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Honorários de sucumbência e arbitragem: observações práticas

terça-feira, 23 de maio de 2023

Atualizado às 08:37

Introdução

A arbitragem, como método de solução de disputas, possui vantagens conhecidas tais como a celeridade do procedimento (em média com duração de 19 meses),1 a possibilidade de escolha dos árbitros, a flexibilização do procedimento, e a confidencialidade. Em resumo, usando a autonomia da vontade, as partes elegem a arbitragem como meio de solução de seu conflito e, com isso, podem nomear o(s) árbitro(s), estabelecer a competência dos mesmos, e flexibilizar o procedimento (e.g: decidir sobre os prazos do procedimentos arbitral).

No entanto, uma das grandes vantagens da arbitragem e que em nossa opinião é subestimada é a não condenação em honorários advocatícios nos termos do artigo 85 § 2º do Código de Processo Civil. Claro que essa afirmação deve ser lida com parcimônia uma vez que no Direito nem todos os caminhos levam à Roma.

Cabe lembrar que a Lei de Arbitragem dispõe quanto à não obrigatoriedade de participação de advogado, uma vez que o §3º do art. 21 da Lei de Arbitragem enuncia que "as partes poderão postular por intermédio de advogado", o que revela a faculdade da presença do advogado. A regra, no entanto, é a representação por intermédio de advogados ainda mais quando tratamos de disputas complexas que envolvem altos valores.

O objetivo desse artigo é tratar sobre a (im)possibilidade de condenação em honorários sucumbenciais na arbitragem.

Honorários sucumbenciais e observações práticas na arbitragem

A lei 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) dispõe em seu artigo 27 que a sentença arbitral decidirá sobre a responsabilidade das partes acerca das custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre verba decorrente de litigância de má-fé, se for o caso, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, se houver. Tal dispositivo é referendado pelos regulamentos de arbitragem das principais câmaras nacionais (e.g. Artigo 30.4 do regulamento do CAM-CCBC de 2022: 30.4 Observado o acordado pelas partes, a sentença arbitral estabelecerá a responsabilidade pelas custas e demais despesas incorridas com a arbitragem e o seu respectivo rateio.)

Os árbitros devem observar as regras da convenção de arbitragem, o que for estabelecido pelas partes no termo de arbitragem (instrumento organizador do procedimento) e, acima de tudo, as normas da instituição que administra o procedimento, ou seja, o regulamento de arbitragem. Os regulamentos de arbitragem abordam a alocação de custas pelo tribunal arbitral. Ou seja, os árbitros podem alocar as custas2 de forma desigual entre as partes se uma dessas, por exemplo, atuou com má-fé durante o procedimento.

No entanto, essa alocação de custas se restringe a reembolso de honorários advocatícios o que é completamente distinto de condenação em honorários de sucumbência. Reembolso de honorários significa dizer que a parte que despendeu das verbas advocatícias receberá o reembolso. Já os honorários sucumbenciais, nos termos do CPC e do Estatuto da OAB, são verbas que cabem ao advogado (vide artigo 23 da Lei 8.906/1994 - Estatuto da OAB). Cabe observar também que os árbitros só poderiam condenar em reembolso de honorários pró labore, ou seja, aquele montante fixo pago pela atuação no procedimento arbitral. Não caberia no caso estipulação de reembolso de honorários referentes de êxito no certame (ad exitum ou cláusula de sucesso). O árbitro prudente pode e deve solicitar o contrato de honorários firmado entre as partes e seus patronos para melhor delinear o dispositivo de sua sentença.

Na prática arbitral temos observado as seguintes situações:

  1. As partes nada estipulam, prevalece o regulamento de arbitragem institucional, e os árbitros condenam ou não a parte sucumbente em reembolso de honorários (nos termos do artigo 27 da lei de arbitragem e do regulamento de arbitragem).
  2. As partes estipulam a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao procedimento arbitral e os árbitros condenam em honorários de sucumbência nos termos do artigo 85 do CPC (na nossa visão tal condenação é imprópria e explicaremos a seguir).
  3. As partes nada estipulam, prevalece o regulamento de arbitragem institucional, e mesmo assim os árbitros condenam em honorários de sucumbência a parte derrotada.
  4. As partes estipulam em termo de arbitragem que os árbitros poderão condenar em honorários sucumbenciais nos termos do Código de Processo Civil. Nesse caso, eventual condenação está correta uma vez que a autonomia das partes prevalece.

