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Eleições presidenciais norte-americanas - os EUA possuem um Código eleitoral?

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Atualizado em 1 de novembro de 2024 15:09

Nas últimas eleições presidências norte-americanas de 2020, escrevemos nessa coluna uma série de três artigos sobre o tema e, no último deles (clique aqui), tratamos do curioso sistema de eleição indireta através do chamado Colégio Eleitoral.  No presente texto, aduzimos alguns pontos adicionais sobre a legislação eleitoral dos EUA.

A Constituição Americana de 1787 diz muito pouco sobre eleições.  Isso espelha sua natureza sintética, mas também uma das maiores características da formação federalista dos EUA: a enorme autonomia político-jurídica dos Estados.  Por isso mesmo, como veremos a seguir, os EUA não possuem um código eleitoral de âmbito nacional, mas apenas legislação esparsa, que visa tão somente assegurar e ampliar o direito ao voto.

De fato, causa enorme perplexidade ao mundo que o berço da democracia constitucionalista não possua um sistema de escolha do Chefe do Executivo por eleição direta dos cidadãos.  Mas não se pode perder de vista que a engenharia constitucional norte-americana, além de ter representado um fenomenal e corajoso trabalho por parte dos chamados founding fathers, é obra de seu tempo, sujeita às limitações tecnológicas, desafios geográficos e dificuldades logísticas de todas as sortes.

Além disso, é importante fazer-se referência ao próprio processo de formação da federação norte-americana.  Ao contrário do Brasil, onde o poder político sempre teve estrutura centralizada, delegando-se, de forma centrípeta e paulatina, alguns poderes jurídico-políticos aos Estados, nos EUA, o esquema  federativo desenvolveu-se a partir de uma matriz política centrífuga, em que as recém-emancipadas 13 colônias "concederam" à nova "União" apenas parte menor dos poderes político-jurídicos, reservando-se para si a maior parte.  Tal elenco de poderes concedidos (e enumerados) é, pois, o próprio texto da Constituição norte-americana de 1787. 

Portanto, embora a Constituição dos EUA e algumas leis federais estabeleçam alguns parâmetros gerais a respeito dos processos eleitorais, as eleições, inclusive as presidenciais, são eventos eminentemente estaduais, regidos por leis distintas de cada Estado, além de decisões administrativas dos seus governos e precedentes de seus Poderes Judiciários.

No atinente às eleições presidenciais, em âmbito federal, destacam-se as seguintes normas:

  • Artigo II da Constituição: o termo de 4 anos para os cargos de Presidente e Vice-Presidente, a idade mínima de 35 anos e 14 anos de residência no país para o cargo de Presidente, o número de eleitores do Colégio Eleitoral e impedimentos para esses cargos, a data em que os membros do Colégio deverão depositar seus votos, e o juramento presidencial a ser prestado no ato da posse (Inauguration)
  • A 12ª Emenda à Constituição, adotada após a conturbada eleição presidencial de 1800, impediu, em síntese, que o Colégio Eleitoral pudesse eleger Presidente e Vice-Presidente de partidos distintos, além de obliquamente vedar que ambos fossem oriundos do mesmo Estado da Federação.
  • A 15ª Emenda (1870), logo após a Guerra Civil Americana, proibiu qualquer discriminação por raça, cor ou prévia condição de escravo.  Ainda assim, muitos Estados do Sul, derrotados na Guerra, não desistiram de suas práticas discriminatórias e, ao longo dos anos, instituíram vários outros subterfúgios legais a fim de coibir a participação da comunidade negra nos processos políticos, como a instituição de tributos como requisito para o voto (Poll Tax) e os testes de alfabetização1.
  • A 19ª Emenda (1920) assegurou o direito de voto às mulheres, na esteira de diversos movimentos emancipatórios do fim do século 18 e início do século 19.
  • A 24ª Emenda à Constituição visou conter as práticas discriminatórias acima citadas.
  • O Voting Rights Act de 1965
  • O Título 3, Capítulo 1, do Código Federal de Leis
  • O Federal Election Campaign Act de 1971, o qual, mais tarde, deu origem à criação da Comissão Federal Eleitoral (1974), uma agência executiva federal

Todo o vastíssimo campo restante da legislação eleitoral é de competência dos Estados, tais quais, e.g.: a forma de escolha dos eleitores2 do Colégio Eleitoral, como e quais os candidatos à presidência são escolhidos (eleições primárias), os requisitos e formas de registro dos eleitores, as formas de votação, e se os votos do colégio eleitoral deverão seguir a escolha majoritária do voto popular no Estado ou contabilizar a votação distrital também3.

As eleições presidenciais desse ano se darão no dia 5 de novembro, embora a quase totalidade dos Estados já tenha iniciado o processo de recebimento das cédulas através da chamada votação antecipada (early voting) ou via correios (mail-in voting). 

O provável vencedor é anunciado em questão de dias após o pleito pela Associated Press.  Mas é apenas no dia 17 de dezembro que o Colégio Eleitoral apresenta seus votos, reunindo-se seus membros em cada um dos Estados.  No dia 6 de janeiro de 2025, os votos do Colégio Eleitoral serão contados em sessão conjunta do Congresso, em Washington, D.C., ocasião em que o Presidente do Senado (Vice-Presidente) anunciará formalmente o resultado das eleições.  E, em 20 de janeiro, ocorrerá a posse do novo Presidente eleito (Inauguration).

_________

1 Destaquem-se as chamadas Leis Jim Crow e as Grandfather clauses, adotadas após a 15ª Emenda pela Lousiana, Virginia, Mississippi, South Carolina e Alabama. Entre 1896 e 1901, o número de cidadãos negros com direito a obter o registro de eleitor caiu de 44.8% para 4%.  V. ACLU, Voting Rights Act: Major dates in history.  Disponível aqui.  Acesso em 25.11.2024

2 O que, aliás, em referência ao vernáculo, dá origem a outro falso cognato, sendo o termo "elector" reservado aos membros do Colégio Eleitoral, e a expressão "voters" utilizado para os cidadãos eleitores em geral.

3 48 Estados seguem o princípio do "winner takes all", onde o voto popular majoritário faz com que os todos os votos do Colégio Eleitoral daquele estado sigam para o candidato vencedor, enquanto Maine e Nebraska dividem os votos do colégio eleitoral entre os vencedores pelo voto majoritário e pelo voto distrital.