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Criptomoedas como um direito pessoal: repercussões práticas

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Atualizado em 29 de novembro de 2024 14:55

Resumo

Começamos por resumir, em tópicos, as principais ideias deste artigo:

  1. A titularidade de criptomoedas corresponde à titularidade de direitos pessoais (que são bens móveis por determinação legal - art. 83, III, CC), e não de direitos reais. (capítulos 1 e 2).
  2. A titularidade de direitos sobre "moedas" ou "funcionalidades" disponibilizadas em jogos eletrônicos é de direito pessoal, à semelhança do que, mutatis mutandi, se dá com a titularidade sobre as criptomoedas (capítulos 1, 2 e 3.1.).
  3. No caso de criptomoedas com âncora conhecida - como no caso da famosa ether -, a titularidade de criptomoeda é um direito pessoal com identificação de um sujeito de direito obrigado a garantir a satisfação do direito do titular (capítulo 3.2.).
  4. No caso de criptomoeda sem âncora conhecida - como na hipótese do bitcoin -, a titularidade segue sendo um direito pessoal, mas é desconhecido o sujeito de direito que pudesse, em tese, vir a ser obrigado a garantir a satisfação do direito do titular (capítulo 3.3.).
  5. No caso de aquisição, gestão e alienação de criptomoedas vir a ser realizada com a intermediação de uma corretora, seria, em regra, descabido cogitar em lei que instituísse patrimônio de afetação sobre as titularidades das criptomoedas, pois a corretora atuará como mera mandatária. A exceção corre à conta das hipóteses em que a corretora exerce a intermediação por meio de uma operação de espelhamento obrigacional (capítulo 3.4.1. e 3.4.2.).
  6. Merece reflexão eventual conveniência de lei que estabeleça regime de patrimônio de afetação sobre o dinheiro depositado nas contas das corretoras de criptomoedas como forma de fortalecer a segurança jurídica dos investidores (capítulo 3.4.1.).
  7. O pagamento, com criptomoedas, da aquisição de um bem não configura um contrato de compra e venda, e sim um contrato de permuta (capítulo 3.5).

1. Introdução

Qual a natureza jurídica da criptomoeda? É um direito real? É um direito pessoal? Qual a repercussão prática disso?

Esse é o foco do presente artigo.

Desde logo, por todas as conversas que nos ajudaram a amadurecer o tema, agradecemos ao amigo jurista Rafael de Castro Alves, consultor legislativo do Senado, advogado e ex-procurador do Banco Central, dono de profundo conhecimento em Direito aplicado ao mercado financeiro.

A resposta às perguntas centrais deste artigo tem de se encaixar na classificação do CC, para bens móveis, os quais podem ser:

a) Bem móvel por natureza (art. 82, CC1);

b) Bem móvel por determinação legal, que pode ser subdividido em (art. 83, CC2):

b.1) Energia elétrica;

b.2) Direitos reais;

b.3) Direitos pessoais de caráter patrimonial.

A questão não é meramente estética. Há desdobramentos práticos dessa categorização, conforme veremos ao longo deste artigo. Além disso, a importância das criptomoedas é tamanha que foi editada a lei das criptomoedas (lei 14.478/22), regulando esse "ativo virtual" (para usar a nomenclatura legal).

Antes de responder e avançar na resposta da pergunta central deste artigo, convém uma comparação.

Alguns jogos eletrônicos de computador, de Playstation e de outras plataformas permitem que o usuário "compre" armaduras ou roupas para o seu personagem.

É clássico o jogo Fortnite, que vende "armaduras" (geralmente chamadas de skin) para o personagem. A propósito, segundo notícia colhida da mídia, houve um caso de um menino britânico de 10 anos de idade que gastou mais de US$ 1.500,00 no jogo Fortnite, comprando itens para o seu personagem no jogo.3 De curiosidade, em 2021, para os amantes do jogo, foi lançada a skin traje do Batman, a qual é disponibilizada por 1.500 V-Bucks, "moeda oficial do jogo". Para adquirir 1.500 V-Bucks, o jogador precisa pagar, em real, um valor para a empresa fornecedora do jogo Fortnite, e esta, em contrapartida, disponibilizará o referido quantitativo de moeda digital. Esses 1.500 V-Bucks deve ficar por volta de R$ 37,00.4

Indaga-se: Qual a natureza jurídica dessas "armaduras" compradas para o personagem do jogo? E a natureza jurídica da moeda oficial do jogo Fortnite?

