Same same, but different: Arbitragens de investimento x arbitragens contratuais com o Poder Público
terça-feira, 29 de agosto de 2023
Atualizado às 08:17
É quase um sacrilégio viajar para a Tailândia e não comprar uma camisa de 1 dólar com os dizeres "same same but different". Ninguém sabe muito o que isso significa e há sérias dúvidas sobre a expressão ter realmente relação com o país asiático. Nada disso importa, porém, para o turista que, feliz, compra o seu nostálgico souvenir em um caótico mercado local.
Seja qual for a origem e o real significado, essa expressão cai como uma luva para uma comparação entre as arbitragens de investimento e as arbitragens comerciais com o Poder Público (estas aqui chamadas de "arbitragens contratuais"). Embora sejam soluções formalmente distintas para um conflito entre investidor e Estado, as semelhanças que existem entre ambas fornecem uma importante fonte para debates e reflexões.
Arbitragens de investimento x Arbitragem contratual
As distinções e semelhanças entre os dois foros de solução de conflitos já foram abordadas em ótimo artigo de Boni Soares e Fernando Filgueras1.
Em rápido resumo, pode-se dizer que a arbitragem de investimento decorre de um tratado celebrado entre dois ou mais Estados, no qual os signatários concordam em conferir a investidores estrangeiros proteções substantivas de Direito Internacional. Com base no que dispuser o tratado aplicável, o investidor que optar por investir fora de seu país de origem poderá fazer jus, por exemplo, a um "tratamento justo e equitativo" (cujo elemento central é a proteção de expectativas legítimas) e à "proteção contra expropriação (direta ou indireta)", que são as proteções mais comuns e relevantes.
Já arbitragens "contratuais" contra o Poder Público possuem fundamento em um contrato, que é o fator principal de proteção para o investidor, independentemente de sua nacionalidade. Além disso, utilizando a prática brasileira como base, o direito local também integra a legislação aplicável à disputa.
Logo, trata-se de searas totalmente distintas, correto? Nem tanto, como ilustram casos recentes da indústria do petróleo.
O caso Lone Pine v Canadá
Nessa disputa, uma empresa de petróleo instaurou contra o Canadá uma arbitragem fundada no antigo NAFTA, com o intuito de obter compensação financeira pela moratória legal, imposta pela província de Quebec, contra a utilização da controversa técnica do fraturamento hidráulico2. O resultado direto dessa moratória foi o cancelamento de licenças de exploração de petróleo que haviam sido previamente conferidas pela província canadense, fato que, na visão do investidor, configurou expropriação indireta e violação de suas expectativas legítimas3.
Existe uma disputa idêntica envolvendo a ANP. No caso Petra - blocos de São Francisco, a empresa instaurou contra a Agência uma arbitragem doméstica baseada no contrato de concessão de óleo e gás, que foi afetado por moratória imposta pelos órgãos ambientais de Minas Gerais, também contra a técnica do fraturamento hidráulico4. De maneira bastante semelhante ao caso Lone Pine, a concessionária também baseou seus pedidos, entre outros fundamentos, na tese de "expropriação regulatória" (figura idêntica à expropriação "indireta" de Direito Internacional) e na violação ao princípio da confiança legítima (figura idêntica à proteção internacional à legítima expectativa do investidor).
Se são várias as semelhanças fáticas e jurídicas, existe uma distinção digna de nota. Para arbitragens de investimento, pouco importa o poder constituído ou o ente federativo que praticou o ato discutido no procedimento: por regras de atribuição próprias do Direito Internacional, todo ato estatal é diretamente imputável à entidade nacional. Já para arbitragens contratuais, que são norteadas pela aplicação do contrato e do direito local, a análise da matriz de risco e a identificação do ente realmente responsável pelo dano são aspectos essenciais. Em suma, enquanto no caso Lone Pine pouco importava se a província Quebec fora o ente responsável pela moratória, no caso Petra v ANP o ponto controvertido é exatamente discutir se o comportamento do Estado de Minas Gerais pode ser imputado à Agência.
