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As partes podem convencionar reduzir as hipóteses de anulação da decisão arbitral?

terça-feira, 25 de março de 2025

Atualizado às 07:20

A arbitragem é um mecanismo de solução de conflitos cada vez mais utilizado no Brasil. Instituído pela lei 9.307/1996, o instituto oferece uma alternativa ao processo judicial, destacando-se por sua celeridade, confidencialidade e flexibilidade procedimental. Esse método tem como premissa a autonomia das partes, que podem eleger árbitros especializados para resolver seus litígios, especialmente em questões empresariais.

A decisão arbitral possui natureza equivalente à sentença judicial, conforme determina o art. 31 da lei de arbitragem, produzindo os mesmos efeitos e sendo título executivo judicial. Contudo, para assegurar a lisura do procedimento e proteger os direitos fundamentais das partes, o art. 32 2 da Lei de Arbitragem elenca as hipóteses em que a sentença pode ser anulada3.

O art. 32 da lei de arbitragem prevê expressamente sete hipóteses de anulação da decisão arbitral, sendo cada uma delas um reflexo da necessidade de assegurar que o processo arbitral observe princípios fundamentais do direito processual e respeite a vontade legítima das partes.

Uma questão que me parece interessante diz respeito à possibilidade de as partes, no exercício de sua autonomia privada, convencionarem a limitação das hipóteses de anulação da decisão arbitral previstas no art. 32 da lei de arbitragem.

De largada, cabe deixar claro que se trata de uma breve reflexão sobre o tema, sem qualquer pretensão de esgotamento, verdadeira provocação ao debate.

A autonomia das partes é princípio fundamental da arbitragem.

De um lado, há quem afirme que as hipóteses de anulação da decisão arbitral previstas na legislação são de ordem pública, verdadeiro núcleo intangível, e, portanto, indisponíveis pelas partes. Trata-se, segundo os que assim pensam, de uma forma de assegurar a integridade do procedimento arbitral e proteger direitos fundamentais, como o contraditório e a imparcialidade do juízo arbitral.

Nesse contexto, a redução convencional das hipóteses de anulação da sentença arbitral poderia significar vulnerar garantias do devido processo legal e comprometer a legitimidade do próprio instituto da arbitragem4.

Por outro lado, há quem defenda que as partes, no mais puro exercício da autonomia da vontade, poderiam limitar ou renunciar a certas garantias em prol da celeridade e da segurança jurídica, especialmente quando as questões em disputa envolvem relações empresariais paritárias, cientes as partes envolvidas das consequências de suas escolhas.

Nessa perspectiva, portanto, a limitação das hipóteses de anulação da decisão arbitral poderia ser admissível por convenção expressa das partes.

É preciso lembrar que a própria possibilidade de anulação da decisão arbitral é, para além de excepcional5, também eventual, porquanto as partes podem aceitar voluntariamente o que decidido em sede de arbitragem e abdicar o direito de ir ao poder judiciário para buscar a sua invalidação.

A lei pretende afastar intervenções do poder judiciário quanto ao decidido pelo árbitro, reveladoras de atos de imposição estatal em jurisdição privada, conferindo importância ao seu cumprimento espontâneo pelas partes, estabelecendo a excepcionalidade da sua impugnação por meio da ação anulatória.

Em outras palavras, é possível afirmar que, nas hipóteses de intervenção, a atuação do juiz estatal haverá de ser comedida e atenta à natureza excepcional da sua ação intervencionista no procedimento arbitral. O juiz estatal não deve sucumbir à tentação de, por meio da ação anulatória, pretender, de forma indireta, a revisão do mérito da decisão arbitral, a pretexto de sua convicção subjetiva quanto ao erro ou injustiça do que decidido.

Pode soar como óbvio, mas, às vezes, até o óbvio precisa ser afirmado e reafirmado, jurisdição estatal e arbitral constituem métodos complementares de resolução de conflitos, não há entre eles qualquer antinomia ou hierarquia.

É preciso deixar claro que cooperação e intervenção não são a mesma coisa. A primeira é sempre recomendável e haverá de ser estimulada. A segunda é excepcional e haverá de ser evitada.

