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Desafios da reprodução humana assistida póstuma: é preciso legislar?

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Atualizado às 07:28

Em setembro de 2023 foi instalada a Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil (Lei 10.406, de 2002), composta por 38 juristas e presidida pelo Ministro Luiz Felipe Salomão.1 A comissão formada tem desempenhado um importante papel e tem primado por um debate plural e profícuo com a participação da sociedade, que pode, inclusive, enviar propostas e participar das audiências públicas previamente divulgadas. Além da comissão principal, foram criadas subcomissões com a participação de especialistas na temática, o que possibilitou a apresentação de diversas formas propostas que demonstram as diversas formas de interpretação das normas e as novas necessidades sociais, que urgem por mudanças legislativas e maior segurança jurídica.

É fundamental o olhar dos aplicadores do Direito que atuam dentro de algumas especialidades para auxiliar na construção de uma hermenêutica do Direito Civil permeada por avanços biotecnológicos e que acarretam o surgimento de novas situações jurídicas antes não conhecidas e não exploradas e que carecem de uma regulamentação efetiva diante do vácuo normativo existente. 

O Direito Civil se confronta diariamente com as novas demandas que surgem diante das possibilidades apresentadas com o uso de tecnologias, da inteligência artificial, de ferramentas biológicas que interferem e desestruturam conceitos já consolidados como os que se referem ao início e ao fim da vida. Como bem já referiu o Ministro Edson Fachin: "uma lei se faz código no cotidiano concreto da força construtiva dos fatos, à luz de uma interpretação conforme os princípios, a ética e valores constitucionais".2 E é assim que se dará, com o uso das técnicas de reprodução humana assistida.

Na subcomissão instaurada para tratar de sucessão e reprodução assistida, tive a oportunidade de participar do debate e apresentar proposta.3 Mas, antes de fazê-lo, fez-se necessário percorrer alguns pontos que se conectam com o uso da reprodução, como os direitos à livre disposição corporal, à igualdade dos filhos; os negócios jurídicos envolvidos, os aspectos de filiação, a sucessão hereditária, os problemas temporais, entre outros, que se confrontam com o contexto da regulação vigente.

As técnicas de reprodução humana assistida são datadas, aproximadamente, do final da década de 1970 (1978), início de 1980, com o caso Louise Brown, o primeiro bebê de proveta gerado pela fertilização in vitro,4 e no Brasil, em 1984, com Anna Paula Caldeira.5

A criopreservação de gametas masculina e feminina faz parte do processo de reprodução assistida, seja para fertilização in vitro ou para inseminação artificial6 e tem ganho grande proporção no Brasil e no mundo, até pela capacidade de congelamento do material por longos períodos. A título de ilustração, vale citar os casos já veiculados, tais como o da Molly Gibson, que nasceu em 2020 de um embrião congelado por quase 27 anos, depois os gêmeos Lydia Ann e Timothy Ronald Ridgeway, que nasceram de embriões congelados por mais de 30 anos.7

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1 Disponível aqui.

2 FACHIN, Luiz Edson. Código civil: lei nova e velhos problemas. Revista Del Rey Jurídica, Belo Horizonte, n. 11, p. 18, abr./jun. 2003. p. 18.

3 Disponível aqui.

4 A reprodução assistida após os 40 anos de Louise Brown. Ilha do Conhecimento, 16 ago. 2018. Disponível aqui.

5 O primeiro bebê de proveta no Brasil. Disponível aqui.

6 A inseminação artificial consiste, em suma, na colocação do sêmen diretamente na cavidade uterina da mulher, enquanto que a fertilização in vitro ocorre o desenvolvimento em laboratório do embrião que é posteriormente transferido para o útero.

7 Gêmeos nascem de embriões congelados há mais de 30 anos. Disponível aqui.