A nosso ver nas hipóteses 2 e 3 a condenação em honorários sucumbenciais é incorreta. Ao estipularem a aplicação subsidiária do CPC as partes não estão estipulando a aplicação supletiva do código. A aplicação subsidiária é o mero preenchimento de lacuna, ausência de norma, já a aplicação supletiva significa a complementação normativa, ou seja, permitiria uma inovação na arbitragem como a condenação em honorários sucumbenciais (e.g. vide o artigo 15 do CPC que estipula que na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente). Defendo aqui uma interpretação restritiva, ou seja, o CPC deverá ser aplicado apenas na ausência de normas no regulamento de arbitragem e na lei de arbitragem. Portanto, em caso de estipulação de aplicação subsidiária do CPC ao procedimento arbitral não considero cabível a condenação em honorários sucumbenciais, somente em eventual reembolso de honorários. De outra sorte, a condenação seria cabível se houvesse previsão de aplicação supletiva.

Quando as partes nada estipulam em termo de arbitragem (neste caso o advogado deve estar investido de poderes especiais e expressos na procuração para firmar o termo de arbitragem nos termos do artigo 662, §2º do Código Civil de 2002. Ou seja, não basta apenas estar investido dos poderes de representação geral posto que o termo de arbitragem se assemelha ao compromisso arbitral)3 ou convenção arbitral (vide artigo 11, V da Lei de Arbitragem que aborda o compromisso arbitral) sobre condenação em honorários sucumbenciais ou aplicação supletiva do CPC, neste caso, por obviedade não cabe a referida condenação. No entanto, já vimos tal condenação ocorrer.

Com relação à arbitragem com administração pública o mesmo entendimento se aplica. Será possível a condenação em honorários sucumbenciais somente se definidos da assim estabelecido em compromisso arbitral (ou termo de arbitragem) ou em norma específica do Ente Federado que integra a arbitragem uma vez que a Lei de Arbitragem não dispõe sobre o tema.

Nota conclusiva 

O magistrado deve observar a lei, o árbitro deve observância à vontade das partes. Se a condenação em honorários sucumbenciais for estipulada de forma expressa pelas partes em convenção arbitral ou em termo de arbitral, portanto, o árbitro poderá condenar a parte derrotada. Se não houver estipulação, ou se houver estipulação de mera aplicação subsidiária do CPC (e não supletiva) o tribunal poderá condenar apenas em reembolso de honorários advocatícios (pró-labore). Eventual condenação em honorários sucumbenciais nesta hipótese poderá ser considerado julgamento extra petita e caberia em primeiro lugar o pedido de esclarecimentos (embargos arbitrais - artigo 30 da Lei de Arbitragem) e, caso a sentença não seja modificada, eventual ação anulatória de sentença arbitral visando anular parcialmente a sentença (apenas esse trecho da condenação) de acordo com o artigo 32, IV da Lei de Arbitragem, ou seja, a sentença deve ser considerada como proferida fora dos limites da convenção de arbitragem.

Em suma, o tema merece ser debatido e aprofundado, no entanto, arbitragem eficiente é arbitragem célere e com previsibilidade para as partes em termos de custos. Condenação em honorários de sucumbência equivocada ou sem previsão das partes é condenação que, a nosso ver, não deve ocorrer e retira do instituto essa vantagem tão essencial e, no entanto, pouco abordada.

__________

1 Vide pesquisa sobre Arbitragem em Números e Valores da Professora Selma Lemes. Acesso: 26.04.2023.

2 As custas do procedimento são as seguintes: a) custas do órgão arbitral (taxa de instauração do procedimento e taxa de administração do procedimento, com pagamento mensal ou único a depender da entidade administradora do procedimento); b) despesas que incorrerem durante o procedimento (diligências, reuniões, audiências, deslocamento, entregas de documentos, traduções, reproduções especiais de documentos, gravações, gastos com perícia, avaliações, visitas técnicas); e c) honorários dos árbitros. SCHMIDT, Gustavo; FERREIRA, Daniel B.; OLIVEIRA, Rafael C. R.; Comentários à Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora Método, 2021.