COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Novos Horizontes do Direito Privado >
  4. A locação urbana e a denúncia vazia na contratação verbal ou por escrito com prazo inferior a trinta meses

A locação urbana e a denúncia vazia na contratação verbal ou por escrito com prazo inferior a trinta meses

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Atualizado às 08:26

Em continuidade ao artigo publicado na última edição da nossa Coluna, pretendemos abordar nesta oportunidade as questões de maior relevância a respeito da locação urbana contratada verbalmente ou por escrito com prazo inferior a trinta meses. Partimos do art. 47, da lei 8.245/91.

Art. 47. Quando ajustada verbalmente ou por escrito e com o prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga-se automaticamente, por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado o imóvel:

I - nos casos do art. 9º;

II - em decorrência de extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do imóvel pelo locatário estiver relacionada com o seu emprego;

III - se for pedido para uso próprio, de seu cônjuge ou companheiro, ou para uso residencial de ascendente ou descendente que não disponha, assim como seu cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio;

IV - se for pedido para demolição e edificação licenciada ou para a realização de obras aprovadas pelo Poder Público, que aumentem a área construída em, no mínimo, vinte por cento ou, se o imóvel for destinado a exploração de hotel ou pensão, em cinquenta por cento;

V - se a vigência ininterrupta da locação ultrapassar cinco anos.

§ 1º Na hipótese do inciso III, a necessidade deverá ser judicialmente demonstrada, se:

a) o retomante, alegando necessidade de usar o imóvel, estiver ocupando, com a mesma finalidade, outro de sua propriedade situado na mesma localidade ou, residindo ou utilizando imóvel alheio, já tiver retomado o imóvel anteriormente;

b) o ascendente ou descendente, beneficiário da retomada, residir em imóvel próprio.

§ 2º Nas hipóteses dos incisos III e IV, o retomante deverá comprovar ser proprietário, promissário comprador ou promissário cessionário, em caráter irrevogável, com imissão na posse do imóvel e título registrado junto à matrícula do mesmo.

1. Cabe lembrar que este dispositivo se refere exclusivamente à locação residencial urbana. A redação do caput apresenta uma dubiedade quando determina a prorrogação automática da locação por tempo indeterminado. O intérprete pode ser levado a entender que a prorrogação referida deve ser aplicada não só aos contratos escritos, mas também aos verbais, com prazo inferior a trinta meses, tudo por conta do uso não adequado da conjunção aditiva "e".

A locação contratada de forma verbal não admite a denúncia imotivada prevista no art. 46, § 1º, porque o caput daquele dispositivo é expresso: "Nas locações ajustadas por escrito e por prazo igual ou superior a trinta meses..."

Logo, a interpretação que se impõe é no sentido de que a denúncia da locação residencial contratada verbalmente sempre incidirá no art. 47, ainda que se possa admitir em tese que verbalmente se contratou por tempo determinado (o que a lei não admite), igual ou superior a trinta meses. Deve-se entender, portanto, que a prorrogação por tempo indeterminado da locação prevista no art. 47 se aplica exclusivamente aos contratos escritos com prazo inferior a trinta meses, porque a locação verbal é considerada pela lei como locação por tempo indeterminado, nos termos exatos da Súmula 24 do TJ/SP. Sendo a locação contratada de forma verbal, a denúncia imotivada só poderá ser admitida quando a sua vigência ultrapassar cinco anos (inc. V).

O dispositivo agora comentado cria um efeito anormal para o contrato, uma espécie de ultratividade, quando estabelece que depois de vencido o tempo contratado da locação, que é a sua causa natural de extinção, a relação continua por tempo indeterminado, mesmo contra a vontade do locador, como se o contrato não estivesse sujeito a termo. O contrato escrito, firmado, por exemplo, para doze meses de locação, só autoriza a retomada do imóvel pelo locador se, depois de vencido, ele tiver um dos motivos elencados nos quatro incisos do art. 47. Se ele não tiver um desses motivos para pedir a retomada do imóvel, a locação é prorrogada por tempo indeterminado por força da lei - automaticamente - e só poderá ser denunciada, sem motivo (denúncia vazia), depois de cinco anos de vigência.

Foi assim que a lei estabeleceu o mínimo de duração e estabilidade para a locação residencial urbana. Restringiu a autonomia do locador na contratação, com o propósito de estimular a contratação mais longa da locação, por escrito e por tempo igual ou superior a trinta meses. Vale lembrar que é nula a cláusula contratual que dispor de forma contrária à prorrogação (art. 45) e que as hipóteses de retomada do imóvel pelo locador previstas no art. 47 são fechadas, não admitindo interpretação extensiva.