Há uma tendência popular de tratar esses "bens digitais" como se fossem direitos reais de propriedade. É comum ouvir alguém dizer: Sou dono de mil bitcoins; ou sou dono da armadura do Batman no jogo fortnite; ou tenho milhares de V-Bucks, a moeda digital do mundo digital.

Mas é preciso tomar cuidado para que o senso comum não contamine a acuidade técnica dos conceitos jurídicos, pois o regime jurídico é diverso a depender da natureza jurídica das coisas.

Desde logo, já respondemos: As criptomoedas, assim como a armadura do Batman no Fortnite bem como as moedas oficiais desse jogo (os V-Bucks), não passam de meros direitos pessoais (art. 83, III, CC). Não se trata de um direito real de propriedade.

2. Direitos reais vs direitos pessoais: Bens incorpóreos

Reportamo-nos a anterior artigo nosso em que defendemos que os direitos reais não podem recair sobre bens incorpóreos, salvo lei expressa em sentido contrário. No máximo, o que há no nosso ordenamento é hipótese de direito pessoal que atrai, no que couber, regras de direitos reais por razões de ordem práticas.5

Como inexiste lei que etiquete a titularidade sobre criptomoedas como direitos reais, a natureza jurídica dessa titularidade é de direito pessoal (art. 83, III, CC). Pode-se, apenas no couber, aplicar regras de direitos reais.

3. Criptomoedas como direito pessoal

3.1. Comparação com "ativos" de jogos virtuais

Ao ingressar no Fortnite, o usuário celebra um contrato com o fornecedor desse jogo. Não há a intermediação humana no momento da celebração desse contrato. E nem seria necessário, porque a figura do smart contracts lato sensu6 retrata exatamente a existência de contratos cuja celebração, execução ou extinção ocorre mediante um sistema cibernético. Nesses casos, o que importa é a vontade humana inicial, que forneceu esse sistema cibernético a adotar determinada reação diante de uma ação do usuário.

Portanto, no caso do Fortnite, quando o usuário compra as "moedas virtuais do jogo" e quando as utiliza para comprar para o seu personagem a "armadura do Batman" ou outra skin, tudo não passa de um serviço prestado pela empresa fornecedora do jogo ao usuário. O serviço consiste em garantir ao usuário esse universo cibernético e fantasioso cativante à mente humana. Tudo é uma ilusão de ótica causada pelo software do Fortnite.7

Logo, o que o usuário titulariza é apenas um direito pessoal: A fornecedor do jogo Fortnite tem de garantir ao usuário a continuidade do serviço cibernético, com os personagens comandados pelo usuário com as "armaduras" ou outras skins escolhidas pelo jogador, respeitada, obviamente, eventual particularidade contratual que respalde eventual descontinuidade do jogo.

Não há, de modo algum, qualquer direito real do usuário sobre a "armadura do Batman".

Teoricamente, se, na plataforma do jogo, for possível um personagem entregar a outro personagem, de outro usuário, a "armadura do Batman", outra skin ou até mesmo as moedas oficiais do jogo, o que teremos aí seria uma transmissão do direito pessoal (especificamente uma cessão de crédito, uma cessão de contrato ou outro instituto translativo de direito pessoal, a depender do tipo de jogo). O outro usuário passará a titularizar o direito pessoal que havia sido adquirido pelo anterior jogador. O fornecedor do Fortnite terá de assegurar ao personagem do novo jogador a "armadura do Batman" ou outras skins.

