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A força do direito moral do autor - Stairway to heaven x Taurus

terça-feira, 14 de junho de 2016

Atualizado em 13 de junho de 2016 13:06

Luciano Andrade Pinheiro e Carolina Diniz Panzolini

No próximo dia 14 de junho, provavelmente, ocorrerá na Pensilvânia nos Estados Unidos o julgamento de uma ação movida pelos sucessores de Randy California, guitarrista da banda Spirit e autor de uma música chamada Taurus contra a aclamada banda de rock Led Zeppelin. A acusação é que Stairway to Heaven, música mais famosa do Led Zeppelin seria fruto de plágio.

O leitor que gosta de rock certamente se recordará das primeiras notas de Stairway to Heaven. Um dedilhar de guitarra com um som acústico tocado por Jimmy Page, acompanhado por um suave fundo de um piano elétrico que marca a melodia e aguarda a voz de Robert Plant. É principalmente nessa parte, a mais marcante da canção, que reside a acusação de plágio. A semelhança pode ser conferida na comparação das duas músicas aqui.

Sem entrar no mérito da discussão de haver ou não o alegado plágio, o que chamou a atenção no caso é que o advogado da família de Randy California, apesar de ter pedido toda sorte de indenização por danos materiais na ação movida, ofereceu um acordo ao Led Zeppelin no valor de $1, desde que fosse creditada a música a quem ele alega ser o verdadeiro autor da melodia. Isto é, os acusadores trocam a possibilidade de receber uma indenização milionária por um único dólar, somado à obrigação de o Led Zeppelin reconhecer que a melodia foi composta por Randy California.

A menção do nome de Randy California como autor da melodia revela uma série de consequências financeiras a partir do reconhecimento, porque a família passará - caso aceito o acordo - a ser remunerada pela gravação, inclusão e execução da obra musical. Isso é importante e vale bastante diante do reconhecimento mundial da música como um dos ícones do rock.

Outro ponto interessante é pensar que este processo tramita num país que o direito autoral é oriundo do Common Law e vem do segmento do copyright, no qual o viés econômico é importante, mas que não diminuiu a relevância do direito de paternidade.

Na petição inicial do caso, na discriminação da espécie de ação, está descrito "direito de atribuição", que pode ser entendido como o nosso direito moral de paternidade, ou seja, o direito de ser mencionado como autor da obra toda vez que ela for utilizada. Pode parecer muito singelo provocar o Poder Judiciário, dispor de tempo, energia e, certamente, dinheiro para contratar um advogado para "simplesmente" demandar de outrem a autoria de uma obra que considera ser sua.

A despeito da consequência material do acordo proposto, é preciso entender o que significa, dentro da sistemática autoral, o direito de atribuição, de crédito ou de paternidade da obra. Usando o caso como exemplo, é válida a análise de como o direito brasileiro lida com essa questão e a importância que dá a ela. O caso concreto é emblemático porque, ao propor um acordo de um dólar, vislumbrou-se deixar absolutamente claro que o direito patrimonial pretérito advindo do reconhecimento da paternidade da obra ao reclamante não era o mais importante, mas sim todo o esforço criativo para a produção da música e, por conseguinte, sua honra e dignidade.

Incialmente vale a ressalva de que o direito ao nome não se confunde com o direito de paternidade. O primeiro é previsto no art. 17 do Código Civil, o segundo está contemplado na Lei de Direito Autoral. Enquanto que o direito ao nome é atribuído a qualquer pessoa natural, a paternidade de uma obra só é atribuída àquele que empreende o gênio criativo transportando o pensamento do mundo das ideias para um suporte tangível ou intangível.

Na Lei de Direito Autoral (9.610/98) está disciplinado no art. 24 e em seus sete incisos os chamados direitos morais do autor. Trata-se de uma parte do direito do autor que é inalienável e irrenunciável. No primeiro desses sete incisos está escrito que é direito do autor "o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra", no seguinte, ainda tratando do direito ao crédito, a Lei assegura ao autor o direito de "ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra".