Em resumo, contratada verbalmente, ou por escrito, mas com tempo inferior a trinta meses e vencido, a retomada do imóvel só poderá ocorrer pelos motivos indicados nos incisos II, III e IV do art. 47. Somente depois de cinco anos de vigência abre-se ao locador a denúncia imotivada (inc. V). Só poderá ser retomado o imóvel a qualquer momento, mesmo contratada a locação por tempo determinado, quando ocorrer a hipótese do inc. I do art. 47, que remete o intérprete para o art. 9º da lei.

2. A primeira hipótese legal de denúncia motivada (inc. I) se refere às causas do art. 9º. São hipóteses que autorizam o rompimento da locação independentemente do prazo contratado.

Entre as causas de retomada do art. 9ª, que se aplicam a qualquer contrato de locação, encontram-se duas (inc. II e III) que se referem ao descumprimento do contrato (infração contratual e falta de pagamento do aluguel e encargos da locação). Haverá nestes dois casos a resolução do contrato, e o seu efeito natural é a retomada do imóvel, independentemente do prazo da locação, pois rompido o contrato (sinalagmático) pelo inadimplemento. Nestes casos de violação do contrato pelo locatário, opera a cláusula resolutiva expressa ou tácita, dispensando-se a notificação para o ajuizamento do pedido de retomada.

Outra causa de retomada do imóvel prevista no art. 9º é para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder Público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti-las (inc. IV). A urgência das reparações, que colocam em risco os ocupantes e o próprio imóvel, justifica o rompimento da locação, independentemente do prazo contratado. O locador tem o dever de entregar o imóvel locado em estado de servir ao uso a que se destina (art. 22, I), e se obriga, igualmente, a assegurar que durante a locação o locatário tenha o imóvel em condições a servir ao uso destinado, respondendo pelos vícios ou defeitos anteriores (art. 22, IV). Não obstante a causa legal para denúncia da locação, se ao locador se puder imputar a falta a esse dever, caberá a devida reparação ao locatário pelos danos que sofrer em razão do rompimento da locação ajustada por tempo determinado. Todavia, se as reparações urgentes determinadas pelo Poder Público decorrem de causa estranha (ex. acidente, terceiros), ao locatário não assiste nenhum direito contra o locador.

Prevê ainda o art. 9º que a locação pode ser desfeita por mútuo acordo (inc. I). Cuida-se neste caso do distrato ou resilição bilateral. A vontade que atuou para a contrato é a vontade que se exige para o distrato, que deve seguir a mesma forma exigida para o contrato (art. 472, CC).

Pode ser ajustada no distrato a desocupação do imóvel em prazo certo, e quando não for observado o prazo, o locador pode retomar o imóvel por ação de despejo. Caberá liminar de despejo para desocupação em 15 dias se o distrato foi celebrado por escrito e assinado pelas partes e por duas testemunhas, no qual tenha sido ajustado o prazo mínimo de seis meses para desocupação, contado da assinatura do instrumento (art. 59, I). Não se exige notificação prévia neste caso, porque a obrigação de restituir o imóvel está sujeita a termo, previsto no distrato. Se o prazo para desocupação do imóvel pelo locatário ajustado no distrato for inferior a seis meses, não se inibe o despejo, mas somente a liminar.

3. Prevê o art. 47, inc. II, que a retomada do imóvel poderá ocorrer se a locação está vinculada ao contrato de trabalho extinto por qualquer motivo. O contrato de locação, neste caso, se mostra conexo ao contrato de trabalho. Logo, extinto o contrato de trabalho, igual efeito se impõe ao contrato de locação. É o caso do imóvel locado ao zelador do edifício, que pode ser retomado logo que extinto o seu contrato de trabalho. A hipótese da lei cuida de um contrato de locação entre empregador e empregado realizado em razão do contrato de trabalho. A locação é um contrato oneroso e pressupõe o pagamento de aluguel. Se o empregado tem a posse do imóvel a outro título (ex. comodato), ou se o uso do imóvel é parte do salário (o empregado não paga diretamente o aluguel), ou se a locação não está ligada diretamente ao contrato de trabalho, não cabe ação de despejo com esse fundamento. Poderá ser admitido o despejo por outra causa (se há contrato de locação) ou a ação possessória (se não há locação, mas outra relação jurídica). O contrato escrito pode bem dizer da natureza da contratação.

