Algumas reflexões sobre recente decisão do STJ a respeito do prazo de noventa dias para impugnar a decisão arbitral
segunda-feira, 1 de novembro de 2021
Atualizado às 09:12
Em recente decisão, entendeu o STJ, no REsp 1.900.136-SP, relatado pela Ministra Nancy Andrighi que, embora a declaração de nulidade da sentença arbitral possa ser pleiteada tanto pela via de ação declaratória de nulidade (art. 33, § 1º da LA), quanto por impugnação ao cumprimento de sentença arbitral (art. 33 §3º da LA), haverá, em ambos os casos, imposição do prazo decadencial de 90 dias.
No caso, a recorrente apresentara impugnação à ação de cumprimento de sentença arbitral, suscitando a nulidade por cerceamento de defesa, em razão do indeferimento de prova pericial, além de violação ao art. 524 do CPC, por não comprovados os desembolsos para verificação dos cálculos apresentados. O TJ/SP verificou que a impugnação estava baseada apenas no art. 32, inciso VIII da LA, reconhecendo a decadência, diante do decurso do prazo nonagesimal, visto que a matéria não integra o rol previsto no art. 525, § 1º do CPC. Postulou-se, assim, no recurso especial, o afastamento da decadência.
Confirmando a decisão do TJ/SP, concluiu o STJ que, na hipótese de impugnação ao cumprimento, se a execução for ajuizada após o decurso desse prazo decadencial, "a defesa da parte executada fica limitada às matérias especificadas no art. 525, § 1º, do CPC, sendo vedada a invocação da nulidade da sentença nas matérias definidas no art. 32 da lei 9.307/96".
Algumas questões podem ser suscitadas a propósito do acórdão do STJ:
a) a primeira, de ordem teórica, diz respeito à natureza da decisão que reconhece a invalidade da sentença arbitral. Nos termos do art. 33 da LA, a parte interessada poderá pleitear "a declaração de nulidade da sentença arbitral", e a sentença que julgar procedente o pedido "declarará a nulidade da sentença arbitral, nos casos do art. 32, e determinará se for o caso, que o árbitro ou tribunal profira nova sentença arbitral" (§ 2º do art. 33).
Em que pese a terminologia utilizada pelo legislador, a tutela jurisdicional prevista no art. 33, para atacar a sentença arbitral, quando qualificada como nula pela lei, tem, segundo a doutrina1, natureza desconstitutiva, e não, declaratória. Como ensina Cândido Rangel Dinamarco, a demanda tem claramente natureza constitutiva negativa, pois "a pronúncia de sua procedência tem por efeito a implantação de uma situação jurídica nova, mediante a eliminação da sentença impugnada"2.
Com efeito, até o advento da decisão judicial que invalide a sentença arbitral, esta produz normalmente seus efeitos, não sendo, pois, de se declarar uma nulidade preexistente, mas de desconstituir uma decisão até então válida e eficaz. E esse objetivo pode ser alcançado, indiferentemente, tanto pela via da denominada "ação de nulidade" do art. 33, como em sede de impugnação ao cumprimento da sentença arbitral, desde que presente uma das hipóteses elencadas no art. 32.
b) um segundo ponto, de grande relevância prática, foi levantado na doutrina citada na fundamentação do voto da Ministra Relatora. Qual seja, o argumento de que, com relação à impugnação ao cumprimento da sentença, evidentemente não seria aplicável o prazo de 90 dias, "mesmo porque não terá o executado como controlar a ocasião em que, na execução, lhe será facultado defender-se do requerimento do cumprimento de sentença".3
Ora, se a lei arbitral enumera no art. 32 as hipóteses, de natureza processual, para sua invalidação4, assim como os meios legais de impugnação, não seria razoável exigir-se que o executado, por cautela, ajuizasse previamente ação de nulidade apenas para não sofrer os efeitos da decadência quanto à matéria arguível no âmbito da ação de cumprimento de sentença.
Ficaria esse direito de ampla impugnação, pois, restringível por um fator externo e incontrolável pelo executado, qual seja, a maior ou menor fluidez do andamento processual.
Assim, a exegese restritiva do direito de defesa do executado não se coaduna com a natureza desconstitutiva da via impugnatória da decisão arbitral, por qualquer dos seus meios, visto não distinguir a lei arbitral as matérias invocáveis para cada meio de impugnação, nem podendo ser o devedor punido pela eventual demora do processamento da impugnação ao cumprimento de sentença.
c) por último, vale lembrar a existência de vícios que não podem ser convalidados pelo simples transcurso do prazo de noventa dias. Esse tema, naturalmente polêmico, pode envolver diferentes perspectivas, como a da flexibilização da coisa julgada, que é pacífica no contexto da jurisprudência, e o da querela nullitatis insanabilis (a hipótese prevista no art. 525, parágrafo primeiro, I, aplica-se à arbitragem e, portanto, não se sujeita à prazo), assim como a ilicitude da prova utilizada que, ao menos em princípio, pode levar a questionamentos não sujeitos a esse prazo.5 Também seria possível tratar desse tema na perspectiva da "inexistência", mas isso fica para outra oportunidade.
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1 CAHALI, Francisco José, Curso de Arbitragem. São Paulo : Thomson Reuters, 2017, p. 385.
2 DINAMARCO, Cãndido Rangel, A arbitragem na teoria geral do processo. São Paulo : Malheiros, 2013, p. 236.
3 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. São Paulo : RT, vol. 3, p. 574.
4 Assim, são hipóteses de nulidades processuais, dentre outras, quando a sentença arbitral: emanou de quem não podia ser árbitro; não continha os requisitos obrigatórios (relatório, fundamentos de fato e de direito, dispositivo, data e lugar em que foi proferida); desrespeitou os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento; ou foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem. Já, em se tratando da hipótese de nulidade da convenção arbitral, trata-se de vício legal de ordem material, referente a um negócio jurídico, que já tem previsão de nulidade nos casos dos art. 166 (incapacidade, objeto ou motivo determinante ilícito, inobservância da forma ou solenidade legal, fraude à lei ou proibição legal) e 167 (simulação)do Código Civil. Tais hipóteses, segundo a doutrina dominante, não são taxativas.
5 V., a propósito, a tese de Doutorado "Provas Ilícitas e Arbitragem" defendida por Luiz Francisco Torquato Avolio este ano na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, tendo por orientador Marcelo José Magalhães Bonizzi.