O uso do hot-tubbing no processo arbitral: Considerações práticas, desafios e sugestões
terça-feira, 28 de maio de 2024
Atualizado em 27 de maio de 2024 13:17
O 'hot-tubbing', também conhecido como testemunho simultâneo de peritos ou conferência de peritos, é uma técnica interessante no procedimento arbitral que visa aumentar a eficiência e a eficácia da apresentação de provas periciais.1 Originária dos países de sistema Common Law, essa prática tem ganhado reconhecimento e aplicação em arbitragens internacionais, sobretudo nas disputas complexas envolvendo questões técnicas ou científicas.
Hot-tubbing é um método pelo qual os peritos de ambas as partes em uma arbitragem são ouvidos juntos, na presença do tribunal arbitral e das partes, para discutir suas evidências e pontos de vista. De fato, o hot-tubbing é melhor classificado como um método de prova, em vez de um meio de prova. Isso porque ele não constitui uma prova em si, mas sim uma técnica utilizada durante processos arbitrais para examinar e comparar os materiais apresentados por peritos ou especialistas de ambas as partes.
Diferentemente do formato tradicional em que cada perito é ouvido separadamente, o hot-tubbing permite uma interação direta e espontânea entre os peritos, facilitando a identificação de áreas de acordo e desacordo, e esclarecendo pontos técnicos complexos e permitindo que o tribunal arbitral faça perguntas diretamente aos peritos de forma mais eficaz.
A crescente popularidade da conferência de peritos decorre dos inúmeros benefícios que traz para os procedimentos e sua contribuição para a revelação da verdade de forma mais eficiente.2 Tal método de produção de prova apresenta vantagens em relação ao procedimento tradicional de apresentação de provas periciais. Primeiramente, promove uma discussão mais dinâmica e focada, auxiliando o tribunal a compreender melhor as questões técnicas em disputa. Além disso, ao permitir que os peritos interajam diretamente, reduz-se o risco de mal-entendidos ou interpretações equivocadas das evidências apresentadas.
Essa prática pode levar a uma economia significativa de tempo e custos, já que facilita a identificação rápida das questões centrais e minimiza a necessidade de repetidas rodadas de manifestações. Por outro lado, embora o uso de hot-tubbing tenha o potencial de reduzir a duração de uma audiência, e, portanto, seu custo, não se pode desconsiderar que exigirá de cada parte mais tempo de preparação com sessões prévias de treinamento para uma melhor apresentação no momento da audiência propriamente dito.
Esse método também pode ajudar a evitar potenciais problemas de imparcialidade e enviesamento cognitivo, incluindo a supervalorização de peritos indicados pelo tribunal.3 Isto porque quando um perito é indicado exclusivamente pelo tribunal, existe o risco real e natural de que sua opinião seja vista como mais autoritativa simplesmente por causa de sua indicação. Ao permitir que os peritos de ambas as partes sejam ouvidos e questionados conjuntamente, o hot-tubbing promove uma atmosfera de equilíbrio, na qual as opiniões de todos os peritos são consideradas lado a lado.
No entanto, a implementação do hot-tubbing em procedimentos arbitrais não está isenta de desafios. A eficácia dessa técnica depende, em grande medida, da habilidade e experiência dos árbitros em conduzir a discussão de maneira equilibrada, assegurando que todos os pontos de vista sejam adequadamente considerados. Além disso, pode haver preocupações relacionadas à pressão exercida sobre os peritos, especialmente em casos de elevada complexidade técnica ou quando há desequilíbrios significativos de poder entre as partes.
Para superar esses desafios e maximizar os benefícios do hot-tubbing, algumas considerações práticas são essenciais. É crucial que o tribunal arbitral estabeleça regras claras para o procedimento, incluindo o escopo das questões a serem discutidas e os limites da interação entre os peritos. Isso deve ser estabelecido por meio de ordem arbitral depois de ouvidas as partes previamente. A preparação adequada dos peritos e a escolha de especialistas com habilidades de comunicação são igualmente importantes para garantir que a discussão seja produtiva e focada. A adoção de práticas cuidadosas de planejamento e execução, bem como da habilidade dos árbitros em gerenciar efetivamente a discussão também pode influenciar no melhor aproveitamento do método. Além disso, o uso de tecnologias de informação e comunicação pode facilitar a organização e a condução dessas sessões.4
Mas há mais: Questões econômicas e temas envolvendo engenharia, contabilidade, ou outras ciências exatas, em teoria, não deveriam gerar grandes discordâncias, já que se baseiam em princípios e cálculos objetivos. Contudo, na prática, observa-se frequentemente que as partes envolvidas em disputas ou análises apresentam pareceres técnicos com conclusões diametralmente opostas. Isso se deve, em grande parte, à interpretação dos dados, à escolha de metodologias específicas e à aplicação de pressupostos variáveis, que podem levar a resultados substancialmente diferentes.
