Condomínios, lei geral de proteção de dados pessoais e responsabilidade civil: É possível tal dialogo no âmbito do Direito Privado?
terça-feira, 17 de novembro de 2020
Atualizado em 18 de novembro de 2020 09:25
Como é sabido, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018, tem forte impacto em todas as Relações Privadas. São inúmeras as inserções na Tríade Civilística, assim entendia como Contrato, Família e Propriedade. Todavia, o presente artigo tem como objetivo entender suas interferências junto à atividade condominial, em especial a Responsabilidade Civil, ainda que de forma sintética, tendo em vista a amplitude de entrelaçamentos jurídicos, contábeis e sociais que envolvem tal fenômeno social.
Como premissa inicial, se faz necessário entender alguns pontos centrais da citada lei, para somente após verificar seus possíveis pontos de interação.
Desta forma, inegavelmente a lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade (artigos 1° e 3° da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).
Seu âmbito de aplicação é amplo e abrange qualquer operação de tratamento de dados realizada por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, bem como tem por objeto claramente dados pessoais que envolvam informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável, o que nos parece fatalmente atingir as relações condominiais.
Dentre as formas de obtenção dos dados, ou seja, conforme referida lei, para que seja possível o tratamento de dados pessoais, tal fato somente poderá ocorrer, dentre outras formas: para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória, quando necessário para a execução de contrato ou de procedimentos preliminares relacionados a contrato do qual seja parte o titular, a pedido do titular dos dados pelo controlador ou mediante o fornecimento de consentimento pelo titular.
Ao que se apresenta, para a devida e viável execução da administração do condomínio pelo sindico ou do gestor condominial, a utilização dos dados se faz necessária, até mesmo sob pena de ser responsabilizado civil, penal e admistrativamente. Tanto é assim, que imagine tentar realizar qualquer um dos deveres previstos no artigo 1.348 do CC sem os dados adequados. Somente pode haver, por exemplo, cobranças indevidas ou até mesmo a nulidade de assembleia por ausência de convocação adequada de todas as unidades autônomas.
Porém, não é só, há um grande entrelaço de contratos e relações intersubjetivas que envolvem tratamentos de dados não só de relações diretas entre administrador e condôminos, mas também com terceiros, tendo em vista a relação de controle de acessos junto às portarias ou até contato com possíveis promitentes compradores de imóveis das unidades autônomas.
Como atender as diretrizes legais presentes na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais? Bem, esse é um ponto sensível da referida legislação, pois, não obstante existirem critérios e parâmetros disponíveis na própria lei, a questão não se resolve somente por ferramentas jurídicas, mas também e especialmente com a utilização de ferramentas da área da Tecnologia da Informação, ou seja, o conjunto de todas as soluções oriundas de recursos de computação que visam à produção, ao armazenamento, à transmissão, ao acesso, à segurança e ao uso das informações.
Como é sabido, os processos contábeis, fiscais e administrativos cada vez são mais automatizados, com o uso de ferramentas tecnológicas, e, assim, todos os programas, pelo que se observa na referida legislação, devem estar preparados para essa nova demanda. Por esse motivo, a interdisciplinaridade quando da consultoria para implantação desses processos se faz necessária ou, no mínimo, prudente.
Retomando especificadamente os comandos normativos jurídicos, nos termos do artigo 9° da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, o titular dos dados tem direito ao acesso facilitado aos mesmos, que deverão ser disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva, ou seja, atender ao princípio do livre acesso.
Além do livre acesso, há clara disposição normativa (artigo 18° da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) no sentido de que o titular dos dados pessoais tem um amplo direito de obter do controlador a possibilidade de manuseio dos dados, dentre eles, solicitar a correção de dados incompletos, inexatos ou desatualizados. Assim, além do acesso amplo, há também a nítida gestão dos dados.
Por fim, porém não menos importante, quanto aos efeitos jurídicos da Responsabilidade Civil, tem-se uma seção especialmente dedicada ao tema entre os artigos 42 e 45, bem como o artigo 52 da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Podemos dividir didaticamente tal seção em 4 frentes:
a) efetiva reparação do dano, verificando-se hipóteses de solidariedade entre operadores e controladores de dados que atuam com violação à legislação de proteção de dados pessoais;
b) formas de rompimento do nexo de causalidade, quando os agentes provarem que não realizaram o tratamento de dados pessoais que lhes é atribuído; que, embora tenham realizado o tratamento de dados pessoais que lhes é atribuído, não houve violação à legislação de proteção de dados; ou que o dano é decorrente de culpa exclusiva do titular dos dados ou de terceiros;
c) as hipóteses de violação do direito do titular no âmbito das relações de consumo permanecem sujeitas às regras de responsabilidade previstas na legislação pertinente;
d) não obstante ser uma sanção administrativa, mas que repercute na espera patrimonial, deve ser registrado que, nos termos do artigo 52 da lei, se faz possível a aplicação de uma multa de até 2% (dois por cento) do faturamento da pessoa jurídica de direito privado, grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, limitada, no total, a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) por infração.
Diante de todo o exposto, pode ser percebido que a questão é de fundamental importância para a ordem civilista e merece o devido cuidado dos operadores dessa riquíssima atividade condominial, que comporta várias facetas junto à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
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*Cesar Calo Peghini é doutor em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de Direito (FADISP). Especialista em Direito do Consumidor na experiência do Tribunal de Justiça da União Europeia e na Jurisprudência Espanhola, pela Universidade de Castilla-La Mancha, em Toledo, Espanha. Especialista em Direito Civil pela Instituição Toledo de Ensino (ITE). Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD).