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Oficina notarial e registral: Emolumentos - art. 237-A da LRP

quarta-feira, 12 de abril de 2023

Atualizado às 07:58

Dando seguimento à nossa seção oficinal, hoje destacamos uma importante decisão prolatada pela magistrada titular da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, Dra. Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad, em resposta a consulta, formulada nos termos do art. 29 da lei 11.331, de 26/12/2002 c.c. inc. XIV do art. 30 da lei 8.935/1994.

O tema emolumentar é sempre espinhoso. Toda decisão repercute largamente entre os registradores e demais operadores do direito, razão pela qual a própria lei impõe que o juiz corregedor permanente possa encaminhar as suas decisões "à Corregedoria Geral da Justiça, para uniformização do entendimento administrativo a ser adotado no Estado" (§ 2º do dito art. 29). E justamente aqui calha um aviso muito importante. Vamos a ele.

Aviso importante

O § 2º do art. 29 da Lei Estadual Paulista 11.331/2002 impõe o envio da decisão proferida pelo juiz corregedor à apreciação da Corregedoria Geral de Justiça para que se dê a uniformização do entendimento administrativo a ser adotado no Estado. O leitor deve ter em mente que a decisão, abaixo reproduzida, poderá ser reformada pelo E. Corregedoria Geral. Além disso, é esperável recurso dos próprios interessados.

Tendo em conta tudo isto, vale a pena conhecer o caso concreto e apreciar os argumentos postos em debate - até que se dê a palavra final, a cargo da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo.

Situação jurídica da matrícula

O imóvel matriculado se acha submetido ao regime da incorporação imobiliária, sendo proprietários A e sua mulher B, e C, pessoa jurídica, na proporção de 27,5619% ao casal e 72,4381% a C.

Apresentada escritura pública de venda e compra de frações ideais, vinculadas a futuras unidades autônomas, os proprietários alienaram-nas a 19 adquirentes, todos nomeados e qualificados no instrumento. Além da compra e venda de frações ideais pactuada, os vendedores e compradores firmaram, no mesmo ato, negócio jurídico declarando-se devedores dos proprietários. Com o registro, todos se tornarão comproprietários nas frações ideais que corresponderão a futuras unidades autônomas.

A incorporadora não participou do negócio jurídico, embora tenha formulado o requerimento. A sua intervenção cingiu-se simplesmente à representação dos proprietários no ato notarial.

Atos e cobrança de emolumentos

A questão resume-se aos seguintes pontos: (a) definição dos atos que deverão ser praticados e, subsequentemente, (b) qual deva ser o critério de cobrança dos emolumentos.

Os interessados propugnam pela cobrança de emolumentos que incidirão sobre tal ato isolado. Em arrimo de sua pretensão, citam o § 1º do art. 237-A, enxertado na LRP, in verbis:

Art. 237-A. Após o registro do parcelamento do solo, na modalidade loteamento ou na modalidade desmembramento, e da incorporação imobiliária, de condomínio edilício ou de condomínio de lotes, até que tenha sido averbada a conclusão das obras de infraestrutura ou da construção, as averbações e os registros relativos à pessoa do loteador ou do incorporador ou referentes a quaisquer direitos reais, inclusive de garantias, cessões ou demais negócios jurídicos que envolvam o empreendimento e suas unidades, bem como a própria averbação da conclusão do empreendimento, serão realizados na matrícula de origem do imóvel a ele destinado e replicados, sem custo adicional, em cada uma das matrículas recipiendárias dos lotes ou das unidades autônomas eventualmente abertas.

§ 1º Para efeito de cobrança de custas e emolumentos, as averbações e os registros relativos ao mesmo ato jurídico ou negócio jurídico e realizados com base no caput deste artigo serão considerados ato de registro único, não importando a quantidade de lotes ou de unidades autônomas envolvidas ou de atos intermediários existentes.

O cenário de aplicação da lei, após as sucessivas reformas, tornou-se deveras confuso - fato, aliás, reconhecido pela magistrada - e já suscitou algumas decisões da Corregedoria Geral de Justiça do nosso Estado. Elas foram proferidas antes do advento da MP 1.085/2021 e da lei 14.382/2022, o que não empana os argumentos aqui expostos, nem a jurisprudência evocada. Assim, tendo o art. 237-A da LRP sido novamente alterado pelos últimos diplomas, abre-se ocasião para novamente apreciar as questões, agora sob a égide das novas disposições legais.

Vetor interpretativo e as finalidades da lei

Há um vetor que deve orientar o intérprete na compreensão da lei: o dispositivo colhe atos relativos à pessoa do incorporador ou àqueles "referentes a quaisquer direitos reais, inclusive de garantias, cessões ou demais negócios jurídicos que envolvam o empreendimento".

