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Os novos voluntários da pátria

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Atualizado às 08:03

O novo Messias pretende escrever o futuro, a partir de sua estranha revolução sem objetivos claros.

O Dia da Independência de 2021 se constituiu em marco histórico relevante para o país e para a combalida democracia brasileira. A saliência dos discursos do presidente da República e as ameaças desferidas a partir de seu palanque populista não têm equivalente resposta das Instituições do Estado e, muito menos, da classe política do país.

A marcha do ex-capitão reformado do Exército Brasileiro continua consistente com o seu discurso político, o qual foi docemente aceito nas eleições de 2018 por uma sociedade dividida entre o petismo e o antipetismo. Assim, o ex-capitão assumiu o Planalto, sem que escrutínio rigoroso do político que, por quase trinta anos, verbalizou contra as instituições, senão contra a própria civilização. Ou não foi?

Não há, em verdade, surpresa alguma em relação ao personagem que atenta contra a estabilidade institucional do Brasil. A despeito da identidade entre a pregação do ex-capitão e a sua ação golpista concreta, restam dúvidas imensas do que significa esta estranha "categoria política", o bolsonarismo.

Inicialmente, é preciso reconhecer que, de fato, existe o bolsonarismo, no sentido de que dele decorre concreta e organizada ação política - nada tem sido feito ao acaso da parte desta administração para ter o Poder. Do bolsonarismo sabemos de suas causas e motivações. Os meios que utiliza são voltados para o golpismo manifestado de diferentes formas e modos. Vejamos.

No que tange às causas motivadoras do bolsonarismo, verifica-se que há múltiplas, graves e multifacetadas variáveis a motivar parcela sólida do povo brasileiro na direção de seu líder supremo. Algumas destas causas nos chamam a atenção.

Em primeiro lugar vê-se que no mundo e, em especial em países subdesenvolvidos como o Brasil, a precarização do trabalho e da proteção social causam a percepção de exclusão permanente do processo de avanço capitalista, sem oportunidades minimamente inclusivas do ponto de vista econômico e social. Pelos nossos lados,este processo está desgovernado pela inexistência de um projeto de nação com uma agenda política e generalizadamente aceita. Ademais, seria preciso incluir o desenvolvimento tecnológico e humano sustentável como prioritário para que a economia, notadamente a indústria, possa ser competitiva frente ao teatro internacional.

Também temos de levar em consideração que o cadente investimento público e privado, dada a ausência de um plano fiscal e monetário que suporte e não inviabilize o desenvolvimento (não apenas o crescimento do PIB), contribui para a redução substancial do capital que dá tração à economia em favor da acumulação de riqueza financeira. Assim, vê-se os voláteis mercados financeiro e de capitais indo e vindo aos sabores das expectativas de curto prazo, enquanto a denominada economia real (capital e trabalho) tropeça no atraso e na baixa produtividade. Formam-se, assim, sólidas barreiras contra a possibilidade de superação do subdesenvolvimento e da exclusão social.

É neste contexto de atraso que se perpetua que o bolsonarismo introduziu uma espécie daninha de cultura que trabalha diuturnamente na transcendente ideia de que há uma série de "inimigos internos" que precisam ser derrotados para que os grilhões do atraso sejam quebrados e, com efeito, o Brasil volte a ser a grande nação imaginada nos quartéis de outrora.

Esta "atividade ideológica" constante, via fake news, elege, conforme o caso, personagens que incorporam a essência do inimigo interno: o negro (que desfavorece a "sociedade una"), o homossexual (frente ao comportamento sexual "natural"), o STF (como impedidor da criação da "nova ordem populista"), a classe política (enquanto obstáculo à relação direta com o povo), os cientistas (frente a uma "ordem natural" livre de intervenções humanas), o comunismo (como perspectiva desejada pela "esquerda"), a ecologia (como barreira ao avanço econômico), os índios (que precisam ser integrados à sociedade e à economia) e  assim vai.

Neste modelo, a superestrutura "cultural" (ideológica) acaba conquistando parcela da população, senão majoritária pelo menos numerosa, que passa a interpretar os fatos sociais, políticos e econômicos por meio de um monóculo irreal que explica o todo da exclusão inerente à realidade do subdesenvolvimento do Brasil. Aqui reside importante e inédito diferencial da situação atual em relação a outros momentos da história do país.

Verifica-se evidente conservadorismo no centro do imaginário do bolsonarismo. Não à toa, o pentecostalismo evangélico e certas bordas conservadoras do catolicismo aderiram com fé no projeto do novo "messias" da política brasileira. Ocorre que, ao contrário da história brasileira desde a fundação da República, quando ocorreu a "modernização conservadora" por meio de um "pacto horizontal" do povo com os interesses da elite, o bolsonarismo faz um "pacto vertical" do "messias" com parte atuante do povo, no qual as Instituições Republicanas, ao invés de garantirem as condições objetivas do sistema político, se tornaram "barreiras" à implementação do "mundo novo" prometido pelo líder.

Na essência, o projeto político do ex-capitão termina por aqui no que tange às suas estruturas frente ao subcapitalismo brasileiro.

No que se refere à ação política do presidente, seu sucesso é evidente e perigosíssimo. Além de ter ganhado as eleições de forma espetacular (soube incorporar o antipetismo ao seu projeto), o primeiro mandatário do país, fez um pacto (ainda incompleto) com os fardados de toda a espécie da Federação, ocupou posições-chaves da burocracia federal com os militares das Forças Armadas, controla completamente as fontes de informação do Estado (e.g ABIN, Polícia Federal), calou a PGR, indicou com sucesso um membro da Suprema Corte com a aprovação do Senado Federal, montou competente e barulhenta rede de notícias (inclusas as falsas), capturou parcela controlável da classe política ("centrão") que impossibilita seu impeachment, silenciou parcela majoritária do empresariado e da elite da alta finança do país, atraiu as minorias mais atrasadas e reacionárias e moldou para si um personagem "amigo do povo", de costumes e modos grosseiros que atendem à figuração necessária para deixar a todos boquiabertos diante do espetáculo.

O novo Messias pretende escrever o futuro, a partir de sua estranha revolução sem objetivos claros, mas que não se acanha em inquietar o presente e reescrever o passado (no qual pontifica a ideia de quanto foi bom o "regime militar"). Interessante salientar que, paradoxalmente, o bolsonarismo produz a paralisia da acumulação capitalista sob a liderança de figurantes ditos liberais, liderados pela patética figura do Ministro Paulo Guedes, quem não ruboresce frente a vergonha de si mesmo e deste (des)governo.

O evento do último Sete de Setembro é representação clara que o projeto do bolsonarismo deu mais um sólido passo na direção da incerteza. O golpe é uma possibilidade e, independentemente da probabilidade de sucesso, precisa ser contido por uma ação política equivalente àquela encabeçada pelo atual presidente. Discursos de gabinete não seduzem o povo porque, diante da exclusão e do empobrecimento, as vozes messiânicas ecoam muito mais.

Os novos Voluntários da Pátria, marcham sobre as ruínas do país, alistados por um populista reacionário, na direção do desconhecido. A crise institucional se aprofunda a cada dia. As reações são modestas frente à força da multidão na avenida, perdida, mas presente.