Caso o contrato de trabalho sofra modificação, sem rompimento, não há motivo para retomada do imóvel.

4. A hipótese de retomada prevista no inc. III do art. 47 foi muito comum nos últimos anos de vigência da lei anterior, porque representava uma forma de retomada do imóvel pelo locador diante da impossibilidade da denúncia vazia.

É preciso notar que são duas causas distintas de retomada do imóvel. Uma delas é para uso próprio (mais amplo) do locador, do seu cônjuge ou companheiro. A outra hipótese é para uso residencial do ascendente ou descendente do locador.

Nesses litígios versando a retomada para uso do imóvel não era incomum a discussão sobre a sinceridade do pedido. Essa questão não é tranquila na doutrina e na jurisprudência, porque a lei não incluiu a sinceridade como um requisito para a retomada. Ademais, a sinceridade do pedido quase sempre só pode ser aferida a posteriori. Basta, a rigor, verificar se o pedido do locador está compreendido nas hipóteses legais, dispensando-se o exame subjetivo e de difícil apuração das reais intenções do locador. Não quer dizer, todavia, que as evidências de simulação do pedido não possam ser apreciadas pelo Juiz, não exatamente do ponto de vista da sinceridade, mas da simulação de interesse processual (interesse-adequação), traduzido pela necessidade, não existente no caso.

Preferiu a lei vigente exigir a demonstração judicial da necessidade (e não sinceridade) somente nas situações referidas no parágrafo primeiro do art. 47. São situações em que há dúvida sobre a necessidade. É o caso do pedido de retomada para uso próprio, quando o locador usa outro imóvel seu como residência na mesma localidade ou se, usando imóvel alheio, já retomou o imóvel objeto da locação por esse motivo anteriormente (§1º, "a").  

Uso próprio não quer dizer que o locador ou seu cônjuge ou companheiro deverão ocupar o imóvel pessoalmente. Basta que se verifique uma relação de proveito pessoal do imóvel.

A propósito da retomada motivada para uso próprio do locador, ou do seu cônjuge e companheiro, ou para uso de seu descendente e ascendente, vale lembrar os enunciados das Sumulas do STF, que ainda são pertinentes: 409 - Ao retomante, que tenha mais de um prédio alugado, cabe optar entre eles, salvo abuso de direito; 410 - Se o locador, utilizando prédio próprio para residência ou atividade comercial, pede o imóvel locado para uso próprio, diverso do que tem o por ele ocupado, não está obrigado a provar a necessidade, que se presume; 483 - É dispensável a prova da necessidade, na retomada de prédio situado em localidade para onde o proprietário pretende transferir residência, salvo se mantiver, também, a anterior, quando dita prova será exigida; 484 - Pode, legitimamente, o proprietário pedir o prédio para a residência de filho, ainda que solteiro, de acordo com o art. 11, nº III, da Lei nº 4.494, de 25.11.64;  486 -  Admite-se a retomada para sociedade da qual o locador, ou seu cônjuge, seja sócio, com participação predominante no capital social.

Também se exige a prova judicial da necessidade se o ascendente ou descendente usa imóvel próprio para residência (§1º, "b").

Sustenta-se na doutrina que a retomada fundada no inc. III, quando não incidentes as hipóteses previstas no respectivo parágrafo primeiro, conta com presunção de sinceridade do locador. Melhor seria dizer que a presunção é de necessidade. Essa presunção relativa pode ser afastada mediante prova em sentido contrário do locatário, que tem o ônus de fazer. Essa matéria, quando levada à decisão do Juiz, está evidentemente sujeita ao exame das circunstâncias.

O direito de retomada do imóvel para uso do locador, como proprietário que é, deve ser interpretado de forma ampla, não cabendo substituir o seu exclusivo juízo de conveniência, do qual é soberano. Há casos na jurisprudência de impugnação a esse direito quando o locador quer fazer uso do imóvel, que está localizado em cidade litorânea, para fins de lazer. Não cabe negar a retomada neste caso, porque o proprietário pode dar à coisa o destino que desejar em proveito próprio. Também já se questionou a sinceridade do pedido do locador quando dispõe ele de outros imóveis próprios. Todavia, a escolha do imóvel não pode ser discutida, compreendida que está no juízo de conveniência do locador, sem olvidar que, para a retomada de prédio situado fora do domicílio do locador exige-se a prova da necessidade (Sum. 80 do STF).

