Fusão Azul-Gol: Um voo turbulento no transporte aéreo brasileiro
segunda-feira, 14 de abril de 2025
Atualizado em 11 de abril de 2025 13:43
A recente assinatura de um memorando de entendimento entre as companhias aéreas Azul e Gol, visando uma fusão, representa mais um capítulo conturbado no setor aéreo brasileiro. O documento ainda não foi oficialmente enviado ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), mas já levanta discussões acaloradas sobre os impactos para o mercado e os consumidores.
Codeshare controverso e a repercussão no Cade
Antes mesmo de cogitarem a fusão, Azul e Gol já haviam unido forças por meio de um acordo de codeshare, iniciado em junho de 2023. No entanto, apenas em 1º de março de 2024, a Superintendência-Geral do Cade afirmou que tal acordo, dada a natureza do tema e suas repercussões concorrenciais, poderia ter sido notificado ao órgão antitruste.
Fontes do Cade indicam que ainda é cedo para determinar uma infração de "gun jumping" - isto é, a consumação antecipada de uma operação de concentração econômica. Pela regra, a Azul e a Gol têm até maio de 2024 para formalizar o pedido.
Porém, o codeshare já começa a demonstrar consequências para o mercado aéreo. Reportagem do UOL, publicada em março de 2024, aponta uma redução de 11% na malha aérea das rotas incluídas no acordo para o segundo trimestre deste ano.
A Diio/Cirium, plataforma de dados de aviação, revelou que 12.986 voos estão programados, frente aos 14.564 realizados no mesmo período de 2023. Por outro lado, as rotas fora do acordo tiveram um aumento de 5% na oferta de voos, sugerindo um redirecionamento estratégico das operações.
Redução de rotas e desmonte de hubs
O acordo de codeshare também resultou na exclusividade de determinadas rotas para uma das empresas, consolidando monopólios regionais. A Azul deixou nas mãos da Gol trechos como Congonhas-Caldas Novas e Campina Grande-Salvador, além das rotas a partir do Galeão para Guarulhos e Maceió. A Gol, por sua vez, entregou para a Azul rotas como Salvador-Vitória da Conquista, Confins-Recife e Confins-Maceió, além de reduzir drasticamente sua presença no aeroporto de Viracopos, um importante hub da Azul.
Esse rearranjo levanta dúvidas sobre a manutenção da competitividade e a possibilidade de aumento de preços para os consumidores, principalmente em rotas já consolidadas por uma única empresa. Para além da estratégia operacional, a decisão reflete um desmonte gradual de hubs tradicionais, concentrando cada vez mais as operações de uma única empresa em determinados aeroportos.
Ajuda governamental: O Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC)
Em meio a esse cenário, as companhias Azul e Gol também foram beneficiadas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que refinanciou cerca de 6 bilhões de reais de dívidas relacionadas principalmente às tarifas de navegação devidas ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea). Além disso, o saldo remanescente foi parcelado em 120 vezes, garantindo um fôlego financeiro considerável para as empresas.
Vale destacar que parte significativa dessas verbas seria destinada à navegação aérea e segurança de voos. A Aeronáutica, que já tem um orçamento apertado, foi prejudicada diretamente pela medida e parece que ninguém se dá conta do inusitado da situação e das consequências para a segurança aérea no país.
Ainda assim, a pressão por mais recursos continua. O governo federal articula a liberação de R$ 4 bilhões do Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC), com empréstimos por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A primeira reunião do Comitê Gestor do FNAC estaria marcada para março de 2024, sob a coordenação do Secretário de Aviação Civil.
Eficiência ou gestão temerária?
A fusão entre Azul e Gol surge como um reflexo tanto de gestões empresariais problemáticas quanto das falhas estruturais da política pública para o setor aéreo no Brasil. A história de companhias quebradas, como VARIG, Transbrasil e VASP, entre outras, expõe a fragilidade de um mercado que depende constantemente de intervenções governamentais para sobreviver. Indicando, sobretudo, a ausência de uma política pública consistente para o setor.
A Latam, por outro lado, se reorganizou durante a pandemia, atravessando a crise com um processo de recuperação judicial e maior eficiência, sem depender de verbas oficiais diretas, destacando-se como um contraponto às turbulências de Azul e Gol. A situação da empresa foi resolvida pelo mercado, com injeção de capital próprio e de investidores. Sem nenhum apoio oficial.
Impactos para o consumidor: Concorrência ameaçada
Os defensores da fusão argumentam que manter as marcas separadas garantirá a competitividade. Mas, de fato, isso é "para inglês ver". Azul e Gol serão uma única empresa operando com duas marcas. No entanto, a concentração das operações e a redução de rotas indicam uma ação conjunta com o risco real de diminuição da concorrência e aumento dos preços das passagens. Para o consumidor brasileiro, já acostumado a enfrentar tarifas elevadas e pouca oferta de voos em determinadas regiões, a fusão pode significar um retrocesso.
Enquanto o Cade ainda avalia as implicações legais da operação, permanece a dúvida: até que ponto a união de Azul e Gol trará estabilidade ao mercado aéreo, ou será mais um episódio de concentração econômica prejudicial ao consumidor? O debate está apenas começando, e os desdobramentos dessa fusão prometem continuar na pauta regulatória e econômica nos próximos meses. Vale lembrar, com certa ironia, que a entrada da Azul no mercado, em 2008, foi celebrada como uma solução para romper com o duopólio então existente.