Em tese, esse direito pessoal poderá até ser utilizado em contrato de permuta na vida real. Suponha que alguém - que é um fanático jogador de Fortnite - esteja a vender um celular. Imagine que aparece um outro fanático jogador interessado em adquirir o celular. Ora, nesse caso, seria totalmente lícito que esses jogadores fizessem um contrato de permuta: O celular de um em troca do direito pessoal do outro à "armadura do Batman" ou a uma determinada quantida de V-Bucks (a moeda oficial do jogo). O antigo dono do celular, após a permuta, passaria a ter a "armadura" do Batman ou passaria a ter uma quantidade de V-Bucks para gastar no jogo, tudo por ter-se tornado titular do respectivo direito pessoal perante o fornecedor do Fortnite.

De modo similar, quando discutirmos a natureza jurídica das criptomoedas, a comparação é bem didática. É claro que, se formos discutir o regime jurídico aplicável (o que seria outro assunto), não há nada a comparar, porque a importância assumida pelas criptomoedas nos negócios jurídicos é muito superior ao da "armadura" do Batman do boneco do Fortnite.

3.2. Criptomoedas com âncora conhecida: Natureza jurídica

Quanto às criptomoedas, temos dois grupos principais: Aquelas com uma âncora conhecida e aquelas sem âncora conhecida.

O primeiro grupo diz respeito a casos em que há uma pessoa (física ou jurídica) conhecida que comanda a disponibilização de criptomoedas. É o caso do ether, criptomoeda que é comandada por uma pessoa jurídica (que chamaremos de fornecedor do ether).

Nesse caso, quando o usuário acessa o software que dá acesso à plataforma blockchain para realizar transações com ether, o que se tem aí é um verdadeiro contrato desse usuário com o fornecedor da ether. Trata-se de um contrato com uso de tecnologia para a contratação, a execução e a celebração do contrato, mediante reações cibernéticas do sistema desenhado pelo desenvolvedor da ether.

Quando o usuário adquire ether, ele, na verdade, adquire apenas um direito pessoal perante o fornecedor, o qual tem o dever de manter o serviço da plataforma funcionando para garantir a identificação da titularidade do ether.

3.3. Criptomoedas sem âncora conhecida: Natureza jurídica

O segundo grupo de criptomoedas é daqueles não possuem âncora conhecida. É o caso do bitcoin, que se opera por meio de uma plataforma de blockchain que foi desenvolvida por uma pessoa desconhecida e que é autoexecutável mediante a participação dos mineradores.

Ao acessar o software que permite operações nessa plataforma, o usuário celebra um contrato com o desconhecido fornecedor do Bitcoin. Trata-se de um contrato com uso de tecnologia para a celebração e a execução mediante as reações automáticas do sistema cibernético.

O problema é que, como o fornecedor é desconhecido, os usuários não terão, na prática, contra quem endereçar eventual ação de responsabilidade civil contratual no caso de a plataforma de blockchain vir a ser retirada totalmente do ar (com, inclusive, eventual apagamento dos espelhamentos da plataforma nos computadores de todos os mineradores).

No mais, o raciocínio desenvolvido para as criptomoedas com âncora conhecidas é totalmente aplicável, inclusive em relação à presença de eventual corretora.

3.4. Corretora e a questão do patrimônio de afetação

Como fica o arranjo jurídico de titularidade de criptomoedas quando o usuário contrata uma corretora?

Nesse ponto, temos duas situações: Uma sem o que chamamos de operação de espelhamento obrigacional e outra com esse espelhamento.

3.4.1. Corretora SEM operação de espelhamento obrigacional

Começamos pela operação sem esse espelhamento.

Nessa hipótese, se o usuário contrata uma corretora e passa a esta a sua senha pessoal, a verdade é que a corretora atuará como mera mandatária do usuário: Acessará o software que permite operar na plataforma de blockchain específica para, em nome do usuário, fazer alienações ou transferências de ether.

Como se vê, a corretora não é titular de nenhum direito real, mas é mera mandatária. Por isso, se essa corretora vier a falir, o juízo falimentar não poderá arrecadar as criptomoedas dos usuários, pois essas criptomoedas são direitos pessoais dos usuários: A corretora é mera mandatária deles.

