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Direito de autor e reprografia

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Atualizado às 10:28

Luciano Andrade Pinheiro e Carolina Diniz Panzolini

INTRODUÇÃO

A relação entre proteção autoral e uso permitido de obras compreende confronto entre os dois principais fundamentos do direito autoral: o direito exclusivo do autor sobre suas obras como forma de incentivo à criação e o interesse público de acesso à cultura, que compreende o direito à educação e, enfim, o direito que a sociedade civil tem de ter acesso conhecimento, sob a perspectiva da finalidade pedagógica.

A discussão tem relevo por ser muito comum a reprodução de partes de livros, ou de livros completos, disponibilizados por professores aos seus alunos em pastas acessíveis para fins de cópia reprográfica. Assim, com o propósito de colocar os leitores a par da legislação e doutrina, brasileira e comparada, que tratam da reprografia e do direito de autor, discorreremos brevemente sobre o tema.

DO PANORAMA NACIONAL

A Constituição Federal assegura dentre os direitos fundamentais, no art 5o, inc. XXVII, o seguinte: "aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;" e no inciso XXVIII, alínea "b" do mesmo artigo o seguinte: "são assegurados, nos termos da lei: b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem como criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;". São, pois, cláusulas pétreas da Constituição, colocadas no Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais.

A lei que regulamenta o direito de autor e, portanto, o direito de reproduzir sem necessidade de autorização é a 9.610/98, mais precisamente o art 46, inciso II, assim posto: "Não constitui ofensa aos direitos autorais: II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro".

O Brasil é signatário da Convenção de Berna, acordo internacional que fixa diretivas para os países componentes da União de Berna (unionistas) legislarem sobre a matéria autoral, com o claro fito de tornar a lei dos países signatários mais parecida possível com as outras, pois, dado o objeto de proteção autoral, os autores precisam gozar de segurança jurídica, conhecendo os seus direitos, onde quer que sua obra seja publicada.

O art. 9 da Convenção assim está redigido: 1) Os autores de obras literárias e artísticas protegidas pela presente Convenção gozam do direito exclusivo de autorizar a reprodução destas obras, de qualquer modo ou sob qualquer forma que seja. 2) Às legislações dos países da União reserva-se a faculdade de permitir a reprodução de referidas obras em certos casos especiais, contanto que tal reprodução não afete a exploração normal da obra nem cause um prejuízo injustificado aos interesses legítimos do autor".

Por outro lado, o art. 6o da Constituição garante a todos os brasileiros o acesso à educação com um dos direitos sociais.

O DIREITO COMPARADO

O Brasil, como dito, junto com quase todos os países do mundo, assinou a Convenção de Berna, cuja última revisão se deu no ano de 1971 em Paris, disciplinado as diretivas para as legislações que viriam a ser feitas e a adequação daquelas já existentes.

A ratificação desta Convenção internacional traz de benefício para esta discussão a possibilidade de se fazer um estudo comparado com a lei de diversos países que tratam da mesma matéria e de forma bastante semelhante. A lei brasileira, no artigo supra transcrito, foi econômica nas palavras e perdulária na ambigüidade, restando ao judiciário a palavra final para o assunto. Como não se pode esperar uma decisão judicial, temos que o debate é, sem dúvida, pertinente.

Dentre os países signatários da Convenção podemos citar algumas disciplinas adiante resumidas.

A lei alemã permite a cópia privada (Seção 53 do Urheberrechtsgesetz), desde que realizada por pessoa física e que não haja qualquer tipo de interesse comercial. Quando a cópia é feita em estabelecimentos de ensino, na forma de compilações para os alunos, o autor deve ser consultado e poderá, evidentemente, se negar a dar a autorização. Ademais, a reprodução integral de livros e periódicos é permitida para uso pessoal e se não houver novas edições do material copiado há mais de dois anos.

Há ainda, na Alemanha, uma taxa cobrada sobre as máquinas copiadoras e insumos (papel, toner) e repassada para as associações representativas dos autores. O sistema alemão foi o primeiro no mundo a estabelecer, em 1965, esse tipo de cobrança, que tem por objetivo compensar detentores de direitos autorais pelas modalidades permitidas de uso não autorizado1. Reporta-se que, em 1983, eram realizadas cerca de 25,5 bilhões de fotocópias por ano em 920.000 máquinas reprográficas, apenas na Alemanha, o que justifica a criação da taxa de remuneração2.

A Austrália permite a cópia para uso privado de forma restrita. Apenas está autorizado à reprodução quem adquirir legitimamente o exemplar que se pretende copiar e desde que a cópia resulte substancialmente diferente do exemplar original (Seção 43C do Copyright Act 1968).