Não será todo e qualquer ato a ser praticado que haverá de atrair a franquia legal. No caso concreto, o incorporador sequer compareceu à escritura na condição de parte, nem os negócios jurídicos envolveram diretamente o empreendimento empresarial. São negócios jurídicos contratados entre as partes, que, obviamente, podem dispor livremente de sua propriedade (frações ideais).

Sobre as finalidades da lei, TARTUCE e OLIVEIRA sustentam que o princípio que orientou as reformas terá sido a atenção ao "pleito existente no mercado de não se onerarem esses empreendimentos com custos que poderiam ser contornados ou atenuados, o que refletiria no preço final a ser cobrado do consumidor, pela venda das unidades autônomas"1. Os autores qualificam a situação que pode ocorrer nestes casos (atraindo a incidência da regra) como atos jurídico-reais globais, i.e., atos "relativos ao próprio empreendedor (v. g., a averbação de mudança de nome, a averbação de casamento) ou ao empreendimento como um todo (v. g., o registro de hipoteca dos imóveis em garantia do financiamento das obras)". E continuam:

"Esses atos jurídico-reais globais contrapõem-se aos atos jurídico-reais individualizados, assim entendidos aqueles que dizem respeito apenas a uma unidade autônoma individualizada, a exemplo do registro de sua venda a determinado consumidor".

(...)

"Existem, assim, dois custos principais. O primeiro custo é com a abertura das matrículas-filhas e o segundo, com a repetição, em cada matrícula-filha, de atos jurídicos praticados na matrícula-mãe. A Lei do SERP girou em torno dessa preocupação ao promover alterações no art. 237-A da Lei de Registros Públicos"2.

A abertura das matrículas-filhas, no caso concreto, é uma faculdade do registrador, nos termos dos §§ 4º e 5º do art. 237-A da LRP, o que se pode se dar sem qualquer custo ao interessado. De outra banda, não se promoverá a repetição, "em cada matrícula-filha, de atos jurídicos praticados na matrícula-mãe". O que se fará, quando eventualmente abertas as matrículas ex officio, é a prática dos atos correspondentes de compra e venda nas matrículas-filhas, seus receptáculos naturais.

Por fim, os mesmos autores dirão que a regra não se aplicaria a atos jurídico-reais individualizados, pois, "se o empreendedor vender dois lotes, o registro dessa venda a ser feito nas duas matrículas-filhas pertinentes gerará a cobrança de emolumentos por cada um dos atos. O registrador cobrará dois emolumentos, um por cada ato de registro"3.

Como se vê, a doutrina não diverge da orientação que se consolidou na jurisprudência registral paulista. Nos termos do parecer oferecido no Processo CG 0009006-08.2019.8.26.0344, o tema veio à balha. Colhe-se do precedente:

"A atividade empresarial desenvolvida pelo incorporador, na forma do art. 28 da lei 4.591/1964, que tem por finalidade a venda das unidades autônomas a construir, ou em construção, visando a obtenção de lucro, não pode ser confundida com os atos praticados na matrícula que envolvam o próprio empreendimento.

A cobrança de emolumentos como ato único, conforme dispõe o art. 237-A, § 1º, da lei 6.015/1973, diz respeito apenas a averbações e registros relacionados ao próprio empreendimento e não, à alienação, por qualquer modo, pelo incorporador a terceiros adquirentes das unidades autônomas a serem construídas ou já construídas. A atividade empresarial desenvolvida pelo incorporador, na forma do art. 28 da lei 4.591/1964, que tem por finalidade a venda das unidades autônomas a construir, ou em construção, visando a obtenção de lucro, não pode ser confundida com os atos praticados na matrícula que envolvam o próprio empreendimento.

Em outras palavras, tal como bem esclarecido pelo Oficial de Registro em sua manifestação (fl. 01/12), para a cobrança de emolumentos como ato único é imprescindível que os registros e averbações estejam relacionados à pessoa do incorporador como responsável pelo empreendimento e aos negócios jurídicos visando que seja concluído mediante construção do edifício e instituição do condomínio edilício, tais como registro de hipotecas de futuras unidades autônomas para conclusão da obra e o registro da instituição do condomínio com a sua transposição para as fichas auxiliares que serão convertidas nas matrículas. Essa, no entanto, não é a hipótese dos autos4.

Baseado neste precedente, a mesma Eg. CGJSP voltaria a prestigiar a tese de que a cobrança de emolumentos, como ato único, "diz respeito apenas às averbações e registros relacionados ao próprio empreendimento e não à alienação, por qualquer modo, pelo incorporador a terceiros adquirentes das unidades autônomas a serem construídas ou já construídas"5.

