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Cartórios extrajudiciais e responsabilidade civil: oficial, preposto e Estado

quarta-feira, 9 de junho de 2021

Atualizado às 07:45

Introdução

No caso de danos causados a particulares por atos notariais e registrais, quem responde civilmente?

Trataremos da responsabilidade civil por atos decorrentes dos serviços notariais e registrais.

Noções gerais

Os serviços notariais e de registro ("cartórios ou serventias extrajudiciais") são delegações de serviço público outorgadas a particulares aprovados em concurso público na forma do art. 236, CF. Não se confundem com as hipóteses gerais de delegação de serviço público e, por isso, o seu regime de responsabilidade civil não se sujeita à hipótese geral do art. 37, § 6º, da CF. Por ordem do § 1º do art. 236 da CF, a responsabilidade civil desses oficiais extrajudiciais será disciplinada por lei específica. Trata-se de delegação sui generis.

Responsabilidade do oficial

Os oficiais extrajudiciais respondem subjetivamente pelos danos que causar pessoalmente ou por meio de seus prepostos, assegurado o direito de regresso contra esse preposto. Essa responsabilidade subjetiva passou a ser textual no art. 22 da lei 8.935/94 com a nova redação recebida pela lei 13.286/2016.

Somente o oficial à época do ato danoso é que responde. A responsabilidade é pessoal dele. Novo delegatário de serviço notarial e de registro não responde por ato danoso praticado pelo anterior. O oficial não é uma pessoa jurídica, e sim uma pessoa natural que recebe a delegação, razão por que não pode responder por danos causados por outra pessoa. Veja este julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

RESPONSABILIDADE CIVIL. NOTÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE PERNAMBUCO PELOS DANOS CAUSADOS PELO TITULAR DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL NÃO-OFICIALIZADA. PRECEDENTES.

A responsabilidade civil por dano causado a particular por ato de oficial do Registro de Imóveis é pessoal, não podendo o seu sucessor, atual titular da serventia, responder pelo ato ilícito praticado pelo sucedido, antigo titular. Precedentes.

Recurso especial provido.

(STJ, REsp 696.989/PE, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ 27/11/2006).

Responsabilidade civil do preposto

No caso de o ato danoso ter sido praticado por preposto, indaga-se: o preposto pode ser demandado diretamente pelo prejudicado?

Entendemos que não, porque o art. 22 da lei 8.935/94 adota o princípio da dupla garantia. É semelhante com a responsabilidade civil do Estado por ato agente público à luz do art. 37, § 6º, da CF: não cabe ação diretamente contra o agente público. O art. 22 da lei 8.935/1994 e o art. 34, § 6º, da CF possuem a mesma estrutura redacional.

E há motivos para tanto. O legislador preferiu colocar o risco da atividade sobre o oficial, inclusive o risco decorrente de demandas propostas por terceiros. O preposto não deve ser submetido a constrangimentos de ações judiciais de terceiros.

É, porém, assegurado que o oficial exerça direito de regresso contra o preposto no caso de dolo ou culpa.

A jurisprudência não é consolidada. Faltam precedentes. De qualquer forma, há um julgado do STJ que acena nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. OFICIAL DE CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. ATO PRATICADO ANTES DE SUA TITULAÇÃO, QUANDO DESEMPENHAVA A FUNÇÃO DE OFICIAL SUBSTITUTO. EMISSÃO DE CERTIDÃO DE REGULARIDADE DE MATRÍCULA COM BASE NA QUAL FOI REALIZADO NEGÓCIO JURÍDICO. POSTERIOR ASSUNÇÃO DA TITULARIDADE DO CARTÓRIO.

CANCELAMENTO DA MATRÍCULA EM FUNÇÃO DE DUPLICIDADE. IMPUTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE. LEGITIMIDADE PASSIVA.

1. Em princípio, a responsabilidade dos titulares de Cartórios Extrajudiciais é pessoal e intransmissível. Contudo, o art. 22 da Lei 8.935/94 assegura o exercício, por estes, do direito de regresso em face de seus prepostos nas hipóteses de dolo ou culpa.

2. Se um preposto do Cartório, na qualidade de Oficial Substituto, atesta a regularidade de uma matrícula e, posteriormente, ao assumir a titularidade do Cartório, cancela a mesma matrícula cuja legitimidade atestara, é possível que o prejudicado ajuíze diretamente em face dele uma ação para apurar sua responsabilidade civil. Isso porque, nas hipóteses em que haja dolo ou culpa, seria dele, de todo modo, a responsabilidade final pelo incidente.

3. Recurso especial conhecido e improvido.

(STJ, REsp 1270018/MS, 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, DJe 28/06/2012).

Questão interessante é saber se o preposto poderia vir a ser demandado caso ele venha a se tornar, posteriormente oficial. Entendemos que aí seria cabível sua responsabilização direta por parte da vítima. O STJ segue essa linha. Na hipótese de esse preposto vir a, no futuro, assumir a delegação do serviço extrajudicial, a ação de indenização poderá ser proposta diretamente contra ele, e não contra o anterior oficial, pois, em razão do direito de regresso, seria esse ex-preposto que suportaria o encargo financeiro da responsabilidade civil (STJ, REsp 1270018/MS, 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, DJe 28/06/2012).

Capacidade de ser parte: pessoa do oficial, e não cartório

Cartório não tem personalidade jurídica nem é um ente despersonalizado. É apenas uma designação da delegação para fins de controle administrativo, como para identificação administrativa (ex.: 7º Ofício de Registro de Imóveis de Anápolis).

De fato, nas palavras do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, "os cartórios ou serventias não possuem legitimidade para figurar no polo passivo de demanda indenizatória, pois são desprovidos de personalidade jurídica e judiciária, representando, apenas, o espaço físico onde é exercida a função pública delegada consistente na atividade notarial ou registral" (STJ, REsp 1177372/RJ, 3ª Turma, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Rel. p/ Acórdão Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 01/02/2012).

Logo, não cabe ação diretamente contra o cartório, pois ele não tem capacidade de ser parte. O polo passivo da ação deve ser da pessoa do tabelião ou do registrador (STJ, REsp 1177372/RJ, 3ª Turma, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Rel. p/ Acórdão Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 01/02/2012; REsp 545.613/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 29/06/2007; AgRg no REsp 1360111/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 12/05/2015).

Responsabilidade do Estado por ato do oficial extrajudicial

O Poder Público (mais especificamente o Estado, que é o ente federativo delegante) responde objetiva e solidariamente pelos atos praticados pelos oficiais extrajudiciais, dada a aplicação do § 6º do art. 37 da CF. Esse é o entendimento do STF, que foca o fato de os oficiais serem delegatários de serviço público (STF, RE 842846, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 13-08-2019). Cabe ao Estado agir regressivamente contra o titular dos serviços notariais e de registro no caso de culpa.

Não nos parece o melhor entendimento. Temos que o ideal era considerar a responsabilidade do Estado como sendo subsidiária em razão de o regime de delegação dos serviços notariais e de registro não se confundir com o dos demais serviços públicos por ter previsão específica no art. 236 da CF. Para aprofundamento, remetemos à dissertação de mestrado do tabelião e jurista Hércules Alexandre da Costa Benício1.

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1 BENÍCIO, Hércules Alexandre da Costa. Responsabilidade civil do Estado decorrente de atos notariais e de registro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.