O condômino não precisa de autorização dos demais proprietários comuns para retomar o imóvel para uso próprio. Aplica-se ao condomínio geral e voluntário a teoria da propriedade integral ou da subsistência acolhida no art. 1.314 do CC, que reconhece no condômino o direito pleno sobre a coisa em relação a terceiro.

Se o imóvel está sujeito ao usufruto, não tem o proprietário direito à sua retomada para uso próprio, porque o direito ao uso e fruição pertence exclusivamente ao usufrutuário (STJ - REsp n. 40.288-3, rel. Min. Anselmo Santiago, j. 02.06.98, Dj. 03.08.98).

Outra dúvida que já foi levada aos tribunais diz respeito ao pedido de retomada para uso próprio em favor de pessoa jurídica, entendendo-se que não pode haver restrição a esse direito do locador, mesmo que seja para alojar funcionários ou diretores.

Já se admitiu a retomada do imóvel pelo condomínio para uso próprio, quando se pede a restituição do imóvel locado a terceiro para uso, agora, do zelador.

Já foi admitido o pedido de retomada do imóvel pelo espólio para uso de herdeiro (STJ - REsp n. 37.020/SP, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini).

Vale lembrar que o pedido de retomada do imóvel nos casos de uso próprio ou uso de ascendente ou descendente só pode ser admitido depois de findo o prazo da locação contratado e deve ser feito com a indicação precisa do ascendente ou descendente que pretende usar o imóvel.

A retomada para uso próprio, do cônjuge ou companheiro, pode ser promovida para destinação diversa da locação. Todavia, quando a retomada é para uso de ascendente ou descendente, a lei consigna expressamente que neste caso a finalidade deve ser o uso residencial (inc. III). Não há nenhuma restrição da lei à retomada em favor de neto ou descendente mais distante, também para uso residencial.

Questão interessante diz respeito à retomada do imóvel para uso de descendente ou ascendente por afinidade, como é o caso de enteados e sogros, inclusive na afinidade estabelecida pela união estável. A jurisprudência mais antiga de São Paulo, inclusive em relação à aplicação da lei anterior, aceitava o pedido em favor dos parentes em linha reta por afinidade. Nos parece que essa orientação deve ser mantida e agora com mais razão pela modificação das relações familiares ocorrida nos últimos anos, que reforçou o valor afetivo dessas relações de afinidade nas relações familiares, chamadas sobrepostas ou reconstituídas.

Não é o caso, contudo, da chamada filiação sócio-afetiva, que decorre exclusivamente de um vínculo afetivo e não do parentesco. A referência não é a respeito de enteados ou sogros por afinidade, mas a exclusivas relações afetivas não determinadas pela união estável.  A jurisprudência certamente terá que enfrentar este tema quando o pedido de retomada for motivado para uso de filho ou pai afetivo, cujo vínculo não é registral e também não decorre da união estável. Entendemos que é razoável admitir a retomada do imóvel nesse caso, menos pelo valor jurídico que se possa estabelecer nesta relação, que ainda se mostra controverso no direito brasileiro, e mais pelo direito do locador destinar o imóvel ao uso de pessoa que lhe está intimamente ligada por uma relação afetiva muito próxima da paternidade.

5. Estabelece o art. 47, inc. IV, a retomada do imóvel, e também neste caso depois de findo o contrato, ou quando celebrado verbalmente, para demolição e edificação ou realização de obra (reforma) que aumente a área construída do prédio em no mínimo 20%. É preciso distinguir as duas hipóteses de retomada previstas neste dispositivo. Uma delas é para demolição e edificação. Neste caso não pode ser admitida a retomada só para a demolição do prédio. É necessário que a demolição seja destinada a uma nova edificação, independentemente da área construída. A outra hipótese é para a realização de obra (reforma).

O aumento de área só deve ser exigido quando se cuida da retomada destinada à realização de obra (reforma) aprovada pelo Poder Público. A obra é voluntária, o que distingue a retomada neste caso da hipótese do art. 9º, IV, que se refere a reparações urgentes determinadas pelo Poder Público. A Súmula 374 do STF já enunciava essa diferença: Na retomada para construção mais útil, não é necessário que a obra tenha sido ordenada pela autoridade pública. Cabe ao locador comprovar desde logo, com a petição inicial, os requisitos da lei para a retomada, como a aprovação do projeto.

