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In dubio pro natura na esfera penal: Riscos jurídicos e econômicos

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Atualizado às 08:44

Texto de autoria de Leonardo Magalhães Avelar e Taísa Carneiro Mariano

O Superior Tribunal de Justiça tem aplicado, de forma recente e inovadora, o princípio do in dubio pro natura para solução de conflitos e interpretação de normas ambientais, no processo civil. A aplicação é considerada uma exceção à regra hermenêutica de que as normas limitadoras de direito devam ter interpretação estrita.

O adágio tem como base o princípio da precaução, proposto na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, em que foi definido como garantia contra riscos potenciais que ainda não possam ser identificados.

Nessa toada, o in dubio pro natura é utilizado em interpretação conjunta com o dispositivo legal do ônus dinâmico da prova (artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor), sendo aplicado aos casos envolvendo interesses coletivos, como ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, conforme artigo 21, da lei Federal 7.347/1985.

A contraversão das regras de administração da licitude e causalidade da conduta se justifica, na construção jurisprudencial do STJ, pela natureza indisponível e pelo interesse intergeracional coletivo do bem jurídico tutelado - o meio ambiente (REsp 883.656).

Tal entendimento tem como consequência direta a inversão do ônus da prova em casos envolvendo riscos ambientais, cabendo ao proponente da atividade abstratamente lesiva demonstrar a inofensividade das suas ações. Na mesma linha argumentativa, o STJ admite, inclusive, a fixação de danos morais coletivos em ações civis públicas que versam sobre danos potencialmente lesivos ao meio ambiente (Resp 1.367.923).

Nesse contexto, a consolidação da aplicação do preceito in dubio pro natura no âmbito das ações cíveis ambientais sob a justificativa do dever geral de proteção da saúde humana e meio ambiente é temerária, na medida em que pode ser vista como primeira etapa para transmudar o adágio, sob viés duvidoso, para a seara criminal.

Nesse sentido, é possível antever, considerando o anseio punitivista social traduzido na regulação de temas variados pelo direito penal, tal qual ocorreu com a responsabilização criminal da pessoa jurídica nos delitos ambientais, que há risco de migração da mesma lógica para o processo penal.

A denominada sociedade de risco gera a demanda de instrumentos de controle sobre desenvolvimento industrial, o que resulta na adoção progressiva de tendência de expansão do direito penal para crimes de perigo abstrato com aplicação de conceitos amplos, como o próprio bem jurídico meio ambiente, concepção de laboriosa delimitação que dificulta a identificação do momento da lesão e do nexo de causalidade.

O exercício do direito de defesa nos crimes ambientais, que já é afetado pela fluidez e generalização dos conceitos decorrentes dos delitos que não exigem lesão concreta ao bem jurídico, pode ser ainda mais atingido caso o princípio in dubio pro natura seja aplicado ao processo penal. Isso porque, nessa hipótese, a defesa deverá encarar o hercúleo trabalho de destituir presunções legalmente estabelecidas, dificultando ainda mais a delimitação das imputações dirigidas aos acusados.

Nessa linha, antevendo os riscos, importante destacar que, na esfera penal, a aplicação do axioma in dubio pro natura poderia configurar verdadeiro absurdo atingindo os mais elementares preceitos fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal ao comprometer o sistema probatório do sistema acusatório, pois desincumbe a acusação de suportar o ônus de demonstração da ilicitude do fato imputado. Desse modo, na ausência de provas sobre a efetiva e comprovada lesividade da conduta do agente, determinar a responsabilização penal do acusado, sob o pretexto de proteção judicial ao meio ambiente, viola a presunção de inocência e as regras infraconstitucionais basilares do processo penal.

Além dos evidentes reflexos jurídicos que eventual aplicação do adágio analisado ao âmbito penal acarreta, importante destacar que a construção teórica dogmática do ônus dinâmico da prova nos casos envolvendo meio ambiente, feita mediante atuação proativa do judiciário e utilizando-se do subterfúgio de salvaguarda dos interesses da humanidade e das gerações futuras, pode ser um entrave ao crescimento econômico nacional e investimentos estrangeiros.

Isso porque, a ausência de segurança jurídica na aplicação das normas penais e a possibilidade de responsabilização criminal, inclusive da pessoa jurídica, mesmo diante da ausência de provas, é fato apto a desestimular o investimento financeiro em diversos segmentos industriais, agrícolas e de infraestrutura que possuem maior exposição ambiental.

Não se despreza a essencialidade e relevância da preocupação com o meio ambiente, nem mesmo a necessidade de proteção, inclusive penal, pelo poder público e pela coletividade, de bem fundamental à existência humana. No entanto, o que, em caráter apriorístico, pode parecer um grande avanço na proteção judicial ambiental, na verdade, será uma forma transversa de violação às garantias individuais e desestímulo econômico futuro, quando aplicado para fundamentar a responsabilização penal ambiental.