Governabilidade e orçamento: Despesas mandatórias comprometem governabilidade
segunda-feira, 30 de dezembro de 2024
Atualizado às 06:43
Um dos desafios mais sérios para o presidencialismo no Brasil está na configuração do Orçamento da União. Para o ano de 2024, 92% das despesas primárias são comprometidas por obrigações estabelecidas pela Constituição, por leis aprovadas no Congresso Nacional ou por contratos firmados pelo Governo Federal, incluindo o pagamento dos salários dos servidores federais, subsídios, sentenças judiciais, precatórios e os benefícios do programa Bolsa Família, entre outros. Isso deixa o governo com apenas 8% do orçamento primário para despesas discricionárias, o que restringe profundamente sua flexibilidade para implementar políticas públicas e projetos de governo.
Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o orçamento público brasileiro tem passado por um crescente processo de rigidez. Esse fenômeno é causado pela expansão das despesas obrigatórias, das transferências constitucionais e legais, pelas regras de indexação de gastos, pela exigência de aplicação mínima de recursos em setores específicos e pela vinculação de receitas a determinados tipos de despesas. Como consequência, a capacidade do Estado de executar políticas públicas e de realocar recursos de forma flexível para atingir metas fiscais fica significativamente limitada.
Considerando o Orçamento da União de 2024, entre as despesas obrigatórias, destacam-se os benefícios da Previdência Social, que consumirão R$ 913,7 bilhões, as transferências constitucionais aos estados e municípios, que somam R$ 516,5 bilhões, e os gastos com pessoal, que atingem R$ 380,4 bilhões. Esses três componentes, sozinhos, representam uma parcela gigantesca do orçamento federal, tornando qualquer tentativa de reorganizar ou redistribuir os recursos uma tarefa extremamente difícil.
Essa rigidez orçamentária significa que o governo federal está preso a compromissos previamente estabelecidos, sem a capacidade de redistribuir ou priorizar despesas de acordo com necessidades emergentes ou novas diretrizes de política pública. O peso dos benefícios previdenciários, que representam a maior fatia das despesas obrigatórias, reflete não só o envelhecimento da população, mas também o caráter generoso dos sistemas de seguridade social brasileiros. Da mesma forma, as transferências constitucionais são inegociáveis, pois garantem o equilíbrio fiscal de estados e municípios. Os gastos com pessoal, por sua vez, são uma consequência direta da máquina pública extensa e do funcionalismo público protegido por estatutos.
Um exemplo dramático está nas Forças Armadas do Brasil: a folha de pagamento dos militares brasileiros é, em termos proporcionais, mais de três vezes maior que a dos Estados Unidos. Atualmente, 78% dos gastos militares brasileiros são destinados a pessoal da ativa, da reserva e a pensões. Em 2024, essa conta somará R$ 77,4 bilhões. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, "as Forças Armadas gastaram quatro vezes mais com o pagamento de pensão militar (R$ 25,7 bilhões) do que com investimentos".
Apenas 8% do orçamento primário está disponível para despesas discricionárias, ou seja, aquelas que o governo pode administrar livremente. Esses gastos incluem investimentos em infraestrutura, ciência e tecnologia, além de programas sociais e outras áreas essenciais para o desenvolvimento econômico e social do país. No entanto, mesmo esse espaço limitado é alvo de intensa disputa política entre o Executivo e o Congresso Nacional.
Como mencionado, o Congresso, ao longo das últimas décadas, tem pressionado por um maior controle sobre essas verbas discricionárias. O chamado "orçamento impositivo", no qual emendas parlamentares ao orçamento devem ser executadas pelo Executivo, é um exemplo dessa disputa. Em um cenário de recursos tão limitados, a distribuição dessas verbas torna-se uma ferramenta de barganha política, na qual os parlamentares buscam destinar recursos para suas bases eleitorais, o que muitas vezes conflita com as prioridades do governo Federal.
Além disso, dentro dos 8% de despesas discricionárias encontram-se programas sociais importantes e investimentos estratégicos em áreas como saúde, educação e infraestrutura. O corte ou a redução desses investimentos pode impactar negativamente o crescimento econômico e o desenvolvimento social a longo prazo. A falta de flexibilidade orçamentária também limita a capacidade do governo de responder a crises emergenciais, como desastres naturais ou pandemias, como foi o caso da crise da Covid-19.
A rigidez orçamentária afeta diretamente a governabilidade no Brasil, pois limita a capacidade do governo de implementar políticas públicas e de responder de maneira ágil a mudanças nas condições sociais, políticas e econômicas. Governos democráticos são, em essência, eleitos para implementar seus programas e atender às expectativas da sociedade, mas a falta de flexibilidade no orçamento impede que isso aconteça de maneira plena.
Além disso, a necessidade de negociar com o Congresso Nacional por uma fatia dos recursos discricionários cria um cenário de instabilidade e conflitos políticos constantes. A barganha por recursos discricionários transforma o orçamento em uma arena de disputa constante entre o Executivo e o Legislativo, enfraquecendo a capacidade de liderança do presidente e gerando um ciclo de dependência política.
Dada a rigidez do orçamento brasileiro, há um consenso entre analistas e formuladores de políticas de que reformas fiscais são necessárias para aumentar a flexibilidade das despesas. A reforma da Previdência, aprovada em 2019, foi um passo importante nesse sentido, mas outras reformas fiscais podem ser necessárias para reduzir o peso das despesas obrigatórias e liberar espaço para investimentos essenciais.