Caso o imóvel seja destinado a exploração de hotel ou pensão, o aumento da área construída deve ser no mínimo de cinquenta por cento. É o que está escrito na parte final do art. 47, inc. IV. Esta disposição da lei é controversa. Se o imóvel é destinado a hotel ou pensão, não se cuida de locação residencial e a parte final do dispositivo está mal colocada. Ademais, se a locação não é residencial e está prorrogada por tempo indeterminado, a denúncia não precisa ser motivada (art. 57). Todavia, se a retomada foi motivada para demolição e edificação, não exige a lei do locador (primeira parte do dispositivo comentado) aumento de área construída. Pode-se dizer, portanto, que esta parte final do dispositivo não tem nenhum efeito.

O critério da lei para autorizar a retomada do imóvel no caso do art. 47, inc. IV, está fundado especialmente na obra que aumente a área construída. Acreditamos que a jurisprudência pode temperar o rigor da lei para admitir obra que promova a modernização da edificação, sem aumento importante da área construída. Ademais, o aumento da área construída pode não representar aumento da área útil para a locação. A finalidade da lei, no fundo, é melhorar a oferta de imóveis para moradia, o que compreende também a atualização das edificações. É o que ocorre no pedido de retomada para demolição e edificação. A nova edificação pode ser de qualquer natureza, porque o que importa é o interesse legítimo do locador em renovar e atualizar a edificação.

É necessário atentar para o fato de que, retomado o imóvel para esse fim, a locação foi resilida unilateralmente e não será restabelecida depois da edificação ou da conclusão da obra, salvo por novo contrato. A hipótese do art. 47, inc. IV, é destinada a locação residencial contratada verbalmente, ou por escrito com tempo inferior a trinta meses, prorrogada por tempo indeterminado, antes de cinco anos de vigência, porque depois de cinco anos de vigência a denúncia poderá ser vazia (inc. V).

6. Para uso próprio ou uso de ascendente ou descendente, exige a lei que o locador faça prova da propriedade do imóvel. O documento que faz a prova é a certidão do registro de imóveis e é indispensável à propositura da ação. A exigência da prova de propriedade ou da titularidade de direito real sobre o imóvel, como é o caso do compromissário-comprador em caráter irrevogável e título registrado, é bastante duvidosa, porque não se exige a propriedade para dar o imóvel em locação. A lei neste caso restringe o direito do locador que não tem título de propriedade, inibindo a retomada para uso próprio e de ascendente e descendente, o que nos parece ilegítimo. A preocupação da lei foi estabelecer um controle de maior seriedade do pedido. Essa preocupação se justificava quando a lei foi editada, porque ela encontrou um quadro de grave conflito entre locadores e locatários. Hoje nos parece que não tem mais cabimento esta restrição que bem poderia ser excluída da lei.

7. A lei procurou sancionar o locador que não deu ao imóvel a destinação alegada para o pedido de retomada motivado. Estabeleceu nesse sentido o seguinte: Art. 44. Constitui crime de ação pública, punível com detenção de três meses a um ano, que poderá ser substituída pela prestação de serviços à comunidade: [...] II - deixar o retomante, dentro de cento e oitenta dias após a entrega do imóvel, no caso do inciso III do art. 47, de usá-lo para o fim declarado ou, usando-o, não o fizer pelo prazo mínimo de um ano; III - não iniciar o proprietário, promissário comprador ou promissário cessionário, nos casos do inciso IV do art. 9º, inciso IV do art. 47, inciso I do art. 52 e inciso II do art. 53, a demolição ou a reparação do imóvel, dentro de sessenta dias contados de sua entrega;

Assegurou ao locatário, no parágrafo único do referido dispositivo, o direito de exigir o pagamento de multa: "Ocorrendo qualquer das hipóteses previstas neste artigo, poderá o prejudicado reclamar, em processo próprio, multa equivalente a um mínimo de doze e um máximo de vinte e quatro meses do valor do último aluguel atualizado ou do que esteja sendo cobrado do novo locatário, se realugado o imóvel."

8. Por fim, admite-se a retomada do imóvel imotivadamente se a vigência da locação ultrapassar 5 (cinco) anos (inc. V). Esta disposição da lei (inc. V) é aquela que compõe a combinação de regras para a retomada do imóvel sem motivo. Se a contratação escrita da locação é igual ou superior a trinta meses, vencido o contrato, tem o locador a denúncia vazia (art. 46, § 2º). Se a contratação é verbal, a denúncia vazia só pode ser exercida depois de cinco anos de locação (art. 47, V). Todavia, vencida a locação contratada com tempo inferior a trinta meses, a lei reserva ao locador a retomada do imóvel motivada (inc. I a IV).