Não se pode perder de vista, portanto, que a ação anulatória, ao contrário de outros atos que são de cooperação entre o árbitro e o juiz6, representa uma evidente intervenção deste último na decisão do primeiro, porquanto anula o que decidido no procedimento arbitral, cuja decisão não está sujeita à revisão do seu mérito.

Nessa ordem de ideias, penso eu, se, de um lado, não é possível ampliar as hipóteses de anulação da decisão arbitral7, de outro, é plenamente aceitável que as partes possam convencionar a redução do rol de situações que justificam a propositura de uma ação anulatória.

Se as partes podem voluntariamente aceitar a decisão arbitral, aliás, o que é de todo recomendável, fica a indagação: Por que estariam proibidas de, por convenção, reduzir as hipóteses de anulação da decisão arbitral?

Ao meu sentir, não há motivo que possa justificar a vedação.

A customização do procedimento, princípio da arbitragem, envolve que as partes possam, no exercício da autonomia da vontade, decidir pela redução das hipóteses de anulação da decisão arbitral8, cientes que devem estar dos riscos assumidos com as suas escolhas.

É claro que sempre haverá o risco de descumprimento do acordo prévio, ou seja, de a parte que sucumbir na arbitragem acionar a justiça estatal para anulação da decisão arbitral, em hipótese que convencionou excluir, porém, nesses casos, para além da possibilidade de previsão de penalidade contratual específica, deverá o juiz negar seguimento a esta ação, prestigiando o acordo das partes.

Nesse contexto, para concluir, a arbitragem constitui um importante instrumento de pacificação social e resolução de litígios, especialmente no contexto das relações empresariais.

Em que pese o fato de a decisão arbitral não estar imune ao controle judicial, limitado às hipóteses excepcionais previstas no art. 32 da lei de arbitragem, quanto à aspectos formais de sua validade e não quanto ao mérito, o comedimento do poder judiciário, em exercício de autocontenção, é salutar.

A convenção das partes, fruto da autonomia da vontade, no sentido de reduzir as hipótese de anulação da decisão arbitral, haverá de ser prestigiada e respeitada pelo poder judiciário, como medida de fortalecimento do instituto da arbitragem.

__________

 

1 Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.

2 Art. 32. É nula a sentença arbitral se: I - for nulo o compromisso;  I - for nula a convenção de arbitragem; II - emanou de quem não podia ser árbitro; III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei; IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.

3 A possibilidade de anulação da sentença arbitral não deve ser encarada como um mecanismo de reapreciação do mérito, mas como uma salvaguarda para coibir abusos, vícios processuais e decisões proferidas à margem do compromisso arbitral." (WALD, Arnoldo. A Nova Arbitragem Comercial: comentários à lei 9.307/1996. 6. ed. São Paulo: RT, 2019, p. 245.)

4 O controle judicial da sentença arbitral deve ser excepcional e restrito às hipóteses previstas em lei, sob pena de desvirtuar a essência da arbitragem, que é a autonomia das partes e a liberdade para estruturar o procedimento." (LEMES, Selma Maria Ferreira. Arbitragem no Brasil: aspectos práticos e teóricos. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 175.)

5 A excepcionalidade decorre do fato de que a decisão arbitral não está sujeita a revisão do seu mérito pelo poder judiciário, mas apenas e tão somente ao controle formal da sua validade, naquelas hipóteses expressamente previstas no artigo 32 da Lei de Arbitragem.

6 Arts 22-A e 22-B, da Lei de Arbitragem.

7 A própria excepcionalidade da ação anulatória da decisão arbitral, verdadeiro ato de intervenção do poder judiciário no sistema arbitral, justifica a impossibilidade de ampliação, por convenção das partes, do rol do art. 32, da lei de arbitragem, sem mencionar que implicaria em criar competência para o juiz togado sem que haja previsão legal anterior e específica para o caso.

8 Acredito que as partes possam até mesmo convencionar a vedação do ajuizamento da ação anulatória, em verdadeira convenção de não litigar, mas esse será tema para outro texto.