Sobre os direitos morais, Carlos Alberto Bittar leciona:

"Os direitos morais são os vínculos perenes que unem o criador à sua obra, para a realização da defesa de sua personalidade. Como os aspectos abrangidos se relacionam à própria natureza humana e desde que a obra é emanação da personalidade do autor - que nela cunha, pois, seus próprios dotes intelectuais -, esses direitos constituem a sagração, no ordenamento jurídico, da proteção dos mais íntimos componentes da estrutura psíquica do seu criador." (Bittar, 1992)

Especificamente sobre o direito moral de paternidade, pertinente a passagem de Carlos Rogel Vide e Victor Drumond:

"Uma vez divulgada a obra do espírito conforme à lei, o autor desta tem direito a que se reconheça sua paternidade sobre a mesma, paternidade que é motivo de honra para ele, já que a trouxe à luz. Tem direito (...)a "Exigir reconhecimento de sua condição de autor da obra". Tem direito, em tal sentido, a que se lhe cite como tal - e não como mero coletor de dados ou textos, p. ex. - no lugar e sob a forma adequados - nas páginas de crédito, nas capas, nos cartazes anunciadores, na publicidade. Tem direito também a que se lhe reconheça como o autor de fragmentos de sua obra, por menores que sejam, quando estes forem utilizados. Todo o dito procede inclusive quando o autor cedeu os direitos de exploração sobre sua criação". (Vide & Drumond, 2005)

Rodrigo Moraes, autoralista e talvez o principal defensor do aspecto moral do direito de autor traz na obra Os Direitos Morais do Autor: Repersonalizando o Direito Autoral (disponível gratuitamente on line aqui) uma série de episódios em que o direito de paternidade de uma obra foi desrespeitado no direito brasileiro. No meio desses casos citados, se destaca as palavras de Mané de Izaías ao ter o seu nome creditado - após protestos - na música Quixabeira, que foi inicialmente atribuída exclusivamente a Carlinhos Brown. Disse Mané: "É como se uma mãe botasse um filho no mundo, ele fosse voando pro estrangeiro e não voltasse mais pra casa" (Moraes, 2008).

Há um filme de produção norte-americana, denominado "As palavras" (título traduzido em português), em que um escritor tenta escrever um livro por vários anos, sem sucesso. Um dia, durante viagem a Paris, ele encontra uma pasta com várias folhas amareladas, numa pequena loja de antiguidades. Ele lê, se encanta com a história, sem pudor transcreve a história para o computador - palavra por palavra - e apresenta a obra como se fosse sua e tivesse sido escrita inteiramente por ele. Sobrevém o sucesso, reconhecimento e dinheiro. No auge de sua fama, ele encontra um senhor que, para encurtar a narrativa, era o verdadeiro autor e protagonista daquela história que, para agravar a apropriação indevida, era uma autobiografia. O verdadeiro autor estava arrasado e o falso autor, abalado, propõe uma indenização vultosa em dinheiro para compensar o seu mal feito e o ponto alto do filme acontece nesse momento, quando o autor relata que para ele não adiantava mais qualquer tipo de ressarcimento, porque a sua alma e sua vida tinham sido roubadas e devassadas.

Quando falamos no Direito Moral do Direito Autoral estamos falando na emoção que o autor imprimiu na sua obra. Estamos falando de algo que não se transfere, não se aliena e não prescreve. A grandeza do Direito Moral se percebe quando, mesmo após a morte do autor, mesmo quando sua obra cai em domínio público, mesmo quando o autor cede ou licencia sua obra, mesmo assim, é assegurado o direito do criador de ser identificado como o autor daquela obra.

Há tutela específica do direito de paternidade na Lei de Direito Autoral, com sanções graves para aquele que ofende o nome do autor, retirando-o da obra. No art. 108 da Lei de Regência, é possível observar que o ofensor pode ser condenado a indenização por danos morais além de ser obrigado a divulgar uma errata em exemplares ainda não distribuídos e comunicar com destaque por três vezes consecutivas em jornal de grande circulação ou empresa de radiodifusão.

O que pode parecer exagerado, voluntarioso ou simplório, não é. Ao contrário, os direitos morais do autor, especialmente o de paternidade, são a própria tradução da dignidade do criador intelectual, já que sua obra é a manifestação do seu espírito, da sua personalidade, expressada por qualquer meio e fixada num suporte tangível ou não. Quando uma obra é criada, parte da história de vida do autor consta nela, sua alma está impregnada naquele resultado e uma apropriação indevida desse resultado vai muito mais além do que supomos.

Referências bibliográficas :

Bittar, C. A. (1992). Direito de Autor. Rio de Janeiro: Forense.

Moraes, R. (2008). OS DIREITOS MORAIS DO AUTOR: Repersonalizando o Direito Autoral. Rio de Janeiro: Lumen Juris. Fonte:

Vide, C. R., & Drumond, V. (2005). Manual de Direito Autoral. Rio de Janeiro: Lumen Juris.