Em Portugal, a cópia pode ser feita para fins exclusivamente privados, em papel ou suporte similar, e também é permitida a disponibilização pública para fins de ensino e educação, de partes de obra publicada, contanto que se destinem exclusivamente aos objetivos do ensino de estabelecimentos pedagógicos (Art. 75 do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos).

A Espanha regula a matéria especificamente nos artigos 31, 25 e 99 da Ley de Propiedad Intelectual. É prevista taxa sobre máquinas de xerox e insumos, repartindo-se o valor apurado entre os autores. A reprodução sem autorização de obras já publicadas é permitida, se realizada por pessoa física e para uso exclusivamente privado, desde que a fonte da reprodução seja lícita.

No Japão a cópia é permitida somente para uso pessoal. Entretanto, o art. 30 (1) da lei autoral japonesa estabelece necessidade de autorização do autor se a reprodução for realizada por meio de máquina reprográfica automática.

No México, o uso permitido é regulado pelo artigo 148 da Ley Federal Del Derecho de Autor. O diploma permite a realização de reprodução para uso pessoal somente de um exemplar, desde que a exploração econômica da obra não seja prejudicada.

A lei Venezuelana (Ley sobre el derecho de Autor) também permite a cópia privada, se for unitária (Art. 43), mas esclarece que é ilícita qualquer reprodução feita com auxílio de terceiros ou de modo a concorrer com a exploração da obra pelo autor.

Cabe mencionar, ainda, recente Diretiva do Parlamento Europeu (EC Copyright Directive) que encoraja Estados Membros que disponham, em suas legislações, sobre limitações aos direitos de autor em respeito a reproduções realizadas por pessoa física, em qualquer meio, para utilização privada e sem interesses comerciais, desde que os detentores de direito recebam compensação justa (fair compensation) pela utilização não consentida da obra protegida.

A diretiva consagra, ainda, o tradicional teste de três passos (three-step test), que serve como requisito à permissão de reprodução para uso pessoal. O teste, que já integrava a Convenção de Berna (Art. 9.2), o acordo TRIPs (Art. 13) e o WIPO Copyright Treaty (Art. 10), estabelece a permissão de uso pessoal desde que: i) excepcionalmente; ii) não haja conflito com a exploração econômica da obra reproduzida; iii) não se caracterize prejuízo desproporcional aos interesses legítimos dos detentores de direito.

Outro aspecto interessante, abordado na Diretiva, é a previsão de que deve haver compensação justa aos titulares (fair remuneration) de direito pelo permissivo legal de uso privado. Trata-se justamente da cobrança de taxas sobre insumos e máquinas de reprodução, posteriormente distribuída a autores, como aquela estabelecida pela Alemanha em 1965.

Atualmente, a maior parte dos países europeus adota o modelo de remuneração alemão. Em ordem cronológica, desde 1965, são estes os países que incorporaram esse tipo de sistema: Alemanha (1965), Áustria (1980), Finlândia (1984), França (1985), Holanda (1990), Espanha (1992), Dinamarca (1992), Itália (1992), Bélgica (1994), Grécia (1994), Portugal (1998), e Suécia (1999). Apenas dois membros da União Europeia não implementaram sistemas de compensação por taxa: Irlanda e Luxemburgo. Além destes, o Reino Unido também não possui sistema nesse sentido3.

CONCLUSÕES

No Brasil temos a colisão de dois princípios ou duas normas constitucionais, a saber: o direito exclusivo do autor sobre suas obras e o direito coletivo de acesso à cultura.

Temos que o acesso a cultura não é ferido pela proibição de cópias reprográficas feitas em estabelecimentos de ensino sem autorização do titular dos direitos sobre a obra copiada. As bibliotecas e o acesso pleno a exemplares nas livrarias para a pronta aquisição, garantem que qualquer pessoa tenha à disposição as obras e, portanto, ao conhecimento.

Ouve-se que não pode o Brasil, um país pobre, restringir o acesso à cultura proibindo a cópia reprográfica nos estabelecimentos de ensino. Entendemos que o argumento não tem a menor substância. O direito à cópia é faculdade patrimonial do autor incidente em sua criação. Não é justo, nem jurídico, o titular de direito autoral arcar com as conseqüências de não haver dinheiro para aquisição lícita de livros, numa espécie de desapropriação feita pelos usuários e ao arrepio do direito exclusivo garantido constitucionalmente.

Não é à toa que o direito de autor nos Estados Unidos é chamado de copyright, pois, é no direito de tirar cópias ou, como preferiu o legislador, de reproduzir que se revela o direito de autor. É na possibilidade de só e exclusivamente o autor autorizar a cópia é que está a essência da proteção autoral.

