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O perfil dos árbitros dos procedimentos envolvendo a Administração Pública

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Atualizado às 07:42

Segundo a pesquisa "Arbitragem em Números"1 liderada pela arbitralista Selma Maria Ferreira Lemes, em 2022 houve 36 novas arbitragens envolvendo a Administração Pública Direta e Indireta, o que representa aproximadamente 11% do total de arbitragens entrantes naquele ano.

Esse alvissareiro dado revela um amadurecimento da arbitragem em relação à Administração Pública no Brasil, visto que até a reforma da Lei Brasileira de Arbitragem n.º 9.307/1996 ("LBA") em 2015, havia entendimentos, ainda que minoritários, que questionavam o uso da arbitragem por entes públicos.

Fato é que atualmente a Administração Pública ocupa grande lugar de destaque quando o assunto é arbitragem. Em outra pesquisa, realizada pela subscritora deste artigo, nos principais portais eletrônicos que divulgam informações sobre os casos envolvendo entes públicos2 foi constatada a existência de aproximadamente 40 procedimentos arbitrais envolvendo a União, Autarquias Federais e o Estado de São Paulo. Chama a atenção também os elevadíssimos valores em disputa, em que os casos atingem discussões sobre cifras milionárias e até mesmo bilionárias, como são as arbitragens no setor de Telecomunicações.

Com todo esse holofote nos procedimentos arbitrais envolvendo a Administração Pública, não se pode deixar de destacar outra peculiaridade envolvendo esse setor. Trata-se do critério de escolha dos árbitros

A escolha do árbitro é um dos atos mais importantes de todo o procedimento arbitral, seja pela indicação de um profissional verdadeiramente conhecedor da matéria objeto do litígio, seja pela necessidade de ter atenção redobrada para evitar possíveis nulidades referentes a impedimento - tão comuns atualmente na comunidade arbitral.

Nas arbitragens envolvendo a Administração Público existe um incômodo por parte do ente público com integrantes do tribunal arbitral que já tenham, porventura, atuado contra o Estado ou emitido opiniões contrárias aos interesses do Poder Público3.

Essa preocupação, inclusive, foi externalizada no Decreto n.º 64.356/2019, que dispõe sobre o uso da arbitragem que a Administração Pública do Estado de São Paulo seja parte. Segundo dispõe o art. 11, inciso II, o árbitro que exerce a advocacia, deve informar sobre a existência de demanda por ele patrocinada (ou por escritório do qual seja associado), contra a Administração Pública, bem como a existência de demanda por ele patrocinada ou por escritório do qual seja associado, na qual se discuta tema correlato àquele submetido ao respectivo procedimento arbitral.

Por isso, não é de se espantar que nos procedimentos arbitrais em curso em que são partes a União, Autarquias Federais e o Estado de São Paulo exista uma nítida predileção, parte da Administração Pública, pela indicação de profissionais cujo currículo tenha alguma atuação em órgãos públicos. Neste sentido, vale a pena ressaltar que dos 37 casos analisados, 14 árbitros também exercem, ou já exerceram, o cargo de Procuradores do Estado, sobretudo do Estado do Rio de Janeiro. Ademais, a pesquisa também constatou que os entes públicos já indicaram, 4 árbitros que já atuaram como magistrados do Poder Judiciário.

O perfil dos árbitros indicados pela Administração Pública pode revelar que existe uma expectativa de que, por terem os profissionais uma atuação pretérita, eles possam ter um entendimento mais favorável ao quanto é defendido pelo ente público no processo arbitral. 

Além disso, a pesquisa permitiu apurar um traço comum no perfil dos árbitros indicados tanto pela parte privada, como pelo ente público. Trata-se de um favoritismo pela indicação de profissionais que sejam acadêmicos e lecionam. Dos casos analisados, 29 árbitros são professores universitários reconhecidos em suas respectivas cátedras. Outro dado comum é que a maioria dos árbitros atua como advogado com reconhecida capacidade no mercado.

Também foi detectado pela pesquisa que os Tribunais Arbitrais são predominantemente formados por profissionais homens e apenas 15 são mulheres. Da totalidade dos casos, somente 6 procedimentos arbitrais tem como presidente do tribunal uma mulher. Isto é, a diversidade de gênero, infelizmente ainda não é uma realidade dentre os tribunais arbitrais.

Observa-se, ainda, que a experiência prática em procedimentos arbitrais envolvendo a Administração Pública tem demonstrado a fase de escolha dos árbitros tende a ser mais demorada quando comparado com procedimentos envolvendo apenas partes privadas. Isso porque, o ente público tende a apresentar longos questionamentos adicionais sobre os árbitros indicados e as objeções feitas aos árbitros indicados pelos entes privados também têm se revelado mais frequentes4.

Feitos estes apontamentos, espera-se que no futuro o perfil dos árbitros atuantes nos casos envolvendo entes públicos possa ser mais diverso e inclusivo, o que certamente enriquecerá a tomada de decisões.

__________

1 Disponível aqui, acesso em 15 de outubro de 2023.

3 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e administração pública. Primeiras reflexões sobre arbitragem envolvendo a Administração Pública. Revista Brasileira de Arbitragem, São Paulo, v. 13, nº 51, jul.-set., 2016.

4 Neste sentido: "O escrutínio sobre o nome em eventual impugnação deve ser especialmente rígido, para salvaguardar a tão prezada legitimidade do procedimento, quando envolve ente estatal. Isso não significa, contudo, que qualquer impugnação pelo ente público deve ser deferida. Há de se atentar, ainda, par aos possíveis problemas da nomeação de advogado público, se estiver vinculado a ente estatal que pode ter conflito semelhante[4]. Arbitragem com Entes Públicos: Questões Controvertidas. Arbitragem e Administração Pública: Temas Polêmicos. Joaquim de Paiva Muniz; Marcelo José Magalhaes Bonizzi e Olavo A. V. Alves Ferreira (coord.) - Ribeirão Preto, SP, Migalhas, 2018, p. 163).