Não há teto para a inovação
quinta-feira, 8 de dezembro de 2022
Atualizado às 08:05
Inovação se tornou mecanismo essencial para combinar apoio da sociedade e das estruturas do Estado.
Na superfície da política brasileira vê-se o pesaroso rumo das discussões sobre o orçamento de 2023. Mais que o "teto de gastos" o que está em jogo é a consistência interna e externa da política fiscal e os seus efeitos sobre as possibilidades de desenvolvimento do Brasil. A "herança maldita" do governo do ex-capitão vai muito além da constatação de que a única ferramenta consistentemente usada por Paulo Guedes e seus Chicago caps é a "tesoura" para cortar gastos de forma atabalhoada para, assim, cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Se no futuro o "teto" é um risco possível, no presente ele é a própria realidade. Seja qual for o desfecho das discussões parlamentares sobre o "teto", o certo é que as possibilidades econômicas do próximo governo estão sob forte escrutínio face ao desastre econômico deixado pelo desmonte bolsonarista.
A conjugação da necessidade de uma (i) regra fiscal crível e efetiva, bem como, de uma (ii) política monetária e cambial que sustente as possibilidades de crescer e desenvolver o Brasil indicam que a saída política para os problemas brasileiros tem de ser robusta. Sabe-se que Lula tem de formar uma frente ampla no Congresso para viver e sobreviver nos próximos quatro anos. De outro lado, a gestão comezinha e banal do poder não levará o país a lugar nenhum: se os meios de se fazer política no Brasil são disfuncionais o que obriga o presidente da República a atuar com base em conchavos, de outro lado, as ambições e planos da gestão merecem conceitos com excelência e operação efetiva. Em pleno século XXI não adianta atuar com base na nossa tradição oligárquica e clientelista.
No sentido do que se provoca nos parágrafos acima, é preciso que a nova administração não perca a capacidade de alavancar formas inovadoras para o país. Para tanto, é preciso que uma visão moderna de governo comece a transpassar o dia a dia da administração, dos mecanismos de governo, os sistemas de controles e o estímulo ao desenvolvimento sustentável. O setor público no Brasil está recheado de regras que de facto ainda não protegem o Estado, mas são capazes de enrijecê-lo a ponto de retirar agilidade e flexibilidade, algo incompatível com a modernidade. O maior prêmio de quem atua no setor público é fazer tudo conforme as regras, sem que necessariamente se atinja um resultado ao menos razoável. Assim, nós não vamos a lugar nenhum.
É verdade que o clientelismo e a corrupção contribuem em larga medida para que no Direito Público se presuma a má-fé (e não a boa-fé) como princípio que guia as normas. Em lugar de iniciativas modernizantes o Estado contribui para a propagação do atraso. Isso precisa mudar em vista dos desafios do mundo moderno.
O caminho da inovação estatal e governamental depende, é claro, da maior ou menor excelência da elaboração sobre o que se deseja fazer. Isto vai além de "programas e propostas" vez que depende de um compromisso primevo com os resultados a alcançar. A título de ilustração, pode-se construir uma série de elementos que podem ajudar a modernizar a ação governamental:
(1) A agenda política tem de ser construída à luz da agenda de ações de governo. A identificação entre ambas é a força motriz da transformação processual na forma de agir.
(2) A agenda do país tem de ser contemporânea com a dinâmica internacional, num processo contínuo de identificação de oportunidades e tarefas a serem desenvolvidas.
(3) As contradições internas e a desorganização política precisam ser diagnosticadas e tratadas para serem alinhadas com os objetivos de inovação do governo. Tão importante quanto as reformas é a adoção de uma agenda prioritária para tal inovação. Reformas positivas com efeitos retardados são menos úteis do que reformas possíveis com resultados imediatos;
(4) Agendas inovadoras são muito baseadas na adoção de novas técnicas e tecnologias, as quais em si não têm conteúdo ético e valores políticos e sociais. Assim sendo, toda inovação tem que adicionar tais valores nos seus propósitos. A priorização das camadas mais pobres nestes processos, por exemplo, é essencial.
(5) Eliminar as fragilidades institucionais e dar feições modernas ao aparato do Estado é condição sine qua non para compatibilizar desenvolvimento econômico e social em novos padrões. As formas organizacionais e jurídicas das instituições têm de ser revisadas, sobretudo em termos de drives e objetivos. À independência e ao equilíbrio dos poderes do Estado deve ser somada a interdependência de objetivos confluentes entre eles.
(6) Um Estado inovador necessariamente tem de ser escoltado por novas lideranças, atualizadas e competentes. Não se trata apenas de tema relacionado ao "estilo" e a "aparência" do primeiro escalão do governo, mas, sobretudo preparadas para os novos formatos institucionais do Estado. Ademais, a capacidade de liderar é essencial ao tempo em que precisam ser empoderados para o exercício do poder. "Diversidades" são necessárias, mas não suficientes para verdadeira renovação da administração.
Os elementos acima não são, por óbvio, um rol exaustivo. Representam alguns predicados necessários para que governos se tornem inovadores e inseridos na nova era que vivemos. Neste contexto, sem inovação, a administração do Estado terá crescente carência de desempenho e eficiência.
Especificamente no caso do Brasil, país que teve as eleições mais extremadas de sua história, uma das formas para engrandecer a legitimidade política do governo eleito é construir um ambiente público inovador e preparado para elevar a velocidade no atendimento das necessidades sociais e da formulação e execução das políticas públicas de forma mais madura do ponto de vista dos objetivos e, especialmente, dos resultados.
Inovar impede que a ação dos agentes públicos e privados seja dicotômica e/ou com objetivos diversos e por vezes não-cooperativos. Com efeito, a fixação comum dos objetivos deriva em mitigação de riscos e menores custos financeiros, sociais e políticos.
Num mundo cada vez mais complexo, na existência de crises sistêmicas (e.g. transição energética, mudanças climáticas, rupturas geopolíticas), a inovação se tornou um mecanismo essencial para combinar apoio da sociedade e das estruturas do Estado, notadamente da classe política, para legitimar as ações governamentais o que, por sua vez, minimiza a radicalização dos agentes políticos e da própria sociedade. Para tanto é preciso ir além dos pactos políticos necessários ao exercício do poder e investir em novas lideranças capazes de engendrar equivalente transformação cultural, econômica e social. Estamos no século XXI, para além das (importantes) discussões sobre teto alto ou baixo.