A lei não é clara neste caso (inc. V) quanto à necessidade do locador notificar o locatário (denunciar a locação) e lhe conceder trinta dias para a desocupação, como disposto no art. 46, § 2º. No entanto, a locação que perdura por mais de cinco anos, nos termos do caput do art. 47, é a locação prorrogada por tempo indeterminado, não sujeita a termo. Logo, a resilição do contrato e a constituição em mora do devedor, quanto à sua obrigação de restituir a coisa, exige a interpelação (art. 397, par. único, CC).

Por conseguinte, deve ser aplicada no caso a mesma disposição do art. 46, § 2º, para exigir do locador a prévia notificação (denúncia), com prazo de trinta dias para a desocupação, antes do ajuizamento do pedido de despejo. É a interpretação, a nosso ver, que melhor se harmoniza com o sistema da lei.

9. Nas outras hipóteses de retomada deste art. 47 essa dúvida também está presente. Há entendimento firme na jurisprudência, inclusive do STJ, dispensando a notificação prévia nestes casos.

Insistimos em dizer que a locação, prorrogada por tempo indeterminado, estabelece para o locatário a obrigação de restituir a coisa, não sujeita a termo, somente a partir da interpelação, de forma que deverá ser feita a notificação para a denúncia da locação (resilição) e a constituição do locatário em mora, condição necessária a qualificar o interesse do locador no pedido de retomada judicial. É natural e intuitivo admitir que essa interpelação (denúncia do contrato) conceda ao locatário o prazo razoável para cumprimento da obrigação (restituição da coisa) que, para a lei 8.245/91, é de 30 dias, como está indicado para situação semelhante no art. 46, § 2º,  e art. 57.

É certo que o art. 61 concede seis meses de prazo para a desocupação ao locatário, nas hipóteses do art. 47, incs. III e IV, que manifestar a sua concordância com a desocupação requerida, o que levou os tribunais a afirmar que não é necessária a notificação prévia.  Ocorre que igual prazo é concedido também na hipótese do art. 46, § 2º, para a qual exige-se notificação e prazo de trinta dias para desocupação. A lei deveria conceder o prazo de seis meses para desocupação a partir do momento em que o locatário é interpelado (denúncia da locação), e não da sua concordância com o pedido de despejo ajuizado. Não obstante, para que se dê igual tratamento a duas situações semelhantes (locação por tempo indeterminado), a notificação com prazo de trinta dias deve ser feita.

Com essa disposição que concede mais seis meses para a desocupação, a lei acabou incentivando o litígio. O locador não faz a notificação, porque sabe que o inquilino, quando demandado, contará com mais seis meses de prazo para desocupação. E o locatário não atende a notificação, se ela ocorrer,  porque sabe do prazo que lhe assegura a lei depois de ajuizado o pedido. Não fosse somente a criação artificial do litígio a justificar a modificação da Lei, há um erro técnico em admitir o pedido de despejo antes da resilição contratual e da constituição do locatário em mora. O que impede a extinção dos processos ajuizados sem a notificação prévia, por falta de interesse de agir, é o fato de que a citação constitui o locatário em mora (art. 240, CPC) e produz o mesmo efeito. Não obstante a solução que a jurisprudência tem dado nesse sentido, emprestando esse efeito à citação, não se pode deixar de apontar a falta de técnica que decorre da interpretação que dispensa a notificação.

É importante lembrar que todas as locações residenciais que tenham sido celebradas anteriormente à vigência desta lei serão automaticamente prorrogadas por tempo indeterminado, ao término do prazo ajustado no contrato (art. 77). Neste caso, as locações residenciais que tenham sido celebradas anteriormente à vigência desta lei e que já vigorem ou venham a vigorar por prazo indeterminado, poderão ser denunciadas pelo locador, concedido o prazo de doze meses para a desocupação (art. 78).

Decorre das disposições dos arts. 46 e 47 a recomendação da lei para que a locação seja contratada por escrito e com prazo igual ou superior a trinta meses, porque são estes os requisitos que asseguram ao locador a retomada do imóvel por mera conveniência ao final da locação ou quando prorrogada por tempo indeterminado.

Recomendo ao leitor, para maior aprofundamento no tema, que consulte a grande obra coordenada por Jaques Bushatsky e Rubens Carmo Elias Filho (Locação ponto a ponto: comentários à Lei n. 8.245/91), publicada pela Editora IASP, da qual tive a honra de participar.