiça com a qual tem sido tratado nos últimos escândalos da política nacional. A certa altura do artigo diz que "(...) o famoso caso Dreyfus, de trágica memória, em que este oficial do Exército foi acusado de traição, condenado à prisão perpétua e à chamada 'guilhotina seca', que era a prisão na ilha do Diabo, na Guiana. Foi preciso a coragem de defendê-lo de Émile Zola, ao publicar um manifesto com os erros do julgamento (J'accuse !), para acabar com a fraude." Interessante o velho senador maranhense ter admiração por publicações de manifestos quando ele e seu filho Fernando censuram, mesmo que por via judicial, o jornal O Estado de S. Paulo o qual tem uns manifestos nada republicanos para divulgar sobre como se faz política na família Sarney.