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A polêmica do Fórum Shopping

terça-feira, 26 de novembro de 2024

Atualizado às 14:09

O Fórum Shopping, embora juridicamente permitido, levanta questões éticas e práticas que evidenciam fragilidades e oportunidades do sistema judicial brasileiro. No Brasil, a escolha estratégica de foros muitas vezes é utilizada para explorar lacunas legais ou buscar decisões mais favoráveis. Contudo, essa prática também reflete a crescente influência de pressões externas, notadamente de atores internacionais, que, ao interferirem no funcionamento do Judiciário nacional, colocam em risco sua soberania e credibilidade. Esse tema foi abordado recentemente no início de novembro durante o Congresso Íbero-Brasileiro de Direito e Governança Global, promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito Legislativo e pela Universidade de Salamanca, evento no qual tive a oportunidade de expor minhas reflexões sobre o assunto. 

Um exemplo emblemático dessa prática são os chamados "fundos abutres". Especializados em financiar litígios de alto retorno financeiro, esses fundos têm direcionado sua atenção para ações contra empresas brasileiras em setores estratégicos, como mineração, petroquímica, sucroalcooleiro e agroindústria. Embora frequentemente aleguem atuar em defesa da justiça social e de reparações às vítimas, sua verdadeira motivação é, na maioria das vezes, de natureza essencialmente financeira, mascarada por discursos de cunho humanitário. 

Por meio de bancas internacionais de advocacia, esses fundos buscam jurisdições estrangeiras, como Londres e Amsterdã, para processar empresas brasileiras, subvertendo a legitimidade do Judiciário nacional. O caso da tragédia de Mariana, por exemplo, expõe de forma clara essa dinâmica. Em 2022, a Corte de Apelação do Reino Unido permitiu que uma ação coletiva contra a BHP fosse julgada na Inglaterra, mesmo diante de processos em andamento no Brasil. A decisão foi justificada pela suposta "ineficiência" da Justiça brasileira, uma crítica infundada e desrespeitosa às instituições nacionais, que ignora o caráter acessível e inclusivo do sistema jurídico brasileiro quando comparado ao de muitas nações estrangeiras. Essa tendência, que pode ser interpretada como uma forma de "colonização do Judiciário", fragiliza as estruturas institucionais brasileiras e favorece interesses externos, criando um precedente perigoso para a soberania jurídica do país. 

Os impactos negativos do fórum shopping são ainda mais exacerbados por sua desigualdade estrutural. Empresas ou indivíduos com maior capacidade financeira exploram essas brechas para buscar jurisdições favoráveis, acentuando desigualdades processuais. Além disso, a fragmentação jurídica gerada por ações em múltiplos foros aumenta os atrasos, os conflitos de competência e a insegurança jurídica. Esse cenário se agrava com a utilização do sistema jurídico internacional como ferramenta de pressão por fundos abutres, desviando o foco das necessidades reais das vítimas e das responsabilidades corporativas. 

É importante destacar que o Brasil tem avançado para mitigar os abusos relacionados ao fórum shopping. O Código de Processo Civil de 2015 introduziu dispositivos que permitem contestar e corrigir escolhas fraudulentas ou abusivas de foro. Mais recentemente, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, tomou uma medida importante ao barrar o pagamento de honorários por municípios a bancas de advocacia internacionais. No entanto, essas iniciativas, embora positivas, não são suficientes diante da crescente atuação de interesses externos. É imprescindível fortalecer a harmonização jurisprudencial e adotar uma postura mais assertiva na defesa da soberania nacional. A cooperação internacional também deve ser explorada como uma ferramenta para evitar que litígios envolvendo o Brasil sejam desnecessariamente deslocados para outras jurisdições. 

O uso recorrente e, por vezes, abusivo do fórum shopping revela os desafios estruturais enfrentados pelo sistema judicial brasileiro. Para enfrentá-los, é necessário equilibrar a proteção dos direitos das partes vulneráveis com a preservação da legitimidade do Judiciário nacional. Apenas assim será possível impedir que atores estrangeiros interfiram indevidamente em nossas instituições, fortalecendo a confiança no sistema jurídico e garantindo sua integridade frente às pressões globais.