Por essa razão, nessa situação, são totalmente descabidas reflexões de instituir regime de patrimônio de afetação sobre as criptomoedas: Inexiste qualquer titularidade de direito real sobre criptomoedas! Nem mesmo o cliente tem direito real, mas mero direito pessoal perante o fornecedor da ether.

A única sensibilidade é se o usuário vier transferir dinheiro (em real, por exemplo) para uma conta bancária da corretora, com o objetivo de esta, como mandatária, vir a fazer aquisição de ether. Nesse caso, indaga-se: Se vier a ser decretada a falência da corretora, como ficará esse "dinheiro"?

Antes de responder, é preciso uma lembrança.

O dinheiro transferido para a corretora é apenas um direito pessoal que se aproxima ao do depositante no contrato de depósito irregular de que trata o art. 645 do CC.8 É similar ao dever dos bancos em que depositamos cédulas de dinheiro.

É diferente do que se dá com o dinheiro em espécie (a cédula). Este é um bem corpóreo. Sobre ele, há direito real de propriedade. Quando entregamos cédulas de dinheiro para o banco, a propriedade é transferida por se tratar de uma coisa fungível. Em contrapartida, o banco assume um dever obrigacional de restituir cédulas semelhantes caso o cliente venha a exigir (art. 587 e 645, CC9).

Se for decretada a falência do banco, os clientes se unirão aos demais credores em busca de receber a satisfação do seu direito pessoal (o direito a receber, em espécie, o valor que foi depositado).

Igual resposta há para a corretora de criptomoedas: Ela apenas tem um dever de natureza obrigacional perante o usuário.

Em tese, até seria possível que uma lei estabelecesse que as corretoras deveriam manter segregação contábil do dinheiro depositado pelo usuário e só poderiam utilizar esse dinheiro a compra de criptomoedas ou para restituir ao usuário. Nessa hipótese, até se poderia estabelecer um regime de patrimônio de afetação desse dinheiro para imunização diante de outros credores da corretora. Trata-se de alternativa plenamente viável ao legislador, até porque as corretoras de criptomoedas não podem exercer atividades de intermediação financeira por não serem instituições financeiras.

Cabe um alerta: Se o fornecedor do ether vir a adotar alguma conduta capaz de retirar a plataforma do ar (Exemplo: Apagar dos computadores de todos os mineradores os espelhamentos da plataforma de blockchain), só sobrará aos usuários (que tinham ether) a opção de ajuizar ações de responsabilidade civil contratual contra o fornecedor.

3.4.2. Corretora COM operação de espelhamento obrigacional

Situação diferente é quando a corretora de criptomoeda atua por meio do que chamamos de operação de espelhamento obrigacional.

3.4.2.1. Definição da operação de espelhamento obrigacional e o exemplo das BDRs

A operação de espelhamento obrigacional dever de manter a titularidade de um crédito (crédito principal) como forma de vir a satisfazer um crédito do devedor (crédito espelhado). Essas operações podem ou não envolver títulos de crédito.

A operação de espelhamento obrigacional é comumente utilizada em situações em que uma pessoa pretende adquirir um direito pessoal (crédito, título de crédito, criptomoedas etc.), mas há obstáculos operacionais que inviabilizam ou dificultam demasiadamente esse pleito.

Nessas hipóteses, um intermediário (que chamaremos de espelhador) realiza uma operação destinada a assegurar um resultado prático similar.

De um lado, adquire, em nome próprio, o direito pessoal almejado (crédito principal), superando todos os referidos obstáculos operacionais, e obriga-se a manter esse crédito pessoal até "segundas ordens" por parte do interessado. De outro lado, o espelhador obriga-se, perante o interessado, em pagar a este o valor do crédito principal quando este vier a ser realizado, deduzidas eventuais remunerações pelo serviço de intermediação.

A operação de espelhamento obrigacional é empregada, pela B3 (empresa que mantém a Bolsa de Valores e outros serviços relevantíssimos ao mercado de capitais), para viabilizar a pretensão de investidores que desejam adquirir ações ou outros valores mobiliários no exterior.