Esta realidade ressalta a complexidade inerente à aplicação de conhecimentos técnicos em contextos disputados. Mesmo dentro de campos aparentemente objetivos, como as ciências exatas, a seleção de modelos econômicos, métodos de avaliação de engenharia ou critérios contábeis específicos pode ser influenciada por juízos de valor ou interesses das partes. Além disso, a complexidade dos temas abordados e a especialização necessária para compreendê-los podem criar barreiras adicionais ao consenso.
A consequência disso é um aumento no raio de dúvida e na ampliação de debates, especialmente em contextos ou arbitrais, onde cada parte procura fundamentar seu ponto de vista com o apoio de especialistas.
Durante a audiência, seguindo as diretrizes estabelecidas pelo tribunal arbitral, ou no termo de arbitragem ou do próprio regulamento de arbitragem os peritos têm a oportunidade de apresentar um resumo de sua metodologia, o alcance de seu trabalho e as conclusões alcançadas. Essa apresentação, quando feita, geralmente toma o lugar do interrogatório direto e normalmente é seguida por um modelo de cross-examanination conduzido pelo advogado da parte adversa. Após isso, pode ocorrer um re-interrogatório e, se aplicável, perguntas por parte dos árbitros. Além disso, os peritos são ouvidos e questionados simultaneamente, de acordo com um protocolo específico de conferência determinado pelo tribunal arbitral, é justamente esse momento que ocorre o chamado hot-tubbing:Como se pode perceber, a prática foi desenvolvida como meio para a coleta de provas periciais, para preencher a lacuna entre as visões, por vezes, polarizadas sobre os pareceres de peritos. Esse debate qualificado de especialistas envolve uma discussão em mesa com os peritos e o tribunal arbitral, onde pontos controvertidos são colocados em pauta e cada perito nomeado pela parte responde à questão e confronta o outro perito.
A dinâmica permite que os árbitros questionem cada perito sobre o que o outro afirmou. Alternar entre eles permite que o tribunal arbitral entenda melhor a posição de cada perito. Essa abordagem promove um ambiente onde os peritos podem, de forma direta, expressar seus pontos de vista sobre as opiniões apresentadas pelos colegas. Tal interação facilita não apenas a troca de perspectivas, mas também capacita o corpo arbitral a discernir, com precisão, as áreas onde existem divergências reais e substanciais entre os especialistas.
A natureza interativa da conferência de peritos encoraja cada especialista a ultrapassar as respostas pré-estabelecidas e partilhar as suas perspectivas técnicas de modo mais espontâneo. Este processo promove um diálogo interessante e mais dinâmico entre os peritos, permitindo-lhes esclarecer ao tribunal arbitral os fundamentos de suas discordâncias. Tal abordagem não só esclarece as questões para o tribunal, como também pode fomentar um consenso entre os peritos sobre pontos anteriormente controvertidos.
O método de hot-tubbing possibilita que especialistas das mesmas áreas sejam apresentados e ouvidos conjuntamente, permitindo que ocupem a mesma posição de depoentes simultaneamente. O tribunal analisa as informações e os dados permitindo uma comparação simultânea das respectivas declarações dos peritos, o que pode resultar em audiências mais curtas e eficientes.
O uso de hot-tubbing em um ambiente virtual também é possível seguindo a mesma dinâmica e ordem daquela que é praticamente em sessões presenciais. No entanto, há quem diga que em processos arbitrais, os tribunais podem enfrentar problemáticas adicionais ao tentar avaliar a credibilidade e o peso relativo das opiniões de peritos que estão em desacordo, especialmente quando a interação direta e a resposta imediata entre os peritos são minimizadas devido à falta de proximidade física. A transição para o ambiente virtual, apesar de amplamente adotada em várias etapas do processo arbitral, introduz uma nova dinâmica na avaliação das provas e dados apresentados. A adaptação à ausência de interações face a face entre os peritos e as partes envolvidas pode representar um desafio inicial, mas é um obstáculo superável.5
Embora muitos protocolos tenham sido agora elaborados sobre o tema das audiências virtuais6, com relação ao hot-tubbing, é recomendável adotar algumas práticas:As considerações acima significam que os advogados precisarão ser mais proativos para garantir que as provas apresentadas sejam claras e apresentadas adequadamente. Além disso, alguns peritos têm uma personalidade mais dominante que outros, de modo que o(s) outro(s) perito(s) falha(m) em ser eficaz(es) na apresentação de suas opiniões. Há também preocupações de que o hot-tubbing possa criar um ambiente que leva os peritos a se entrincheirarem em suas posições quando o perito pode temer perder credibilidade diante dos clientes, do perito oposto ou do tribunal.7
Enfim, a prática de hot-tubbing representa uma evolução na forma como as provas periciais são apresentadas e avaliadas em procedimentos arbitrais. À medida que continuar a ganhando aceitação, é provável que sua aplicação seja refinada, expandida e regulada de modo mais claro, contribuindo para o desenvolvimento e aplicação desse método na arbitragem.
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1 A expressão é uma metáfora, o "hot-tubbing" sugere a imagem de peritos relaxando juntos em uma banheira de hidromassagem, numa atmosfera mais colaborativa e menos confrontacional, embora, na prática, o processo seja rigorosamente estruturado e focado na elucidação de fatos e dados técnicos.