"O caso Eco Oro v Colombia
Outra disputa, decorrente do tratado de investimento celebrado entre Canadá e Colômbia, demonstra a aproximação entre arbitragens de investimento e arbitragens contratuais. No caso Eco Oro, a empresa de mineração vinha realizando operações em uma área parcialmente inserida nos páramos (um ecossistema dotado de especial sensibilidade ambiental), até que uma sucessão de atos estatais (legislativos, administrativos e judiciais) resultou na imposição de uma zona de exclusão ambiental e na consequente suspensão das atividades5. Semelhante ao caso Lone Pine, a proteção contra expropriação indireta e a preservação das expectativas legítimas do investidor representam o principal aspecto jurídico da disputa.
Tema semelhante já foi tratado em diversos casos da ANP. Nos casos Newfield e Dommo, a cessação das operações decorreu do indeferimento de licenças ambientais, mas o pano de fundo envolvia o recrudescimento da posição do IBAMA quanto à viabilidade de atividades exploratórias em regiões ambientalmente sensíveis. Já nos casos Petra/Bayar e Petra/Bayar/Copel/Tucuman, os contratos foram suspensos por decisões judiciais que tiveram o declarado objetivo de evitar danos ao meio ambiente6.
À exceção do caso Dommo, que segue em andamento, as sentenças arbitrais dos três outros casos foram no sentido de que não seria viável imputar à ANP a responsabilidade por atos de outro órgão (IBAMA) ou Poder (Justiça Federal), à luz da matriz de risco contratual. Já no caso Eco Oro, que discute as consequências de atos praticados por diversos órgãos e níveis federativos, esse aspecto subjetivo não é relevante.
Mas e aí?
A aproximação entre arbitragens de investimento e arbitragens contratuais parece óbvia, como demonstram os casos narrados acima. E o que isso traz de relevante?
De um lado, a análise comparativa entre os institutos deve ser cautelosa. Principalmente no plano material, existe uma distinção bastante relevante entre os parâmetros decisórios de uma arbitragem de investimento, que é uma operação jurídica de Direito Internacional, e de uma arbitragem contratual, cujo foco é o contrato e a legislação nacional.
Ainda assim, estudar arbitragens de investimentos traz duas importantes contribuições para a prática brasileira. Primeiro, a semelhança entre situações tratadas em casos nacionais e internacionais demonstra que os problemas de nossa terra brasilis não são tão peculiares assim e também se manifestam em países desenvolvidos. Segundo, o estudo de institutos bem desenvolvidos na prática de investimento, como é o caso do princípio da deferência[7], pode auxiliar na atividade interpretativa em arbitragens contratuais.
De outro lado, a prática da arbitragem contratual com a Administração Pública, que é relativamente nova, pode se beneficiar do amadurecimento institucional que o sistema de arbitragens de investimento já adquiriu após décadas de utilização. Atualmente, este tipo de solução de disputa pautado em tratados está sob forte crítica, centrada principalmente na necessidade de conferir maior legitimidade, transparência e accountability ao instituto e a seus operadores, como bem notado no artigo de Boni e Filgueras.
Medidas de aprimoramento para arbitragens de investimento, portanto, podem ser transpostas para as arbitragens contratuais da Administração. Mas esse tema fica para um novo artigo. Que provalmente não vai ser tão igual, nem tão diferente.
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1 Artigo "A cortina de fumaça em meio à arbitragem investidor-Estado no Brasil" .
2 O artigo "The legal status of fracking worldwide: an environmental law and human rights perspective", de Héctor Herrera, possui um bom apanhado da discussão internacional sobre o tema.
3 Os documentos do caso podem ser consultados no site.
4 A Ata de Missão está disponível no site.
5 Vide documentos disponíves aqui.
6 Os documentos dos casos também podem ser consultados no site da ENARB/PGF.
7 Conferir a tese de mestrado "Controle da administração pública pela via arbitral", de Evandro Pereira Caldas.