No caso concreto, a alienação foi feita pelos proprietários - não pela incorporadora. Parece razoável apanhar o sentido da norma que se orienta na direção de beneficiar o núcleo do próprio empreendimento de incorporação imobiliária. Não tem sentido alcançar as várias modalidades de negócios que possam ser entabulados entre terceiros no interregno da incorporação.

O mesmo juízo da 1ª Vara de Registros Públicos filiou seu entendimento nos precedentes citados no Processo1034340-75.2022.8.26.0100, mas notou um aspecto importante - e que calha às considerações aqui expendidas. O §15 do artigo 32 da lei 4.591/64, que foi incluído pela Medida Provisória 1.085/2021 (mantida na lei 14.382/2022 - art. 10), "não tratou especificamente da base de cálculo ou da forma como devem ser calculados os emolumentos, cuja atribuição compete aos Estados", arrematando que "não há como se concluir que a legislação federal alterou a forma como devem ser calculados os emolumentos"6.

De fato, a nota explicativa n. 3 (Tabela II da Lei Estadual n. 11.331/02), reza que:

"3. Com respeito à aquisição de frações ideais de terreno vinculadas a futuras unidades autônomas, no regime de incorporação, a cobrança de emolumentos será feita em duas etapas. Quando do registro de alienações de frações ideais do terreno, os emolumentos serão calculados sobre o valor da fração ideal do terreno, constante da escritura ou seu valor venal correspondente, o que for maior. Efetivada a instituição de condomínio especial, sem prejuízo dos emolumentos devidos por este ato, serão cobrados emolumentos referentes a cada unidade autônoma, considerando o valor derivado da edificação realizada ou do negócio jurídico celebrado, o que for maior".

A compra e venda de frações ideais de futuras unidades autônomas atrai a incidência dos emolumentos de acordo com a tabela estadual (Notas Explicativas, 3, Tabela II) e dos impostos devidos (art. 171 do Decreto  62.137/2022), levando-se em consideração cada ato de alienação em si mesmo considerado. Logo, parece lógico que devam ser praticados vários atos de compra e venda nas matrículas das futuras unidades autônomas que serão descerradas por este Registro (§ 4º do dito artigo 237-A da LRP). Assim, cada "fração ideal que corresponderá a determinada unidade autônoma" poderá inaugurar nova matriz, lançando-se nela os atos de alienação correspondentes e cobrando-se os valores emolumentares respectivos.

Conclusão

Podemos concluir, com base nos precedentes citados, e na interpretação teleológica da norma, o seguinte:

a) Poderão ser abertas matrículas para as futuras unidades autônomas do empreendimento, sem a cobrança dos emolumentos (§§ 4º e 5º do art. 237-A da LRP).

b) Cada negócio jurídico, que tenha por objeto futura unidade autônoma (fração ideal), será lançado como ato de registro em sentido estrito.

c) Cada registro de alienação a terceiros (alheios ao microssistema da incorporação) atrairá a incidência de emolumentos, não se aplicando a regra do art. 237-A da LRP).

Decisão do Corregedor Permanente

A magistrada respondeu à consulta concluindo pela não aplicação do artigo 237-A da LRP aos negócios envolvendo alienação de frações ideais correspondentes a futuras unidades autônomas a terceiros.

Contudo, afastou a cobrança de emolumentos "para a abertura das matrículas recipiendárias de cada unidade autônoma, nas quais serão replicadas as correspondentes transmissões de titularidade".

Em relação às alienações das frações ideais, decidiu pela "incidência de emolumentos sobre cada um desses registros, observando-se a tabela própria, com enquadramento dos serviços de registro conforme os parâmetros estabelecidos na lei Estadual 11.331/02". A íntegra da r. decisão pode ser consultada aqui.

__________

1 TARTUCE. Flávio. OLIVEIRA. Carlos E. Elias de. Lei do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos. São Paulo: Forense, 2023, pp. 217 et seq.

Op. cit. loc. cit.

Op. cit. loc . cit.

4 Processo CG 0009006-08.2019.8.26.0344, Marília, decisão de 27/11/2020, Dje 3/12/2020, Corregedor Geral Des. RICARDO MAIR ANAFE. Acesso aqui.

5 Processo CG 1005346-86.2019.8.26.0344, Marília, dec. de 9/2/2021, Dje 11/2/2021, Des. RICARDO MAIR ANAFE. Acesso aqui.

6 Processo 1VRPSP 1034340-75.2022.8.26.0100, j. 26/5/2022, Dje 30/5/2022, Dra. LUCIANA CARONE NUCCI EUGÊNIO MAHUAD. Acesso aqui.