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Inventário e partilha extrajudiciais: aspectos controvertidos do ponto de vista notarial

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Atualizado às 14:06

Resumo: O inventário e partilha extrajudiciais foram procedimentos reinseridos no ordenamento jurídico brasileiro por ocasião da entrada em vigor da lei 11.441/2007. Aborda-se neste artigo: conceito; histórico; competência notarial; regime jurídico aplicável; o prazo e multa tributária; pressupostos e requisitos legais; partilha parcial e sobrepartilha; repercussões tributárias do instituto; e a gratuidade da escritura pública.

Conceito

A palavra inventário se origina do latim invenire, que traduz a ideia de encontrar, achar, descobrir, inventar. Decorre também de inventum, isto é, invenção, invento, descoberta (VENOSA, 2011, p. 37). Em sentido lato, trata-se do procedimento destinado à declaração do patrimônio do falecido para a liquidação do acervo, com eventual quitação de dívida e partilha do saldo remanescente em favor dos sucessores (KÜMPEL, 2017, p. 911).

A acepção estrita do termo não destoa: consiste no rol de todos os bens e responsabilidades patrimoniais de um indivíduo (DIAS, 2011, p. 533), que se transmitirão aos sucessores. A finalidade do instituto é, pois, encontrar, descobrir e descrever os bens do acervo hereditário, discriminando o ativo e o passivo, bem como eventuais interessados nesses bens, sobretudo os herdeiros e os credores.

Partilha, por seu turno, é o ato procedimental que põe fim à comunhão hereditária, atribuindo a cada sucessor, isoladamente considerado, sua parcela no monte partível, isto é, os bens eventualmente restantes após solver-se o passivo1. Isso porque a herança é deferida como um todo unitário (art. 1.791, caput, do Código Civil - CC), ou seja, os bens objeto da sucessão são transmitidos conjuntamente, formando um condomínio de caráter eminentemente transitório (PEREIRA, 1997, p. 289), que assim permanecerá até que se ultime a partilha (art. 1791, parágrafo único, do CC).

Histórico

Embora seja lição corrente na doutrina2 no sentido de que, em nosso direito, o inventário sempre fora judicial até a lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007, enquanto a partilha, havendo concordância entre os herdeiros, pudesse ser também extrajudicial, tal não se confirma. De fato, as Ordenações Filipinas já previam3, como atribuição do Tabelião de Notas, a lavratura de inventários.

Alguns autores, no entanto, já salientavam que a via judicial nem sempre fora o procedimento obrigatório para o inventário. Monteiro (1974, p. 271), por exemplo, leciona que, no regime da lei 3.232, de 22 de outubro de 1884, processava-se o inventário perante repartição fiscal, desde que os herdeiros fossem capazes. Inclusive, resgatando ensinamento de Lopes da Costa, anota que, no Estado de Minas Gerais, assim se procedeu até o advento da lei 693, de 12 de setembro de 1917, que aboliu o inventário administrativo. Caio Mário afirma, ademais, que, em outros ordenamentos jurídicos4, e na sistemática do direito anterior, o inventário judicial é facultativo no caso de serem todos maiores e capazes, como ainda no de ser ínfimo o valor do espólio (PEREIRA, 1997, p. 266). Pontes de Miranda trata, sem maiores divagações, da abolição do inventário extrajudicial pelo Código de Processo Civil de 1939 - CPC/39 (MIRANDA, 1954, p. 197); sepultando, por definitivo, interpretações do art. 1.770 do CC/16  que, embora usasse o termo "inventário judicial", não impossibilitava o administrativo.

Com efeito, trata-se de novidade relativa, que já possuía precedentes no antigo ordenamento pátrio. Dessa sorte, a lei 11.441/2007, que alterou o Código de Processo Civil de 1973 - CPC/73, apenas reinseriu o inventário administrativo em nosso sistema jurídico, mantendo, a propósito, algumas restrições do direito pré-codificado, como demonstrado acima.

__________

1 Com sua precisão habitual, preleciona Pontes de Miranda: "A partilha, no sentido estrito do Direito das Sucessões, é a operação processual pela qual a herança passa do estado de comunhão pro indiviso, estabelecido pela morte e pela transmissão por força de lei, ao estado de quotas completamente separadas, ou ao estado de comunhão pro indiviso ou pro diviso, 'por força de sentença'" (MIRANDA, 1954, p. 223). Caio Mário também destaca o fato de pôr fim à comunhão hereditária (PEREIRA, 1997, p. 290).

2 Nesse sentido: THEODORO JÚNIOR, 2021b, p. 240; DIAS, 2011, p. 563.

3 Confira-se, por oportuno: "E farão todos os testamentos, cedulas, codicillos, e quaesquer outras ultimas vontades, e todos os inventarios, que os herdeiros e Testamenteiros dos defuntos e outras pessoas lhes quizerem mandar fazer, per qualquer maneira que seja: salvo os inventarios dos Menores, Orfãos, Prodigos, ou Desasisados, onde houver Serivão de Orfãos, porque então os fará elle [...]" (Livro I, Título LXXVIII, "7").

4 Conquanto não fosse, ainda, o caso, quando o texto foi escrito pelo mestre, foi aprovada, em 2019, a lei 117, de 13 de setembro, que revoga a legislação anterior que tratava do inventário notarial, já admitido anteriormente no ordenamento português por força da lei 23, de 5 de março de 2013.

5 A redação era: "Proceder-se-á ao inventário e partilha judiciais na forma das leis em vigor no domicílio do falecido [...]". Note-se que, apesar do texto legal, era pacífico que a partilha podia ser feita extrajudicialmente, sendo que a controvérsia recaia somente sobre o inventário.