O legislador, entretanto, com motivações sociais, informativas e de interesse coletivo, estabeleceu no art. 46 da LDA algumas formas de utilização da obra intelectual protegida sem necessidade de se obter prévia e expressamente autorização do autor. São ela, a título de exemplo: a possibilidade de se editar obra em método de leitura para deficientes visuais, o direito de citação, a representação teatral ou execução musical em estabelecimentos de ensino ou no recesso familiar, etc...

Dentre estas limitações está aquela estabelecida no inciso II assim redigido: a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;"

Dos termos da lei podemos destacar expressões absolutamente imprecisas que dependem de uma interpretação, tendo sempre como parâmetro a mens lege e o direito internacional que rege a matéria. A primeira delas é "pequenos trechos". A expressão deve ser entendida como parágrafos, linhas ou até mesmo página. Dentro da ótica internacional, como visto, é assim que é entendida esta expressão.

A segunda "para uso privado do copista" rechaça qualquer intuito de lucro e até mesmo qualquer forma de tornar pública a cópia, seja ela dentro de "pastas dos professores" seja em compilações para uso dos alunos. A cópia deve ser para uso privado, para conhecimento do próprio copista e só.

A terceira e não menos polêmica "desde que feita por este" revela a intenção do legislador em não albergar as empresas copiadoras que se espalham pelos estabelecimentos de ensino. Quis o legislador, a exemplo da legislação Italiana, permitir que o aluno, tendo acesso ao livro, copie à mão, redija em computador ou até mesmo copie pequenos trechos da obra.

Importante mencionar que esta atividade, necessariamente, não pode importar em lucro para quem quer que seja. Observado o lucro, estaremos diante da violação do direito patrimonial do autor.

Defender o direito à criação intelectual é obrigação, principalmente dos estudantes de direito que, dentro em breve, nada mais estarão fazendo senão vender o produto do seu intelecto. A atividade jurídica, sobretudo a advocacia, nada mais é do que a venda de um pensamento exteriorizado, fruto das experiências e conhecimento acumulados.

Ressalte-se que a Academia é campo fértil para criação de obras intelectuais, protegidas pelo Direito do Autor, especialmente no que tange aos artigos científicos e aos livros, manuais e outros materiais de natureza literária. Nesse sentido, é imperioso destacar que o aluno frequentador de uma universidade e o próprio professor, podem ocupar "um lado do balcão", qual seja: o lado de quem quer ter acesso e disponibilizar obras literárias e até audiovisuais (comumente utilizadas em salas de aula). Por outro lado, durante o curso frequentado e ofertado pelo aluno e professor, respectivamente, também são produzidas obras intelectuais, conforme mencionado, razão pela qual haverá o interesse de observar a incidência da proteção do Direito Autoral sobre a sua criação.

São duas perspectivas presentes, conflitantes ou complementares, que deverão ser tratadas com coerência.

O Artigo 46 da LDA não explicita a previsão de exceção e limitação para uso de obras intelectuais com a finalidade pedagógica. Essa questão é curiosa na medida em que se estabeleceu um senso comum, mas falacioso, de que aquilo que se utiliza em sala de aula está completamente blindado da incidência da proteção do Direito Autoral. Em verdade e, conforme já explicado, somente é possível fazer citações ou utilizar pequenos trechos (infelizmente é um termo vago) no âmbito acadêmico.

Assim, é vedada a utilização integral de obras intelectuais sem a respectiva autorização do autor, ainda que com a finalidade pedagógica. Nesse sentido, é muito importante o respeito às obras intelectuais, independentemente de sua natureza, especialmente no ambiente da Academia, por ser tratar de núcleos de aprimoramento da formação humana e de respeito à dignidade de todo ser humano e de sua intelectualidade.

Outro aspecto que estabelece conformidade com o tema ora analisado são os conteúdos intelectuais oriundos da internet que são disponibilizados e utilizados em sala de aula, que são equivocadamente considerados como de domínio público. Para esses conteúdos, faz-se necessária a devida averiguação de fonte ou paternidade fidedigna, além da obtenção da necessária autorização.

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1 HUGENHOLTZ, Bernt (ORG.). The Future of Levies in a Digital Environment, INSTITUTE FOR INFORMATION LAW, Amsterdã, 2003. Disponível em: archived at.

2 F. Melichar. Auswirkungen der Urheberrechtsnovelle 1985. ZUM 1987, 51. P. 28. Apud HUGENHOLTZ, Bernt (ORG.). The Future of Levies in a Digital Environment. P. 28.

3 HUGENHOLTZ, Bernt (ORG.). The Future of Levies in a Digital Environment, INSTITUTE FOR INFORMATION LAW, Amsterdã, 2003. Disponível em archived at.