De uma forma bem simplificada e sem minúcias técnicas irrelevantes ao presente artigo, podemos resumir assim a operação.10

Como há expressivos obstáculos operacionais a que se consiga formalizar diretamente a compra de ativos estrangeiros em nome do investidor brasileiro, a B3 vale-se de uma operação de espelhamento obrigacional: Ela adquire, em nome próprio, o ativo estrangeiro (crédito principal) e, concomitamente, emite ao investidor brasileiro uma BDR (Brazilian Depositary Receipts). A BDR é um título de crédito11 por meio do qual o emitente (no caso, a B3) obriga-se a manter a titularidade daquele ativo estrangeiro e a entregar ao investidor o valor obtido com a futura venda ou realização daquele ativo estrangeiro.

Assim, suponha que investidor brasileiro queira comprar uma ação da Apple Inc., que é negociada em bolsa de valores nos EUA. É muito burocrático viabilizar essa pretensão diretamente. O investidor poderia, então, adquirir uma BDR da Apple (que é identificada na Bolsa de Valores Brasileira pelo ticker APPL34), emitida pela B3, de modo a obter um resultado prático similar.

3.4.2.2. Caso das corretoras de criptomoedas

As corretoras de criptomoedas podem oferecer aos investidores operações de espelhamento obrigacional para satisfazer-lhes a pretensão de adquirirem criptomoedas.

Isso, porque aquisição e alienação de criptomoedas diretamente pelo usuário envolvem dificuldades operacionais a ponto de ser mais fácil para as corretoras realizar esses atos em nome próprio (crédito principal) e obrigar-se, perante o investidor, a entregar-lhe os proveitos econômicos correspondentes (crédito espelhado).

Nesses casos, a corretora será a titular das criptomoedas, ou seja, será a titular de direitos pessoais.

Já o investidor será titular de um outro direito pessoal, especificamente um direito de crédito perante a corretora.

Em situações como essa, como a corretora é a titular das criptomoedas (que é um direito pessoal), há risco de credores pessoais da corretora (Ex.: credores trabalhistas, fiscais etc.) virem a penhorar e excutir esses bens, o que frustraria totalmente a segurança jurídica necessária dos investidores.

Diante disso, é conveniente que a lei preveja o regime de patrimônio de afetação para imunizar essas titularidades de criptomoedas por parte da corretora perante outros credores que não seja o próprio investidor.

3.5. Pagamento de compra de bens com criptomoedas: Compra e venda ou permuta?

Um dos desdobramentos práticos é discutir se, por exemplo, os Cartórios de Notas poderiam ou não lavrar escrituras públicas de transferência de um imóvel em troca do recebimento de criptomoedas (como a famosa bitcoin).

Nesse ponto, com acerto, o provimento 38/21 da CGJ/RS12 permite esse tipo de escritura e nomina o contrato translativo como o de permuta nos termos do art. 533 do Código Civil.13

De fato, não se trata de compra e venda, pois esta se caracteriza pela entrega de dinheiro. Dinheiro deve ser entendido apenas como a moeda oficial do país ou de outro país (respeitadas as regras restritivas de uso de moeda estrangeira no país, como a do art. 13 da lei do mercado de câmbio - lei 14.286/21).14 Não importa aí se o dinheiro será pago em espécie ou por transferência bancária (em que, na prática, há apenas uma transferência de um direito pessoal do cliente de um banco, já que o depósito bancário configura uma espécie de contrato de depósito15), pois, em ambos os casos, temos uma forma de circulação de dinheiro oficial nos termos da lei.

_________

1 Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.

2 Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais:

I - as energias que tenham valor econômico;

II - os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes;

III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.

3 Disponível aqui

4 Disponível aqui.

5 OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias. Direitos Reais sobre Coisa Incorpórea?. Disponível aqui. Publicado em 27 de novembro de 2024.

6 Sobre a nomenclatura dos smart contracts, ver: OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Smart Contracts vs Contratos Eletrônicos vs Outras Classificações: Por uma sistematização de nomenclatura. Disponível aqui. Publicado em 14 de novembro de 2024.

7 Alertarmos, desde logo, que as "moedas virtuais" ou as armaduras ou outra skin dos personagens do jogo Fortnite não se enquadram como "ativos virtuais" para efeito da lei 14.478/2022. Esta Lei define "ativos virtuais" com o objetivo de viabilizar uma regulamentação estatal deles e, com isso, foca representações virtuais de valor com o objetivo precípuo de pagamento e investimentos (art. 3º). Além do mais, o art. 3º, III, da referida lei exclui expressamente do seu âmbito "instrumentos que provejam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços, a exemplo de pontos e recompensas de programas de fidelidade". 

8 Art. 645. O depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo.

9 Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição.

Art. 645. O depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo.

10 Uma descrição mais técnica está disponível aqui.

11 Alertamos que os títulos representativos de direitos também devem ser considerados títulos de créditos, regidos por regras de Direito Cambial.

12 Art. 1º - Os Tabeliães de Notas apenas lavrarão escrituras públicas de permuta de bens imóveis com contrapartida de tokens/criptoativos mediante as seguintes condições cumulativas:

I - declaração das partes de que reconhecem o conteúdo econômico dos tokens/criptoativos objeto da permuta, especificando no título o seu valor;

II - declaração das partes de que o conteúdo dos tokens/criptoativos envolvidos na permuta não representa direitos sobre o próprio imóvel permutado, seja no momento da permuta ou logo após, como conclusão do negócio jurídico representado no ato;

III - que o valor declarado para os tokens/criptoativos guarde razoável equivalência econômica em relação à avaliação do imóvel permutado;

IV - que os tokens/criptoativos envolvidos na permuta não tenham denominação ou endereço (link) de registro em blockchain que deem a entender que seu conteúdo se refira aos direitos de propriedade sobre o imóvel permutado.

Art. 2º - Os Registradores de Imóveis, na qualificação de títulos referentes a transações de imóveis por tokens/criptoativos, observarão a presença das exigências do art. 1º, e, caso atendidas, transcreverão expressamente no ato as cláusulas relativas aos incisos I e II.

Art. 3º - Todas os atos notariais e registrais realizados na forma deste provimento deverão ser comunicados ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, na forma do Provimento nº 88/2019 do Conselho Nacional de Justiça.

13 Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações:

I - salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da troca;

II - é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante.

14 Art. 13. A estipulação de pagamento em moeda estrangeira de obrigações exequíveis no território nacional é admitida nas seguintes situações:

I - nos contratos e nos títulos referentes ao comércio exterior de bens e serviços, ao seu financiamento e às suas garantias;

II - nas obrigações cujo credor ou devedor seja não residente, incluídas as decorrentes de operações de crédito ou de arrendamento mercantil, exceto nos contratos de locação de imóveis situados no território nacional;

III - nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre residentes, com base em captação de recursos provenientes do exterior;

IV - na cessão, na transferência, na delegação, na assunção ou na modificação das obrigações referidas nos incisos I, II e III do caput deste artigo, inclusive se as partes envolvidas forem residentes;

V - na compra e venda de moeda estrangeira;

VI - na exportação indireta de que trata a lei 9.529, de 10 de dezembro de 1997;

VII - nos contratos celebrados por exportadores em que a contraparte seja concessionária, permissionária, autorizatária ou arrendatária nos setores de infraestrutura;

VIII - nas situações previstas na regulamentação editada pelo Conselho Monetário Nacional, quando a estipulação em moeda estrangeira puder mitigar o risco cambial ou ampliar a eficiência do negócio;

IX - em outras situações previstas na legislação.

Parágrafo único. A estipulação de pagamento em moeda estrangeira feita em desacordo com o disposto neste artigo é nula de pleno direito.

15 Há quem defenda que o contrato de depósito bancário configura um contrato atípico, mas isso é irrelevante para efeito deste artigo. O que importa é que o cliente é titular de um direito pessoal.